Estava eu, com uma carioca e um mineiro no prestigiado Santo Grão, uma espécie de café-bistrot da Rua Oscar Freire.
“E o senhor vai pedir o que?”
Perguntou-me o garçom.
E eu quase respondo.
“Seis pãezinhos, 250 gramas de queijo e 250 gramas de presunto e aqui estão os vasilhames”.
Antes de o leitor me chamar de encrenqueiro explico. O lugar onde está o Santo Grão hoje, ficava a antiga padaria Domani, a qual minha mãe me mandava comprar pão.
Na época em que a loja Side Walk se chamava sorveteria Caramba e que a sorveteria Soto Zero era a loja de brinquedos Piá.
Ao ler a revista Veja São Paulo dessa semana sobre os marcos e pessoas importantes, para a consolidação da metrópole me fez pensar na minha vila.
Na doceira Duomo com suas tortinhas de morango, seu lustre colorido que minha mãe e minha avó me levavam e de onde eu via os ônibus elétricos da Rua Augusta.
O Pão de Açúcar chamava-se Casa da Banha. Meus amigos eram do Dante e do São Luiz, mas nós estudávamos num colégio descolado lá pros lados de Pinheiros. Acho que meus pais achavam o Dante em desacordo com a redemocratização ou coisa que o valha.
Ainda havia a La Baguette na Rua Padre João Manoel em que os clientes devolviam a embalagem de papel para levar o pão tal quais os Parisienses. O clube Paulistano já não era mais só dos Prados e ensaiava sua conversão ao cosmopolitismo conservador atual.
A loja de departamento Sandis na também Rua Augusta a livraria Argumento e a ótica Elegante, vizinhas na Oscar Freire e eu moleque trocava dizendo: Ótica Argumento e livraria Elegante.
Mais tarde quando cresci fui descobrindo alem dos “jardins” os bairros da Liberdade, Itaim, Morumbi, Vila Madalena, Bixiga, Mooca, Perdizes o lindo bairro de Higienópolis e o inquietante centro.
Mas vendo a Veja nada me emociona. Antigos industriais Italianos existem na Itália na Argentina e nos EUA. Comerciantes árabes aos milhões no oriente médio e pelo mundo. Sushis, pizzas idem. Intelectuais como os Andrades pelo Brasil todo. Futebol então...
Eis que vejo um dos vinte e cinco marcos da reportagem e começo a chorar descabidamente. Chorar mesmo. Ali está o homem que falava a língua que eu falo uma espécie de português. O único ser humano que já me fez ter vontade de cantar. O único marco que é genuinamente paulistano.
O encontro da África com a Itália, com o caipira, com o circo.
Ali está Adoniran Barbosa.
Nunca entendi porque existem tão poucos bares de Samba em São Paulo. Por que não existem casas de Samba no meu bairro? Nenhuma.
Não sei por que ele me toca tanto. Do café viemos e ao café voltaremos.
“Um café lati ou latte si vu ple”. É o que eu digo ao garçom do Santo Grão.
Enquanto meus amigos vão conversando sobre Sampa. Palavra que eu nunca entendi. Porque a minha vila se chama São Paulo. E eu sou paulista da capital. Das Alamedas: Lorena, Tiete, Casa Branca, Pamplona, Itu, Jaú, Santos, Franca, Batataes, Caconde, Tatuí, Riberão Preto, Campinas, da Rua Augusta e claro da Avenida 9 de Julho.
Não dei nenhuma googada, mas acredito que não exista rua ou praça com o nome de Adoniran Barbosa.
Fica aqui a minha homenagem. Ele não ergueu prédios, não fez fortuna, não teve jornais, nem nada.
O que ele fez então?
Ele? Nos inventou.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
A menina da mochila
Bem antigamente, há uns vinte e quatro anos atrás, toda segunda feira, o clube Paulistano fechava seus bares e restaurantes às oito horas da noite. E os vigias eram dispensados mais cedo.
Aproveitando isso, eu e os outros meninos saíamos do treino de pólo aquático e nem tomávamos banho. Corríamos para um telhado próximo ao vestiário feminino, onde deitados de barrigas para baixo, víamos pelas frestas das janelas, as meninas tomarem banho. Nunca soube se elas tinham conhecimento disso ou não. Nessa época eu era fascinado pelas mulheres mais velhas. As de dezesseis anos.
Nessa época a menina da mochila ainda não tinha nascido.
“Leo, você quer uma mochila? Uma que eu não uso mais? Já que você está sem”.
Aceitei. Era uma mochila que ela usou quando estudante. Tem o nome dela escrito dentro à caneta. Sempre imagino, ela pequena abraçando a mochila. Jogando ela longe com raiva. Aflita por tela perdido e depois de encontrá-la dar um sorriso de alívio.
Hoje nadando, eu vi uma bola amarela ali na minha raia. Puxei com o pé direto pra mão. Surpreendi-me. Anos depois e eu ainda tenho os mesmos reflexos de jogador de water pólo. Lancei a bola para a outra piscina.
“Obrigada”.
Disse uma jovenzinha jogadora de water pólo. Bem mais jovem que a moça da mochila.
Ontem vi uma mulher, dessas de capa da vogue, de filmes de hollywood tomar banho. E dessa vez ela sabia que eu a estava vendo. Ela me deu um chocolate e outras coisas mais.
Disse que não entendia como eu tinha uma “mochila” velha e ruim se eu podia ter qualquer “mochila”. Chegou com os olhos junto aos meus e me disse que eu era melhor do que eu achava ser. Bem melhor.
“Você pode tudo”. Ela disse.
Talvez ela tenha razão. Não sou mais aquele menino voyeur.
Só que será que eu melhorei? Talvez eu gostasse mais das aventuras do que a vitória dos jogos.
Adoro levar um fora. Poder sofrer, sonhar, invejar os grandes conquistadores.
Sobre a mochila não é um apego por uma peça de roupa dessas extravagantes que não conseguimos doar.
Não é tão pouco uma maneira de ter algo que ela a menina, hoje mulher, me deu. E que eu a sinta quando abraço a mochila e vendo o seu nominho escrito.
Não leitor, não sou esse tipo de doente. Sou pior.
É uma forma de ter um objeto que represente meu fracasso amoroso. Porque um chocolate é bom, mas dura pouco.
Alice, a menina dona da mochila, não virá buscá-la, pois ela foi para o país das maravilhas.
E eu talvez entre para o Guines, com essa mochila mais batida do mundo. Mais até que a do vendedor de revistas Oca da Vila Madalena.
Melhor seria imprimir esta folha, colocar dentro da mochila e voltar no tempo.
“Leo, você quer uma mochila? Uma que eu não uso mais? Já que você está sem”.
“Não. Não quero a mochila. Quero você.”
Aproveitando isso, eu e os outros meninos saíamos do treino de pólo aquático e nem tomávamos banho. Corríamos para um telhado próximo ao vestiário feminino, onde deitados de barrigas para baixo, víamos pelas frestas das janelas, as meninas tomarem banho. Nunca soube se elas tinham conhecimento disso ou não. Nessa época eu era fascinado pelas mulheres mais velhas. As de dezesseis anos.
Nessa época a menina da mochila ainda não tinha nascido.
“Leo, você quer uma mochila? Uma que eu não uso mais? Já que você está sem”.
Aceitei. Era uma mochila que ela usou quando estudante. Tem o nome dela escrito dentro à caneta. Sempre imagino, ela pequena abraçando a mochila. Jogando ela longe com raiva. Aflita por tela perdido e depois de encontrá-la dar um sorriso de alívio.
Hoje nadando, eu vi uma bola amarela ali na minha raia. Puxei com o pé direto pra mão. Surpreendi-me. Anos depois e eu ainda tenho os mesmos reflexos de jogador de water pólo. Lancei a bola para a outra piscina.
“Obrigada”.
Disse uma jovenzinha jogadora de water pólo. Bem mais jovem que a moça da mochila.
Ontem vi uma mulher, dessas de capa da vogue, de filmes de hollywood tomar banho. E dessa vez ela sabia que eu a estava vendo. Ela me deu um chocolate e outras coisas mais.
Disse que não entendia como eu tinha uma “mochila” velha e ruim se eu podia ter qualquer “mochila”. Chegou com os olhos junto aos meus e me disse que eu era melhor do que eu achava ser. Bem melhor.
“Você pode tudo”. Ela disse.
Talvez ela tenha razão. Não sou mais aquele menino voyeur.
Só que será que eu melhorei? Talvez eu gostasse mais das aventuras do que a vitória dos jogos.
Adoro levar um fora. Poder sofrer, sonhar, invejar os grandes conquistadores.
Sobre a mochila não é um apego por uma peça de roupa dessas extravagantes que não conseguimos doar.
Não é tão pouco uma maneira de ter algo que ela a menina, hoje mulher, me deu. E que eu a sinta quando abraço a mochila e vendo o seu nominho escrito.
Não leitor, não sou esse tipo de doente. Sou pior.
É uma forma de ter um objeto que represente meu fracasso amoroso. Porque um chocolate é bom, mas dura pouco.
Alice, a menina dona da mochila, não virá buscá-la, pois ela foi para o país das maravilhas.
E eu talvez entre para o Guines, com essa mochila mais batida do mundo. Mais até que a do vendedor de revistas Oca da Vila Madalena.
Melhor seria imprimir esta folha, colocar dentro da mochila e voltar no tempo.
“Leo, você quer uma mochila? Uma que eu não uso mais? Já que você está sem”.
“Não. Não quero a mochila. Quero você.”
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Agorafobia
Os gregos inventaram tudo, esportes, teatro, filosofia, democracia... Porém não criaram algo que muitos apreciam aqui em terras paulistanas. O supermercado 24 horas.
Madrugada, caminho calmamente para o banheiro. Descubro que acabou o papel higiênico. Pânico? Claro que não, pois sempre existem os guardanapos na cozinha. Também acabaram? Pânico? Sim pânico. Mas sempre há também o supermercado 24 horas a dois quarteirões. E lá vou eu.
No supermercado 24 horas de madrugada as pessoas freqüentam como elas realmente são, chinelos, às vezes terno, outras roupas de balada...
Eu tenho certo receio em comprar camisinhas e papel higiênico de dia, mas de madrugada quem se importa? Estou na fila do caixa e aquela balsaca que há vinte anos eu admiro acaba não sei como atrás de mim.
“Oi”. Eu digo.
“Oi”. Ela sorri.
Penso, que talvez ela não tenha visto o papel higiênico. Mantenha a calma Leo, que ela nem viu. Ih ela baixou os olhos... Não, não viu.
“O senhor é cliente mais?” “Faltou algum produto”?
Antes que eu pudesse responder a minha linda conhecida diz:
“Acho que não!” E ri alto olhando minha compra, o discreto papel higiênico.
E falando em constrangimento, tem um senhor de uns cinqüenta anos que freqüenta o meu clube. É um esquizofrênico que se considera Jesus Cristo. Quando passa um avião, ele logo grita:
“Esse barulho ali em cima, não é avião! É meu pai! Eu sou Jesus!”
Todos se irritam com ele, mas eu gosto do Jesus. Acontece que quando eu passo pela lanchonete do clube lotada de gente, ele grita:
“Ator! Lá vai o ator! Oh ator!”
Meu irmão me deu a missão de comprar três dúzias de bananas na feira de rua. Chego à feira, me deslumbro, com cores, barulhos e cheiros. As performances são as mais extraordinárias, os feirantes criativos, conhecem tudo, dão qualquer informação que você queira e principalmente a vendedora de frutas tem uns peitos:
“Quer provar?”
“Claro que quero!” E ela vai me dando as frutas.
Madrugada de novo, uma amiga me dá carona do bar até em casa, paramos o carro e ficamos olhando os feirantes montarem a feira.
Penso comigo, claro que os gregos não inventaram o supermercado, eles eram os gregos. Uma feira aberta é anos luz mais interessante do que um supermercado.
Eu e minha amiga saímos do carro e vamos percorrendo a feira, tal qual há milênios os gregos faziam. Debaixo das árvores, só faltaram os saltimbancos e artistas populares.
Quando foi que surgiu essa agorafobia em São Paulo? Por que as pessoas têm medo do espaço público?
Jesus, não o Romano, mas o do clube Paulistano, pode até ser louco, acontece que quando ele grita: “Ator”! Aquilo entra tão fundo na minha essência, a palavra me atravessa que chego a pensar que há uma sabedoria na loucura e uma burrice na saúde mental, vide os supermercados 24 horas.
“Senhor tem algum produto que o senhor não encontrou”?
“Sim um molho mexicano que desde que eu voltei do intercambio há vinte anos eu peço”.
“Vou registrar senhor. Tem mais algum outro produto?”
“Não moça. Também não se pode vender tudo num supermercado, não é?”
E fugi dali antes que a minha claustrofobia aumentasse.
Madrugada, caminho calmamente para o banheiro. Descubro que acabou o papel higiênico. Pânico? Claro que não, pois sempre existem os guardanapos na cozinha. Também acabaram? Pânico? Sim pânico. Mas sempre há também o supermercado 24 horas a dois quarteirões. E lá vou eu.
No supermercado 24 horas de madrugada as pessoas freqüentam como elas realmente são, chinelos, às vezes terno, outras roupas de balada...
Eu tenho certo receio em comprar camisinhas e papel higiênico de dia, mas de madrugada quem se importa? Estou na fila do caixa e aquela balsaca que há vinte anos eu admiro acaba não sei como atrás de mim.
“Oi”. Eu digo.
“Oi”. Ela sorri.
Penso, que talvez ela não tenha visto o papel higiênico. Mantenha a calma Leo, que ela nem viu. Ih ela baixou os olhos... Não, não viu.
“O senhor é cliente mais?” “Faltou algum produto”?
Antes que eu pudesse responder a minha linda conhecida diz:
“Acho que não!” E ri alto olhando minha compra, o discreto papel higiênico.
E falando em constrangimento, tem um senhor de uns cinqüenta anos que freqüenta o meu clube. É um esquizofrênico que se considera Jesus Cristo. Quando passa um avião, ele logo grita:
“Esse barulho ali em cima, não é avião! É meu pai! Eu sou Jesus!”
Todos se irritam com ele, mas eu gosto do Jesus. Acontece que quando eu passo pela lanchonete do clube lotada de gente, ele grita:
“Ator! Lá vai o ator! Oh ator!”
Meu irmão me deu a missão de comprar três dúzias de bananas na feira de rua. Chego à feira, me deslumbro, com cores, barulhos e cheiros. As performances são as mais extraordinárias, os feirantes criativos, conhecem tudo, dão qualquer informação que você queira e principalmente a vendedora de frutas tem uns peitos:
“Quer provar?”
“Claro que quero!” E ela vai me dando as frutas.
Madrugada de novo, uma amiga me dá carona do bar até em casa, paramos o carro e ficamos olhando os feirantes montarem a feira.
Penso comigo, claro que os gregos não inventaram o supermercado, eles eram os gregos. Uma feira aberta é anos luz mais interessante do que um supermercado.
Eu e minha amiga saímos do carro e vamos percorrendo a feira, tal qual há milênios os gregos faziam. Debaixo das árvores, só faltaram os saltimbancos e artistas populares.
Quando foi que surgiu essa agorafobia em São Paulo? Por que as pessoas têm medo do espaço público?
Jesus, não o Romano, mas o do clube Paulistano, pode até ser louco, acontece que quando ele grita: “Ator”! Aquilo entra tão fundo na minha essência, a palavra me atravessa que chego a pensar que há uma sabedoria na loucura e uma burrice na saúde mental, vide os supermercados 24 horas.
“Senhor tem algum produto que o senhor não encontrou”?
“Sim um molho mexicano que desde que eu voltei do intercambio há vinte anos eu peço”.
“Vou registrar senhor. Tem mais algum outro produto?”
“Não moça. Também não se pode vender tudo num supermercado, não é?”
E fugi dali antes que a minha claustrofobia aumentasse.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Mas se o Mauro pode...
Trinta anos atrás o jovem pai leva seu filho de cinco anos de idade tomar um banana-split na lanchonete Frevinho.
“Come tudo, pega mais chantili. Você sabe o que é split em inglês?”
“Não.”
“É misturad... Quer dizer misturada é shake. É dividida, banana dividida.”
“E banana como é?”
“Banana é do Brasil, é banana mesmo.”
“Mas banana veio da Índia.”
Pai pega a conta.
“Quanto é dez por cento dessa conta?”
Garoto olha a conta.
“Eu já te ensinei.”
“É dividir em dez e somar os valores.”
“Isso. E quanto é?”
“É dividir...”
“E a raiz quadrada, que eu também já te ensinei.”.
“Pai qual a diferença entre frevinho e sambinha?”
“Não se distraia. O seu irmão caçula já faz raiz quadrada. Você sabia que meus pais não me ensinavam nada?”.
“Claro, porque não estudaram. Eram imigrantes libaneses.”
“Quem te contou isso?”
“Você pai.”
Dois mil e dez. Sábado, onze e meia da manhã. Telefone toca.
“Alo.”
“Leo seu pai e eu estamos te esperando pra almoçar!”
“Calma mãe não é nem meio dia.”
“Mas nós acordamos às seis da manhã!”
“Seis horas da manhã, eu tava indo dormir. Bêbado.”
Saio correndo pela rua. Celular toca.
“Onde você está?”
“A dois quarteirões chegando.”
“Vou por na mesa.”
Casa dos pais.
“Vá chamar seu pai. Está na mesa.”
“Já fui está no computador. Quis me ensinar uns programas novos e nem deu bola pro almoço.”
Vendo a mesa.
“Carne de novo mãe!”
“É peixe, não está vendo.”
“E peixe não é carne?”
Surge meu pai com um sorriso na cara e uma fita métrica. Não leitor meu pai não é engenheiro. Começa deliberadamente medir a minha circunferência abdominal.
“Sabe quantos centímetros você está acima do recomendado?”
Meu pai é endocrinologista.
Inicia-se então um almoço de família. Meu irmão mais velho não comparece, tem a sua própria, mulher e filhos. O caçula vive em Nova York. Então começam as cobranças de quando vou casar. Emagrecer. Enfim ser como muitos e muitos dos filhos de conhecidos, que trabalham em multinacionais, são casados com mulheres maravilhosas e magras, ganham fortunas e principalmente falam mais inglês do que português.
“Imagina agora está velho pra casar na igreja e dar festa.”
O problema é que nem português eu sei direito. O resto sobre ser esse personagem, no qual vez ou outra meus pais me presenteiam com figurinos ideais a ele, roupas que nem a nova direita me aceitaria bem o resto eu nunca serei nesta vida.
Há trinta anos minha mãe me acordava sábado e me levava passear entrando de boutique em boutique nos jardins. Ela sempre após olhar as roupas dizia:
“Depois eu volto sem ele.” E apontava pra mim. Minha mãe sempre foi a favor das justificativas. Verdade que eu gostava mais de ir ver lojas com ela, do que as banana-splits acompanhadas de aulas científicas do meu pai.
Olhar aquelas mulheres lindas, roupas coloridas e arquitetura às vezes de primeira.
“Mãe não pode jogar papel de bala na rua.”
“Quem jogou papel de bala na rua?”
“Você mãe. Eu vi.”
“Então você é louco.”
Desde que eu fiz vinte anos, minha mãe arrumou uma frase. “Sei lá eu menino, você já tem mais de trinta anos.”
Certa vez lá pelos meus vinte, uma namorada me questionou se eu era circuncidado. Recorri a minha querida mãe.
“Mãe eu sou circuncisado, circuncidado?”
“Sei lá eu meu filho! Você já tem mais de trinta anos e eu é que vou saber!”
Quando ela ler isso, vai ficar furiosa comigo:
“Você já tem mais de trinta anos e fica aí escrevendo da mamãenzinha e do pai! Vá trabalhar como o filho da... Na sua idade eu já...”.
“Mas mãe se o Mauro Rasi escrevia sobre os pais. Se ele que era um dos grandes autores e diretores de teatro do Brasil...”.
“Ah não meu filho! Teatro não! Você já tem mais de trinta anos!”
“Come tudo, pega mais chantili. Você sabe o que é split em inglês?”
“Não.”
“É misturad... Quer dizer misturada é shake. É dividida, banana dividida.”
“E banana como é?”
“Banana é do Brasil, é banana mesmo.”
“Mas banana veio da Índia.”
Pai pega a conta.
“Quanto é dez por cento dessa conta?”
Garoto olha a conta.
“Eu já te ensinei.”
“É dividir em dez e somar os valores.”
“Isso. E quanto é?”
“É dividir...”
“E a raiz quadrada, que eu também já te ensinei.”.
“Pai qual a diferença entre frevinho e sambinha?”
“Não se distraia. O seu irmão caçula já faz raiz quadrada. Você sabia que meus pais não me ensinavam nada?”.
“Claro, porque não estudaram. Eram imigrantes libaneses.”
“Quem te contou isso?”
“Você pai.”
Dois mil e dez. Sábado, onze e meia da manhã. Telefone toca.
“Alo.”
“Leo seu pai e eu estamos te esperando pra almoçar!”
“Calma mãe não é nem meio dia.”
“Mas nós acordamos às seis da manhã!”
“Seis horas da manhã, eu tava indo dormir. Bêbado.”
Saio correndo pela rua. Celular toca.
“Onde você está?”
“A dois quarteirões chegando.”
“Vou por na mesa.”
Casa dos pais.
“Vá chamar seu pai. Está na mesa.”
“Já fui está no computador. Quis me ensinar uns programas novos e nem deu bola pro almoço.”
Vendo a mesa.
“Carne de novo mãe!”
“É peixe, não está vendo.”
“E peixe não é carne?”
Surge meu pai com um sorriso na cara e uma fita métrica. Não leitor meu pai não é engenheiro. Começa deliberadamente medir a minha circunferência abdominal.
“Sabe quantos centímetros você está acima do recomendado?”
Meu pai é endocrinologista.
Inicia-se então um almoço de família. Meu irmão mais velho não comparece, tem a sua própria, mulher e filhos. O caçula vive em Nova York. Então começam as cobranças de quando vou casar. Emagrecer. Enfim ser como muitos e muitos dos filhos de conhecidos, que trabalham em multinacionais, são casados com mulheres maravilhosas e magras, ganham fortunas e principalmente falam mais inglês do que português.
“Imagina agora está velho pra casar na igreja e dar festa.”
O problema é que nem português eu sei direito. O resto sobre ser esse personagem, no qual vez ou outra meus pais me presenteiam com figurinos ideais a ele, roupas que nem a nova direita me aceitaria bem o resto eu nunca serei nesta vida.
Há trinta anos minha mãe me acordava sábado e me levava passear entrando de boutique em boutique nos jardins. Ela sempre após olhar as roupas dizia:
“Depois eu volto sem ele.” E apontava pra mim. Minha mãe sempre foi a favor das justificativas. Verdade que eu gostava mais de ir ver lojas com ela, do que as banana-splits acompanhadas de aulas científicas do meu pai.
Olhar aquelas mulheres lindas, roupas coloridas e arquitetura às vezes de primeira.
“Mãe não pode jogar papel de bala na rua.”
“Quem jogou papel de bala na rua?”
“Você mãe. Eu vi.”
“Então você é louco.”
Desde que eu fiz vinte anos, minha mãe arrumou uma frase. “Sei lá eu menino, você já tem mais de trinta anos.”
Certa vez lá pelos meus vinte, uma namorada me questionou se eu era circuncidado. Recorri a minha querida mãe.
“Mãe eu sou circuncisado, circuncidado?”
“Sei lá eu meu filho! Você já tem mais de trinta anos e eu é que vou saber!”
Quando ela ler isso, vai ficar furiosa comigo:
“Você já tem mais de trinta anos e fica aí escrevendo da mamãenzinha e do pai! Vá trabalhar como o filho da... Na sua idade eu já...”.
“Mas mãe se o Mauro Rasi escrevia sobre os pais. Se ele que era um dos grandes autores e diretores de teatro do Brasil...”.
“Ah não meu filho! Teatro não! Você já tem mais de trinta anos!”
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Batman, Chico Xavier e uma valsa que termina
Eu não tenho medo de escuro, nem de falar em público. Não tenho medo de mulher, nem de chuva, terremoto, elevador, enfim a única coisa que eu tenho medo ou ainda tinha pânico é a frase: “Atenção tripulação, preparar para decolar”.
Será que eu apertei o cinto de segurança? Será que o cinto está funcionando. Calma Leo. Melhor colocar o casaco, pode ajudar a conter os arranhões, caso o avião caia. Onde mesmo são as saídas de emergência? E essa máscara de oxigênio será que está funcionando?
Aí meu Deus! Começou a se mexer. Calma Leo, respira. Pega a revista. Isso leia alguma coisa. Mapas. Não mapas dão medo. Reportagem sobre voar, também não. Como corre esse avião? Pesado assim será que vai voar? Leia a revista e pense em outra coisa. Pensar em que? Já sei, vou voltar de navio, isso. Que barulho é esse? Ninguém ouviu?
O cinto de segurança confere de novo. Nossa saiu do chão. Pense em outra coisa. Nas coxas da aeromoça. Não adianta, Leia a revista. Minha saúde mental está indo embora. E esse barulho ninguém ouve? E se a asa quebra? Será que abasteceram o tanque? Quero descer. Quero descer!!! Pensa em outra coisa. No lanche que vão servir, nas coxas da aeromoça. Naquela passageira que entrou sozinha no avião linda! Mas e esse barulho e essa curva! Aí meu Deus está balançando! Será que eu apertei o cinto? E se um outro avião bate nesse? Quem aí da frente vai morrer primeiro. Aquele executivo? Os braços vão se descolar. Aquela mulher vai se projetar pra fora e se esmagar...
Os Gregos antigos já diziam que a fantasia é ótima quando usada para o bem e horrível quando a única utilidade e nos auto-atormentar.
Bruce Wayne viu seus pais serem mortos na sua presença ainda criança. Quis se vingar de todos os criminosos do mundo quando se tornou adulto. Mas como um cidadão almofadinha, de classe alta poderia meter medo em criminosos?
Resolveu ele então enfrentar seu maior medo: Morcegos. Se ele enfrentasse seu maior medo, logo todos teriam medo dele.
Leo pense no batman. Se você perder o medo aqui, você não terá medo mais de nada. Respire veja as nuvens. Bonitas parecem uma valsa. Isso!
Durante década um dos meus maiores orgasmos era pisar no chão do aeroporto em Guarulhos. Eu não tinha medo em só voar. Mas perdia o sono semanas antes. Passava mal só de olhar um avião no céu. E sem explicação o medo se foi. De um dia para o outro.
Podemos sim ir contra a nossa natureza. Não ter medo de tratar bem as pessoas, Não ter medo da gramática, nem do sobrenatural, do sucesso.
Outro dia eu vi um filme da vida de Chico Xavier. Mostrou o pavor que ele tinha de avião. Seu espírito Emanuel lhe disse: “Mesmo que você estivesse prestes a morrer, pelo menos morra com dignidade em silencio”.
É verdade. Se esse avião for cair, morrerei como uma valsa que termina.
O mundo é dividido entre fumantes e não fumantes. Os que têm medo de avião e os que não estão nem aí. Não quero acabar com os fumantes. Mas gostaria de ajudar os que têm medo de avião. É uma dor muito grande. Há casos de seres humanos inteligentíssimos que sofrem desse mal.
Admiro os portugueses e os norte-americanos. Grandes navegadores. Hoje meus problemas são outros. Descobri realmente que a comida a bordo não é das melhores, que o espaço é pequeno e que nem todas as comissárias são deusas.
Antes minha única obsessão era: Descer, descer. Descer.
Que triste seria a vida sem as turbulências, as zonas de instabilidade e os happy ends.
E agora vou ter medo de que?
Será que eu apertei o cinto de segurança? Será que o cinto está funcionando. Calma Leo. Melhor colocar o casaco, pode ajudar a conter os arranhões, caso o avião caia. Onde mesmo são as saídas de emergência? E essa máscara de oxigênio será que está funcionando?
Aí meu Deus! Começou a se mexer. Calma Leo, respira. Pega a revista. Isso leia alguma coisa. Mapas. Não mapas dão medo. Reportagem sobre voar, também não. Como corre esse avião? Pesado assim será que vai voar? Leia a revista e pense em outra coisa. Pensar em que? Já sei, vou voltar de navio, isso. Que barulho é esse? Ninguém ouviu?
O cinto de segurança confere de novo. Nossa saiu do chão. Pense em outra coisa. Nas coxas da aeromoça. Não adianta, Leia a revista. Minha saúde mental está indo embora. E esse barulho ninguém ouve? E se a asa quebra? Será que abasteceram o tanque? Quero descer. Quero descer!!! Pensa em outra coisa. No lanche que vão servir, nas coxas da aeromoça. Naquela passageira que entrou sozinha no avião linda! Mas e esse barulho e essa curva! Aí meu Deus está balançando! Será que eu apertei o cinto? E se um outro avião bate nesse? Quem aí da frente vai morrer primeiro. Aquele executivo? Os braços vão se descolar. Aquela mulher vai se projetar pra fora e se esmagar...
Os Gregos antigos já diziam que a fantasia é ótima quando usada para o bem e horrível quando a única utilidade e nos auto-atormentar.
Bruce Wayne viu seus pais serem mortos na sua presença ainda criança. Quis se vingar de todos os criminosos do mundo quando se tornou adulto. Mas como um cidadão almofadinha, de classe alta poderia meter medo em criminosos?
Resolveu ele então enfrentar seu maior medo: Morcegos. Se ele enfrentasse seu maior medo, logo todos teriam medo dele.
Leo pense no batman. Se você perder o medo aqui, você não terá medo mais de nada. Respire veja as nuvens. Bonitas parecem uma valsa. Isso!
Durante década um dos meus maiores orgasmos era pisar no chão do aeroporto em Guarulhos. Eu não tinha medo em só voar. Mas perdia o sono semanas antes. Passava mal só de olhar um avião no céu. E sem explicação o medo se foi. De um dia para o outro.
Podemos sim ir contra a nossa natureza. Não ter medo de tratar bem as pessoas, Não ter medo da gramática, nem do sobrenatural, do sucesso.
Outro dia eu vi um filme da vida de Chico Xavier. Mostrou o pavor que ele tinha de avião. Seu espírito Emanuel lhe disse: “Mesmo que você estivesse prestes a morrer, pelo menos morra com dignidade em silencio”.
É verdade. Se esse avião for cair, morrerei como uma valsa que termina.
O mundo é dividido entre fumantes e não fumantes. Os que têm medo de avião e os que não estão nem aí. Não quero acabar com os fumantes. Mas gostaria de ajudar os que têm medo de avião. É uma dor muito grande. Há casos de seres humanos inteligentíssimos que sofrem desse mal.
Admiro os portugueses e os norte-americanos. Grandes navegadores. Hoje meus problemas são outros. Descobri realmente que a comida a bordo não é das melhores, que o espaço é pequeno e que nem todas as comissárias são deusas.
Antes minha única obsessão era: Descer, descer. Descer.
Que triste seria a vida sem as turbulências, as zonas de instabilidade e os happy ends.
E agora vou ter medo de que?
sábado, 2 de outubro de 2010
Um vegetariano em Buenos Aires
“Buenos Aires perdeu o bonde da história. Sim, ainda é relativamente segura e homogênea, com bom transporte público e uma vida cultural vibrante. Mas ninguém olha para ela enxergando o futuro, apenas o século 20.” Beatriz Sarlo.
Estou em um lugar chamado Palermo Hollywood, numa tal Rua Guatemala, numa cidade chamada Buenos Aires. O jornalista, com quem eu iria jantar, um argentino brasileiro, Ariel Palácios, acabara de telefonar ao restaurante e me disse que estava em Quito. Procurara-me a tarde toda e desculpava-se por me dar o cano. O presidente do Equador sofrera um golpe e ele fora escalado para cobrir. Respondi que claro que tudo bem vá em frente, eu mesmo quero ler depois.
Bem já que estou aqui, cenemos solo. Pedi a carta à garçonete mulata carioca. Momentos antes ela não rira da minha piada: “Com essa cara de argentina e você é brasileira.”.
Sugeriu-me carne de avestruz. Aceitei. E fiquei ali naquela rua calma de paralelepípedo pensando na viagem, na vida. De como aquele lugar com nome italiano (Palermo), americano (Hollywood), uma garçonete carioca, tocando Marisa Monte. Onde estou afinal?
Já no aeroporto em São Paulo tive dificuldade em esclarecer que eu não sou argentino. E em Buenos Aires tive que explicar o mesmo para as pessoas a cada cinco minutos. Na galeria pacífico na calle Florida, onde se vê as brasileiras com camisa da seleção canarinho, só se ouve o português, se aceita o real e todos estão atrás da mesma coisa o kit.
Sim: Bife de chorizo, papas fritas, Porto Madero, malbec, dolce de letche, caminitto, San Telmo... E para os já iniciados, Alvear, Cemitério, Evita, casaco de couro e tango com flor na boca, black tie e gel, sapatos Guido.
“A cá es uma, quer dizer una, fila?” Me pergunta minha patrícia. Outro casal atrás me aponta e diz: “Veja como eles usam o cabelo aqui.” “São todos cabeludos.”.
Década atrás quando fui visitar meu irmão caçula que morava por lá ele me disse: “Você pode procurar o quanto quiser Leo. Não vai encontrar nenhuma gorda aqui na Recoletta.”
Hoje se vê gordas aos montes, e claro todas falam português.
Mas voltando a essa licença poética, pois o leitor brasileiro dirá que os hermanos também querem o kit: Caipirinha, axé, e plaias. Ok.
Voltando se me dissessem que eu descendo não de libaneses e italianos, mas sim de argentinos me faria total sentido. Afinal não só me sinto em casa em Buenos Aires, como também eles me consideram, pelo menos visualmente, um deles. Não tenho aquela sensação de ser estrangeiro, que tenho nos EUA ou na Europa.
Eles acordam tarde, como eu. Tomam café da manhã na rua. Como eu. Lêem jornal. Como eu. Beijam-se. Como eu. Gostam e tem orgulho do teatro local. Como eu. São politizados. Como eu. Livrarias... Sei lá sempre amei aqui.
O avestruz estava horrível, cada vez mais tenho a impressão de que tenho uma vocação para vegetariano. Mas a garçonete me garantiu que era o melhor prato da casa. De sobremesa um doce de coyote com queijo. Acreditem ou não, nem tudo é parecido, digo os nomes. O avestruz é ema e coyote é abóbora. Pedi um café, lembrei do maravilhoso tango que havia me levado Ana Laura, um dia antes. E ali tomando um café sozinho, me sentindo talvez mais em casa do que em São Paulo. Porque não iria entrar nenhum conhecido. Não seria assaltado.
Mas eis que a porta se abre e uma jovem bonita entra, olha pra mim e olho pra ela. Me recordo que três anos antes estivemos ali, naquele mesmo lugar em Palermo Hollywood. Ela se assusta o que estaria fazendo o seu ex-namorado Leo ali em Buenos Aires? Passeando. Tal qual ela.
Agora me dêem licença que tenho de conversar com Fernanda, afinal faz tempo que no ablamos. Valle.
“Ola que tal?”
“Ta bebendo o que Leo”? Olhando o cardápio.
“Cerveja. Só não peça o avestruz.”
Sai Marisa Monte e entra Chico Buarque. Mas tem horas que um tango cai melhor. Mesmo em casa. #
# História real.
Estou em um lugar chamado Palermo Hollywood, numa tal Rua Guatemala, numa cidade chamada Buenos Aires. O jornalista, com quem eu iria jantar, um argentino brasileiro, Ariel Palácios, acabara de telefonar ao restaurante e me disse que estava em Quito. Procurara-me a tarde toda e desculpava-se por me dar o cano. O presidente do Equador sofrera um golpe e ele fora escalado para cobrir. Respondi que claro que tudo bem vá em frente, eu mesmo quero ler depois.
Bem já que estou aqui, cenemos solo. Pedi a carta à garçonete mulata carioca. Momentos antes ela não rira da minha piada: “Com essa cara de argentina e você é brasileira.”.
Sugeriu-me carne de avestruz. Aceitei. E fiquei ali naquela rua calma de paralelepípedo pensando na viagem, na vida. De como aquele lugar com nome italiano (Palermo), americano (Hollywood), uma garçonete carioca, tocando Marisa Monte. Onde estou afinal?
Já no aeroporto em São Paulo tive dificuldade em esclarecer que eu não sou argentino. E em Buenos Aires tive que explicar o mesmo para as pessoas a cada cinco minutos. Na galeria pacífico na calle Florida, onde se vê as brasileiras com camisa da seleção canarinho, só se ouve o português, se aceita o real e todos estão atrás da mesma coisa o kit.
Sim: Bife de chorizo, papas fritas, Porto Madero, malbec, dolce de letche, caminitto, San Telmo... E para os já iniciados, Alvear, Cemitério, Evita, casaco de couro e tango com flor na boca, black tie e gel, sapatos Guido.
“A cá es uma, quer dizer una, fila?” Me pergunta minha patrícia. Outro casal atrás me aponta e diz: “Veja como eles usam o cabelo aqui.” “São todos cabeludos.”.
Década atrás quando fui visitar meu irmão caçula que morava por lá ele me disse: “Você pode procurar o quanto quiser Leo. Não vai encontrar nenhuma gorda aqui na Recoletta.”
Hoje se vê gordas aos montes, e claro todas falam português.
Mas voltando a essa licença poética, pois o leitor brasileiro dirá que os hermanos também querem o kit: Caipirinha, axé, e plaias. Ok.
Voltando se me dissessem que eu descendo não de libaneses e italianos, mas sim de argentinos me faria total sentido. Afinal não só me sinto em casa em Buenos Aires, como também eles me consideram, pelo menos visualmente, um deles. Não tenho aquela sensação de ser estrangeiro, que tenho nos EUA ou na Europa.
Eles acordam tarde, como eu. Tomam café da manhã na rua. Como eu. Lêem jornal. Como eu. Beijam-se. Como eu. Gostam e tem orgulho do teatro local. Como eu. São politizados. Como eu. Livrarias... Sei lá sempre amei aqui.
O avestruz estava horrível, cada vez mais tenho a impressão de que tenho uma vocação para vegetariano. Mas a garçonete me garantiu que era o melhor prato da casa. De sobremesa um doce de coyote com queijo. Acreditem ou não, nem tudo é parecido, digo os nomes. O avestruz é ema e coyote é abóbora. Pedi um café, lembrei do maravilhoso tango que havia me levado Ana Laura, um dia antes. E ali tomando um café sozinho, me sentindo talvez mais em casa do que em São Paulo. Porque não iria entrar nenhum conhecido. Não seria assaltado.
Mas eis que a porta se abre e uma jovem bonita entra, olha pra mim e olho pra ela. Me recordo que três anos antes estivemos ali, naquele mesmo lugar em Palermo Hollywood. Ela se assusta o que estaria fazendo o seu ex-namorado Leo ali em Buenos Aires? Passeando. Tal qual ela.
Agora me dêem licença que tenho de conversar com Fernanda, afinal faz tempo que no ablamos. Valle.
“Ola que tal?”
“Ta bebendo o que Leo”? Olhando o cardápio.
“Cerveja. Só não peça o avestruz.”
Sai Marisa Monte e entra Chico Buarque. Mas tem horas que um tango cai melhor. Mesmo em casa. #
# História real.
Assinar:
Postagens (Atom)