quinta-feira, 31 de março de 2011

A calcinha azul.


 “Você já ouviu que quando fazemos 30 a nossa pele muda?”
  Perguntei para ela enquanto nos beijávamos no sofá da sala na casa dos meus pais.
  Eu conhecera Mel, vamos chamá-la de Melissa, no teatro. Explico, usávamos o mesmo teatro para ensaiar. Ela ensaiava o espetáculo dela mais cedo. E eu o meu mais tarde. Impossível não se apaixonar por ela. Tanto que comecei a chegar mais cedo e lá do fundo da platéia assistir ao final do ensaio dela.
 Depois fui ver sua peça pronta e no final não sei de onde criei coragem para chamá-la para sair. Para minha surpresa ela topou na hora. 
 Foi ela quem me buscou em casa.
 Ambos tínhamos 29 anos e faríamos em pouco tempo os temidos 30. Ela que escolheu o restaurante e ela que pediu meu prato. Acho que fui eu que paguei conta. Não lembro, mas deve ter sido. Depois ela resolveu que iríamos ao “Urbano”, uma balada da época.
 Como você notou leitor, ela é que mandava. Por mim eu estava adorando. Achava ela muita areia para mim. Depois foi me deixar em casa e subiu.
 Foi uma noite maravilhosa. De manhã eu saio do quarto e trago alguns guias de cultura, dos inúmeros jornais que sempre assinamos, não é a toa que eu e meus irmãos temos este vício de ler jornais, um inclusive até os escreve. Mas voltemos.
 Fascinou-me ela ver tudo o que iria acontecer em Sampa, shows, peças, filmes e exposições. Será que eu tinha encontrado uma alma gêmea? Se tivesse que descrever na época como eu gostaria que fosse uma namorada era só descrever Melissa, ela era perfeita.
 Saímos do quarto e tomamos café da manhã, na cozinha. As empregadas da minha mãe também se impressionaram com o bom humor da menina, sua linda tatuagem que a Luciana que trabalhava em casa adorou e mostrou as dela para Mel também. Enfim uma perfeita harmonia. Depois do bolo de laranja e café ela foi embora.
 Eu na minha ansiedade liguei para ela no mesmo dia. E ouvi as seguintes frases:
 “Nossa vibe não bateu.”
 “Por quê?”
 “Olha só te dou um conselho nunca mais fale para uma mulher sobre pele de trinta.”
 Vi que era inútil. E meses depois tentei de novo. Ela achou ótimo eu ter ligado e perguntou se eu não tinha nenhuma cena de teatro para ela fazer um teste. Deveria ser uma cena romântica. Eu disse que tinha e fui escrever uma para ela ir buscar a noite. Combinamos umas nove. Deu dez, onze, uma e duas da manhã e ela não apareceu Nem nunca mais apareceu.
 Claro que durante estes sete anos eu a vi muito. Nunca nos cumprimentemos. E eis que um dia o Face-book começa a me sugerir ela como amiga. Claro são 142 amigos em comum.
 Ela nunca me aceitava. Resolvi mandar uma mensagem oculta.
 “Por que você não me aceita. Você tem 1600 amigos?”
 Ela continuou sem me aceitar e nunca respondeu.
 E eis que alguns dias depois, para dizer a verdade ontem. Eu saio com as minhas melhores amigas para beber no Genésio e ela a Mel senta exatamente na minha frente. Me dá uma encarada e eu, como ela mesmo veio a dizer depois, desvio os olhos. Claro eu tenho medo dela. Uma mulher que sempre me tratou tão mal, com indiferença. 
 Depois do Genésio eu e as três mosqueteiras fomos ainda ao bar Secreto.
 Imagine leitor o que eu fiz ao chegar em casa? Vomitei? Não. Escrevi para Mel. Bêbado e de madrugada.
 Disse que não entendia como e por que ela sempre me tratou tão mal e embora tenha dormido na minha cama, não me adicionava no Face-Book?
 Desta vez ela respondeu. Lembrou-me que dormiu na minha cama, mas nunca chegamos a vias de fato. Como se eu não lembrasse. E recordava de eu ter dito a tal frase sobre a pele que muda quando fazemos 30. Entre outras cretinices e grosserias minhas.
 Nossa que coisa longa. Foi quando eu pensei que se eu pudesse voltar no tempo eu nunca teria dito aquilo. Porque aquilo foi algo que compartilhei porque eu também iria fazer 30 anos dali a pouco.
 Vocês sabem o que é lembrar de uma noite sete anos depois? Lembrar tudo? Os diálogos. O tênis dela, a tatuagem, a pele branca, os peitos maravilhosos, a risada, ela dançando no Urbano e principalmente da calcinha azul.
 Aquela calcinha que eu não pedi para ela tirar. Porque eu achei que tínhamos a eternidade para tirar a calcinha azul. Pra que a pressa?
 Quando eu escuto pessoas dizendo sobre a promiscuidade masculina, ou de como os homens são insensíveis, durante anos eu lembrava da Mel e pensava: Esta pessoa que diz isso ainda não viveu o suficiente. Ou não conhece mesmo a natureza humana. E quem conhece essa natureza humana?
 Depois da troca insistente de mensagens ela Mel, hoje me relembrou a história da pele de 30. E disse que sempre acreditou que eu naquela noite tinha tirado da cara dela, debochado das suas imperfeições. O que deixara ela triste. Eu?
Mel era tudo o que eu poderia querer. E digo mais ela não mudou muito. Acho que nada. Continua, inteligente, alternativa, charmosa, estilosa e principalmente linda e sedutora.
 Como acreditar que atrás de um mulherão forte existe uma menininha insegura? A gente sempre tem uma baixa alto-estima.
 Ela resolveu finalmente hoje me aceitar no face-book, talvez por se livrar das minhas mensagens, talvez porque se deu conta de que realmente eu fui de verdade apaixonado por ela.
 Um trauma de sete anos que me fez evitar atrizes. E que com certeza ainda me fará tremer quando eu me deparar novamente com uma calcinha azul e uma pele branquinha. Que não será nunca, pois o mesmo quadro não pode ser pintado uma segunda vez. E máquinas do tempo não existem. 
  

quarta-feira, 30 de março de 2011

A Trupe. Capítulo 5


 Lapa.

 Rodolfo foi o mais fácil. Ele já nos esperava, Bia ligou avisando. O lugar parecia um misto de shopping center com galpão industrial. Ele estava numa mesa na lanchonete, com uma mulher, mais para menina. Era bonitinha e alternativa.
 Levantou-se e veio correndo nos abraçar. Dizia alto para a menina:
 “Aprendi tudo o que eu sei com esses caras”.
 Rapidamente nos disse que estava tudo resolvido que ele iria produzir o espetáculo, que já tinha o “Teatro do Lado”, um novo lugar que trabalhava com montagens nem tão offs e nem tão comerciais. Um meio termo entre qualidade e público. Eu já conhecia e adorei a idéia de estrearmos no Rio.
 Enquanto Rodolfo falava comigo e Duda, Mari se entretinha com a nova amiga.
 “E afinal qual é a condição?” Perguntei.
 “Que ela participe.” Rodolfo apontou a menina que parou de falar com Mari e nos olhou.
 “Não tem papel eu disse. E não vou mudar a peça.”
 “Ela não é atriz.”
 “Então... Duda você quer uma assistente?”
 “Eu sou cenógrafa aqui no Rio eu já fiz muita coisa boa.”
 "Cenógrafa?" 
 Mari foi rápida:
 “Ok fechado.”
 Tudo começou a ir numa velocidade muito mais rápida do que eu e Mari imaginávamos. Em 48 horas estava tudo acontecendo. Frederica foi buscar Napoleão no aeroporto. O humorista de satand-up disse que tinha tirado férias de humor solo.
 Rodolfo disse que eram só mais duas semanas de gravação, mesmo assim havia possibilidade de horários a noite.
 Fomos jantar na Lapa, todos nós reunidos. Os sete. A Trupe do Sol. Dez anos depois juntos novamente. Foi uma alegria. Depois ainda saímos para um show de samba.
 Não lembro como aconteceu, Bia dançando na minha frente e de repente o beijo. Um beijo de dez anos de espera. De onze na verdade. Fugimos de todos e fomos para um hotel ali na Lapa mesmo. 
 Bia sem roupa ficara até mais bonita com a idade. Sua beleza clássica a deixara extraordinariamente perfeita. Foi lindo.
 No dia seguinte Duda colocou todos para se mexer. E andávamos por um espaço que Rodolfo tinha providenciado. Era nosso primeiro ensaio. Duda antes da leitura queria que nos mexêssemos, afinal como ele dizia, um texto deve servir e não servido.
 Duda era um paradoxo, maluco e desorganizado por fora era um metódico perfeccionista por dentro.
 Andávamos pelo espaço ouvindo uma música e nos olhando, todos extremamente alegres. Foi quando eu passei correndo por Mari e pude ver seus olhos irem para cima e em seguida o desmaio.
 Todos ficaram perplexos, pois só eu sabia do que se tratava. Corri para pegá-la ao mesmo tempo em que Bia pedia:
 “Alguém chame uma ambulância.”
 “Não há tempo, vamos com o seu carro.” Eu disse, já com Mari nos meus braços.    

A Trupe. Capítulo 4


 Um por todos e todos por um.

 Quem abriu o elegante apartamento no bairro do Jardim Botânico, foi ninguém menos do que Frederica. Ele estava mais magro do que antigamente. Convidou-nos para entrar e eu Mari com não entendíamos nada, ainda mais com o sumiço do Duda que não apareceu de manhã. De manhã, entenda-se ao meio dia, que foi o horário em que acordamos.
 “O que você está fazendo na casa da Bia?” Eu quis saber.
 “Eu moro aqui.” Frederica respondeu.
 Explicou-nos que quando estava em cartaz na cidade, e ele estava num musical, um grande musical como ele disse se hospedava na casa da amiga Bia.
 “E cadê o Rodolfo e a Bia?” Perguntou Mari.
 Fred fez uma cara de espanto. “Então vocês não sabem?”
 Não. Não sabíamos que Bia e Rodolfo já não estavam juntos há um ano. Frederica nos contou que Rodolfo conhecera uma menina, uma atriz de 19 anos e se apaixonara. Bia por sua vez havia conhecido um publicitário quarentão. A separação foi numa boa porque nenhum dos dois, mas se aturavam.
 Depois de separados voltaram a sair junto e resolveram sair de casal. Bia com o publicitário e Rodolfo com a atriz adolescente. Dois meses depois, Bia pegou o publicitário quarentão com a menina adolescente.
 “A mesma?” Mari colocou a mão na boca.
 “A mesma.” Contou Frederica que agora estava satisfeita com tanta fofoca.
 Minutos depois Bia chegou. Entrou na sala nos viu e parou. Ficamos os três nos olhando. Até que Frederica cortou o silencio. Vieram almoçar conosco. Eu já mandei a Marlene ir ao supermercado.
 Foi uma choradeira. Dez anos sem nos ver e sem conversar.
 “Por que ficamos tanto tempo sem nos falar?” Quis saber Bia. Ninguém sabia. Ninguém se lembrava. Napoleão brigou com Fred, eu com Bia, Duda brigou com o Rodolfo, e Mari?  Mari não brigou com ninguém.
 Contamos a história toda aos dois. Que queríamos juntar a Trupe, fazer teatro novamente. Que nunca esquecemos o quanto, nós fomos felizes.
 “Eu te assistir na sua última peça Mari.” Disse Bia.
 “Eu sei Bia. Quando uma atriz da novela das oito vai ao teatro todos a vêem, mesmo que ela fuja sem ir ao camarim falar comigo depois.”
 “Eu amei sua peça. Eu estou adorando que vocês estejam aqui. Mas eu não posso aceitar este convite. E mesmo porque vocês dois estão loucos. Por que voltar uma coisa que já aconteceu? Ok nós fomos felizes, mas temos de seguir em frente. Eu já não sou aquela Bia. A Frederica também já não é mais a Frederica daquela época. Mesmo que vocês dois estejam lindos e o Leo embora com uns fios grisalhos no cabelo, mesmo assim não mudou quase nada. Mas nós envelhecemos. Tudo tem um começo, um meio e um fim. Foi o Leo que me ensinou isso. Lembra querido? Meu Deus! Dez anos sem nos falar!”
 “Bia, nós poderíamos ensaiar aqui no Rio para não te atrapalhar na Televisão.” Tentou Mari.
 “Mari eu não faço mais teatro. E eu estou feliz. Depois quem iria me dirigir aquele maluco do Duda, que até hoje é louco e socialista?”
 A empregada entra na sala e diz:
 “Dona Beatriz o porteiro disse que tem um homem lá embaixo procurando à senhora, diz que parece um mendigo e o nome dele é Carl Marx. Deve ser do teatro também, né?”
 “Falando nele.” Eu disse.
 “Mande subir.”
 Duda salvou o plano. Quando Bia o viu entrar, tremeu toda. Dizem que a primeira transa a gente nunca esquece e nem o primeiro diretor.
 “Sinto lhe dizer Beatriz que a sua interpretação caiu muito pelo que eu ando vendo na televisão.”
 “E você tem me assistido Eduardo?”
 “Que jeito se a TV do instituto Bairral não sai da Globo.”
 “Instituto o que?” Quis saber Frederica e depois continuou. “Desculpe-me Mari, o problema ainda é outro mesmo se aceitássemos...” De repente parou. Começou a chorar. “Eu quero Bia! Eu quero Bia! Eu amo essa gente cadê o texto?”
 Bia prometeu que ia pensar e a noite nos responderia. Despedimos-nos e seguimos para a Rede Globo. Faltava um ainda.
 “Eu acho que ela nunca deixou de te amar.” Me disse Mari.
 “Mas eu acho que eu deixei.” Respondi.
 "Me engana que eu gosto." 
 Não sei se era verdade o que eu dizia. Nós nunca sabemos. A voz de Bia me atravessou. O olhar era o mesmo e parecia que ela só melhorara com o tempo.
 No caminho me deu saudades de Rodolfo. Enfim ele não era mais um concorrente. E eu tinha um personagem para ele.
 “Afinal aonde você se meteu Duda?” Mari perguntou.
 “Eu fui rezar. Vocês podem não estar levando isto a sério, mas eu sou o Diretor desta Trupe eu sou o responsável. E eu não vou desaparecer. Afinal já pensaram em que teatro?”
 E o táxi chegou à rede Globo. Em 36 anos de vida assistindo a Globo eu nunca estivera lá pessoalmente. E acho que tanto Duda quanto Mari também não.
 "É aqui?"
 "Deve ser." 
 "Então vamos".
 E entramos.  

  

terça-feira, 29 de março de 2011

A Trupe. Capítulo 3


Rio.

 Duda nos confessou no vôo para o Rio, ainda no mesmo dia ou noite agora, que estava muito feliz com o convite para ele voltar a dirigir.
 “Eu amo ser diretor”. Ele disse para uma comissária de bordo.
 Diferente do que eu imagino que Bia deva causar num vôo, ou num aeroporto quando surge uma atriz global, Mari passa totalmente despercebida. Eu fico pensando mal eles sabem essas pessoas, que estão ao lado de uma das maiores atrizes do Brasil.
 Pousamos às 22 horas. Seguimos de táxi para o nosso hotel em Copacabana, o mesmo hotel que a Trupe ficava quando trazia os espetáculos para o Rio. Tive noites de amor fantásticas com Bia. Sim eu namorei a Bia durante dois anos até ela me trocar por um outro. Rodolfo.
 Fred ou Frederica, como nós o chamamos, sempre foi o melhor amigo ou amiga de Bia. Duda queria montar uma comédia, alias, Duda só monta comédias. Conhecemos-nos no Célia Helena, uma escola de teatro.
 Eu trouxe Napoleão, baixinho e gordinho eu sempre acreditei nele, até demais. Um dia Napoleão vai ter a sua chance. Ele já namorava Fred e tanto eu como Duda já pagávamos um pau para a famosa Beatriz. Na época famosa na Praça Roosevelt e hoje nacionalmente conhecida. Alias, nunca mais foi vista na Roosevelt.
 Mari foi um achado. Foi a Bia que levou ela um dia num ensaio do grupo:
 “Duda testa essa menina que eu trouxe! Ela parece ser ótima.” Pediu a Bia.
E era. A melhor. Um dia apareceu também o Rodolfo. No começo foi bom, ele era divertido, jovem e ótimo ator. Daquele tipo hétero, artista sensível, meio bicho grilo. Não é lá muito culto. Talvez por isso ideal para a televisão. Ele, junto com a Bia, deram muito certo em cena.
 Depois de um tempo a Bia terminou comigo. Eu não podia imaginar que fosse por causa do Rodolfo. Até hoje eu não entendo. Mas ele muito mais do que eu, não tinha nada de tímido e se misturava com grandes atores e diretores e levava Bia junto em bares. Conheceram jornalistas, produtores de TV...
 Já eu e Duda só pensávamos no grupo, na Trupe do Sol e não nos empenhávamos em nos tornar conhecidos. Hoje eu vejo que foi um grande erro.
 Mari era vista em cena e sempre choviam convites. Acho que foi Rodolfo que levou a Bia de verdade para a TV. No fundo eu acho que ela sempre gostou de teatro. Mas vai ver é tudo a mesma coisa, eu não sei. Eu nunca fiz TV. Frederica fazia os figurinos. Eu escrevia e também atuava. A luz, o cenário, a direção, tudo o Duda. Mari além de atriz produzia junto com Napoleão. E assim foram os três anos mais felizes da minha vida. Mesmo depois da Bia terminar comigo, eu tinha a minha melhor amiga: A Mari. Passamos a ser grudados. Cantávamos meninas, as mesmas, íamos às baladas e bebíamos demais. E principalmente, Mari nunca dizia não a uma estréia ou peça. Éramos a dupla. Mas Mari pertence ao mundo. Muitos diretores e diretoras se apaixonaram pelo seu talento. E ela se foi.
 “Vou deixar vocês jantarem sozinhos. Tem muito tempo que eu não pego uma praia, vou dar um mergulho.”
 Foi inútil dizermos ao Duda que estava de noite. E como ele precisava daquela liberdade, o deixamos ir. Prometeu que não se perderia e ele sabia muito bem voltar para o hotel.
 Jantamos em Ipanema, num lugar da moda e bem agradável. Eu e Mari. Resolvemos que só procuraríamos Bia e Rodolfo no dia seguinte. E voltamos para o hotel, para o meu antigo quarto com Beatriz.
 “Você não prefere dormir com o Duda e eu durmo sozinha?”
  Eu disse que não.
 “Quando foi que você descobriu a doença?”
 “Há uns meses. Eu tinha muita dor de cabeça, confusão, um cheiro de queimado... Enfim o médico suspeitou dos sintomas. É um tumor.”
 “E para quando é?”
 “Você pode acordar com uma morta do seu lado.”
 “Não fale assim Mari.”
 “Você quem perguntou. Pode ser a qualquer momento.”
 “Sabia que se você gostasse de homem, eu te chamaria para sair?”
 “Eu gosto de homens Leo. Claro que desde que eles sejam sensíveis, cultos e sem pêlos.” Ela riu.
 Era muito bom dividir um quarto com Mari. Ela fora apaixonada por Bia, desde de sempre e me viu namorar Bia durante dois anos, nunca teve a menor chance com ela e nem por isso reclamava. Com Duda era diferente. Nem sei se ele realmente foi assim tão apaixonado, e tinha a sorte de ser a única pessoa no mundo que Bia tinha medo e muito respeito. Ela dizia sempre: “Sim diretor”. Pra tudo. Os diretores têm esse poder sobre as atrizes. Já os autores...
 “Mari eu tenho que te confessar você tem um corpo!”
 “Meu Deus! Apague a luz, que obsessão”.
 “Quem sabe não é a sua última noite...”
 “Leo, você às vezes é tão babaca, mas tão babaca... Como você pode brincar com algo assim? E depois se acreditasse realmente que era a minha última noite, eu preferiria muito mais aquela aeromoça que o Duda ficou paquerando do que você! Vamos combinar, né?”
 “É realmente a aeromoça... Mas é a Hostess do restaurante?”
 “Boa noite Leo.”
 Dormir ali em Copacabana ao lado da Mari e foi tão gostoso.
 “Mari obrigado.” Ela ainda de costas para mim na cama.
 “Leo durma. Porque amanhã nós vamos encontrar com ela. E quem sabe como vai ser?”
 “Boa noite Mari.” 

A Trupe. Capítulo 2


  A hegemonia do diretor.

Não foi difícil achar o enorme instituto Bairral em Itapira. Com vários pavilhões, me lembrava muito uma universidade com seus campos e árvores. Ou ainda uma fazenda. Deu-me vontade de passar férias ali. Mas eu e Mari tínhamos uma missão, achar Duda e levar ele embora dali.
 Os artistas de teatro quando estão trabalhando estão bem. É o teatro que dá disciplina e não a tira, como muitos pensam. E Duda por mais doido que seja era um diretor invisível. Isso quer dizer que embora ele tivesse surtos e delírios, ele não estragaria um texto meu.
 Seu estilo nunca foi o de atravessar um texto, ou seja, a obra é que prevalecia e não o diretor com suas viagens. E ele era um excelente diretor de atores, era o que eu precisava e queria.
 A família dele permitiu que o visitássemos.
 “Qual é o plano?” Perguntei para Mari.
 “O escritor criativo é você.”
 Não havia plano. Chegaríamos o colocaríamos no carro e iríamos embora. Sem o truque da loteria, sem fingirmos que éramos psiquiatras nem nada. Vimos Duda na piscina, no pavilhão dos jovens excêntricos com propensão para o uso de entorpecentes.  
 Quando nos reconheceu abriu um sorriso e gritou:
 “Jesus e Nossa Senhora! Vieram me visitar!” Mal estacionamos e perguntamos para ele:
 “Quer ir embora?”
 “Quero.”
 Entrou no porta-malas. Passamos pela guarita, devolvemos os crachás, andamos alguns quilômetros. O tiramos do porta-malas e agora estamos aqui na estrada. Indo buscar Napoleão em um show de Stand-Up em Campinas.
 “Vocês já pensaram em algum teatro?” Quis saber Duda.
 Naquela frase eu senti que éramos de novo a Trupe. Lembrei de quando morávamos juntos e nos três anos em que o grupo existiu.
 O Show de Stand-up de Napoleão já havia começado. Nós três quase não conseguimos lugar na platéia. Eram constrangedoras as piadas de Napoleão não eram ruins eram péssimas. Eu sempre achei ele um grande comediante e definitivamente aquilo não era sua praia, mas não é o que ele achava.
 “Não posso sem mais nem menos voltar a fazer teatro, tenho inúmeros shows marcados pelo Brasil. Na minha agenda não cabe, pelo menos agora.”
 “Uma leitura pelo menos”. Tentei ainda como último recurso.
 “Não.” Ele respondeu, virou-se e começou a tirar a maquiagem no espelho do camarim. Sim Napoleão fazia Stand-up maquiado com uma leve base.
 “A Bia vai ficar tão chateada.” Arriscou Mari.
 “A Bia aceitou? Ela vai montar um espetáculo com vocês?”
 Quando Napoleão soube que Bia, uma celebridade televisiva tinha aceitado, mudou de idéia.
 “Uma leitura acho que não tem problema. O personagem é grande, né?”
 “É a sua cara. Você vai adorar.” Disse Duda.
 “E você Duda, por onde andava? Anos que não te vejo, nem sei dos seus trabalhos.”
 “Nova York, meu amigo. Montei o espetáculo “Instituto Bairral” por lá. Um sucesso.”
 “Sei. E quando vai ser esta leitura.”
“Não se preocupe, estou dando um último ajuste no texto. Mas provavelmente esta semana. Te ligamos.” Eu disse.
 “Mas com antecedência. Minha agenda é cheia. Conforme for eu mando um substituto fazer minhas participações em shows.”
 Despedimos-nos e seguimos para São Paulo. Bem agora éramos quatro.
 Mari na direção ainda disse:
 “Alguém ai pode entrar no decolar ponto.com? Acho que hoje é um bom dia para irmos jantar no Rio.”

segunda-feira, 28 de março de 2011

A Trupe. Capítulo 1


Trata-se de uma novelinha (pequeno romance) ou ainda um conto esticado. Vou escrevendo e publicando, como agora. Fala sobre teatro e as pessoas que amam o teatro e se amam. É isso, espero que gostem. Abrem-se as cortinas.

A casa da atriz.

 “Eu quero juntar a Trupe de novo”.
 Foi o que Mariana me dissera pelo celular. Ela com seus trinta anos era uma mulher sensual, peitos grandes, bunda maravilhosa, uma das pessoas mais incríveis que eu conheço. Sofisticada, culta, transitava tanto pelo drama como pela comédia.
 Mas tinha lamentavelmente um defeito, o mesmo gosto meu para meninas. Isso mesmo leitor, Mariana é gay ou ainda uma linda Sapatinha.
 A casa dela é a casa que eu gostaria de ter. Numa vilazinha. Cheia de fotos de teatro penduradas na parede. Bonecos, fantoches, pôsteres e figurinos. Lá estava a foto de uma outra menina que há dez anos eu só via na televisão e nunca mais conversara.
 “Dez anos depois e você quer juntar este bando de malucos? Para fazer o que?”  Perguntei a Mariana. 
 “Para montar um texto seu Leo.”
 “Ah, mas não era Leo Martins Pena pra cá, Leo Suassuna pra lá... E de repente juntar pessoas que brigaram faz uma década para montar um texto meu? Uma Farsa?”
 Éramos a “Trupe do Sol”, talvez o período mais feliz da minha vida. Nunca chegamos a ter um reconhecimento, nem de público e nem de crítica. Mas nós nos amávamos. Na verdade eu amava Beatriz, Mariana amava Beatriz, Duda amava Beatriz, Rodolfo amava Beatriz, Fred amava Napoleão e Napoleão, Fred. E Beatriz amava...
 “Ela te amava Leo.”
 “Se me amava como é que se casou com o Rodolfo?”
 “O Rodolfo é muito mais gostoso.” Provocou Mariana.
 “E como uma Sapinha com você pode saber que tipo de homem é gostoso ou não?”
 “Sabe que você às vezes pega pesado?”.
 “Sei. Mas comparado a você eu sou um doce.”
 O fato é que o grupo terminara. Duda nosso diretor estava num sanatório. Fred agora fazia musicais, Napoleão embora não tivesse muito talento para Stand-Up havia cismado que era um humorista. Já Bia e Rodolfo haviam se casado e moravam no Rio onde trabalhavam na televisão.
 “E você está fazendo o que agora?”
 “Eu tenho um blog.” Eu disse.
 “Para quem dizia que iria ser um grande dramaturgo.”
 “Eu nunca disse isso.”
 “Uff! Um blog”. E deu de ombros. “Temos que começar tirando Duda do hospício.”
  Eu já ia indo embora, mas parei. Minha raiva não era da Mariana. Como ter raiva de uma mulher talentosa, linda e que ainda acreditava que eu era um “grande” dramaturgo. Minha ira era ela ser homossexual. Era Bia ter casado com Rodolfo e não comigo. Era Bia ser famosa. Era... De nunca mais ter sido feliz como eu fui com eles, com a Trupe. No fundo até o Rodolfo eu amei. Amei todos eles, Napoleão, Fred, Duda.
 “Mari, um grupo precisa de uma fé para existir. A nossa era de sermos profissionais. Tivemos começo, meio e fim.”
 “A nossa fé era a de sermos felizes e fomos”.
 Eu ainda tomei mais uma cerveja. Me deu uma vontade de dormir lá na casa da Mari. Aquela mulher linda, inteligente, sensível... Mas o que ela precisava de mim? Do que? Fora indicada ao premio Shell. Estava com dinheiro. Tinha talento e por último eu não era mulher, logo...
 “Você merece Leo. Chegou a sua hora de ser reconhecido”.
 “Sem essa Mari. Agradeço, mas se eu continuar aqui... Nos falamos. Vamos ao cinema essa semana.”
 Levantei. Deixei o copo de cerveja na mesa e comecei ir em direção da porta.
 “Eu estou morrendo Leo.”
 Voltei e virei o corpo para vê-la. Seu olhar era sincero. Demos um abraço. E ali prometi que não contaria isso para ninguém. Reuniríamos a Trupe sim. Dez anos depois, mas eles não precisavam saber da doença da Mari. Ou seja, seria bem mais difícil. No fundo a caçula, Mariana,  sempre fora a mais amada e a mais talentosa.
 A segunda jornada seria reunir todos. Iríamos atrás de um por um a começar por Duda, claro o diretor, no hospício.
 “Você deveria pedir um texto para Maria Adelaide Amaral.” Eu disse. Ela sorriu e respondeu.
 “Leo você é bom, acredite.”
 Bebemos ainda uma vodka e fui para o quarto de hospede na casa da atriz. O dia seguinte seria puxado.   

sábado, 26 de março de 2011

Garoto de programa



 Eu estava num sebo em Pinheiros e vi o seu livro. Lembrei-me de quando meses antes, eu fora a casa dela ensaiar uma leitura. Seu filho que é a cara dela abriu a porta. Um menino de uns onze anos magro e engraçado. Feliz.
 Comprei o livro. À noite eu e a Luisa (minha namorada na época) lemos o livro juntos na cama. A Luisa gostou tanto que o levou embora, disse que sua irmã Teresa (que não é católica) precisava daquilo, do livro.
 É realmente um livro simples, fácil e humano. Os estereótipos nos fazem bem, porque a cada um deles dos “Homens de bolso” nós reconhecemos alguém.
 Cheguei a duvidar dela, se realmente aquela mulher cheia de felicidade, ou menina moleca, que parecia irmã do filho teria a capacidade para escrever. Coisa de um “escritor fantasma”. Mas não. Foi ela sim. E eu recomendo o livro. O que a Luisa ria! É um livro para homens e mulheres. Chama-se creio: “Homens de bolso”.
 O menino disse para sentarmos e entrou para chamar a mãe. Não era um apartamento que remetesse a casa de um artista underground ou hippie. Tudo arrumadinho, moderno e bonito. Meio Yuppie.
 O Luciano havia me chamado para uma leitura onde eu seria um “garoto de programa” e ela a cliente. Ela chegou na sala com um sorriso e uma energia. Pegou cervejas e logo começamos a ler o texto do Luc. Nós três. O Luciano, autor e diretor, ela e eu. Atriz e ator respectivamente. Ela me deixou constrangido, mas foi um constrangimento bom. Era sedutora, e poucas vezes na vida vi pessoa tão extrovertida.
 Não tinha lá muita técnica, mas tinha ousadia, carisma e alegria. O projeto não foi para frente. O que foi bom por um lado, imagine eu fazer laboratório de “garoto de programa”?
 Mas ela e o Luciano montaram um outro espetáculo no ano passado.
 A vi outras vezes, ela me chamava de John que era o nome do meu personagem. Eu soube outro dia de um termo que se chama Boderline, que seriam pessoas no limite. No pouco que a conheci acho que ela tinha uma vocação para artista pop, isso sim. E era assim como Gerald Thomas, por exemplo, boa de mídia. Sabia fazer notícia.
 Era encrenqueira, mas sempre tão simpática tão absolutamente sincera. Trouxe-me uma revista masculina a qual ela saíra num ensaio fotográfico. Eu tinha a mesma revista em casa. Mas aquilo me pareceu tão diferente e bonito que finge que nunca tinha visto uma Play-Boy na vida antes. O que a a fez perguntar para o Luc, na minha frente:
 “Este Leo Chacra é gay?”
 Disse ainda, que seu filho falava aos colegas que a mãe deles não saiam na dita revista, como a dele, porque não podiam. Não eram belas.
 E isso ela era mesmo. Não sei por que me abalo ou me surpreendo? Talvez de lembrar daquele menino abrindo a porta, como se o circo tivesse chegado. Era algo de neo realismo italiano. Ou virou neo realismo italiano. Provavelmente confusão minha.
 Fica aqui a minha perplexidade em descobrir que mesmo a comédia, a vida, a alegria, o talento para entreter as pessoas, possa ir embora.
 Na estréia dela com o Luc, o namorado dela sentou-se do meu lado na platéia. Era um menino charmoso e também muito bonito. Ela era dez anos mais velha do que ele, mas ninguém notava. Eles pareciam tão felizes. Ele tão orgulhoso dela. Virou-se para mim segundos antes da cortina se abrir e disse:
 “Minha namorada está na peça!”
 Ao terminar o espetáculo ela ainda o agradeceu, lá do palco. Por ele o namorado ter ensaiado com ela.
 Olhava pra ele, e sorria. Comovente. E tantos e tantos outros casais sem paixão sentados, brigando se aturando.
 Anjinho o John, aquele garoto, te manda um beijo. 

sexta-feira, 11 de março de 2011

a carioca


 Ela está na janela do avião e eu ao lado no corredor. Já no ar ela me pede ajuda com os fones de ouvido, que não conseguia plugar. Ambos estamos indo de São Paulo para o Rio. É carnaval.
 “Você é o primeiro paulista simpático que eu conheço”.
 Eu sorrio. Então ela me conta que vai desfilar, embora diga que se sente assim um tanto quanto ridícula. Eu entendo e mostro a foto da Jane Fonda no jornal.
 “Mas a Jane olha...” E aponta um homem com Jane em outra foto.
 “Ela tem namorado e é isso que importa.”
  O avião começa a descer e ela me diz que sua neta de 27 anos e solteira vai pega-la no aeroporto e se eu não quero carona. Disfarço e agradeço. Dou dois beijos em Eliana e sigo.
 Sempre que vou à praia no Leblon fico imaginando que deva existir uma carioca de uns 25, 26 anos que mora por ali usa óculos para ler romances. Vota no Gabeira, tem um corpo de Helo Pinheiro 40 anos atrás e vai a Lapa à noite.
 Imagino-a vindo, a canga e seus cabelos voando com o vento e ela segurando o livro entrando na praia que está meio vazia, não é céu azul nem nublado. Uma bossa-nova de fundo.
 Também sonho com uma carioca africana. Negra, azul mesmo. De cabelo sarará, que eu adoro e aquela boca vermelha. Pronto fiquei arrepiado.
 Mais tarde num bloco no Jardim Botânico eu meio perdido vejo uma menina se aproximar. Toda ginga de carioca, cabelos compridos, negros, pele branca, shorts e que pernas... E um chapéu panamá na cabeça.
 “Leo lembra de mim? Eu fui ao seu aniversário e você me tratou super mal!”
 Ela não tinha vinte e seis, mas a saúde e a forma bem acima da maioria das meninas de 20. Eu não lembrei dela, daquela mulher moleca.
 Era uma paulista como eu, apaixonada pelo Rio. Ensinou-me algumas gírias que eu não conhecia. E saímos pela nigth da zona sul. Depois choramos os dois porque voltaríamos para São Paulo. Aliás, ela voltaria para o namorado. Calma, leitor moralista é carnaval.
 Dia seguinte eu ando molhado de água salgada por Copacabana.
 Eu tenho uma vocação pra ser carioca. Amo o centro, o Flamengo, o bairro e o time. O samba, os bares, teatro de revista, a praia, o morro. Machado de Assis, Lima Barreto e Rubem Fonseca.
 Amo o jeito carioca de ser. É o único sotaque do Brasil que não me faz rir. Porque rio até com o: “Pora meu”.
 É um sotaque tão lindo, tão sensual. O carioca claro. Vejo um cinema. O tradicional Roxy da Avenida Nossa senhora de Copacabana. Oba! Final do dia, um filminho depois da praia!
 Lamentavelmente já assisti a todos os filmes da temporada, menos um. “Bruna Surfistinha”. Tenho receio. Medo talvez?
 Entro e vejo a minha cidade de São Paulo na tela. Me dá uma saudade louca da minha terra. Mas espera aí Leo... Faz só dois dias que você está no Rio. Quero sair correndo e ir para o aeroporto pegar a ponte aérea. E de repente me dou conta que eu e aquela personagem temos muito em comum.
 Somos de Sampa, classe média. Escorpiões, Deus me livre. E fomos ambos oprimidos na escola.
 Percebo que não sou paulista só zona sul, ou oeste como dizem os mais corretos mapas.
 Eu tenho também a cafonice paulista, o bairrismo, o provincianismo, o egoísmo e tudo de ruim e bom que um paulista tem. É intrínseco.
 E mais adiante me lembro que aquela atriz tão linda e competente não é São Paulo. Lembro-me dela adolescente. A Deborah Secco.
 Penso como pode um filme tão Paulista ter uma protagonista Carioca?
 E concluo que talvez eu não queira ser carioca. Não vou deixar de ser paulista. Talvez o que eu queira é conhecer uma Carioca.
 Uma assim, meio Deborah, meio Fernanda Abreu, meio Rua do Ouvidorrrrrrrrrr. Será que é pedir muito?  

quinta-feira, 3 de março de 2011

O banho da cunhadinha



 “Minha irmã vem do Rio vai passar uns dias aqui. Quer dizer, tudo bem pra você Leo?”
 Eu faço uma cara neutra, fingindo que no íntimo acho que aquela mulher, ou ainda aquela menina gatíssima da minha cunhada, vá me trazer algum aborrecimento e desgosto. Alguém já ouviu piada de cunhada? Se as sogras se parecessem com as cunhadas o mundo seria muito mais tranqüilo, ou melhor dizendo... Acho que não seria não.
 “Sua irmã?”
 “É a Paulinha.”
 Só de ouvir o nome da minha cunhada eu fico arrepiado. Mas leitora antes de me condenar e chamar de machista italiano, veja bem a minha namorada é linda, inteligente, meiga, fiel, charmosa, estilosa é a mulher ideal.
 Agora imagine todos estes atributos numa menina quatro anos mais nova e que eu nem se quer posso cantá-la.
 A famosa impossibilidade do amor, como diz um amigo meu. Abro a porta e lá está ela, me abraça apertado. Passa a mão no meu cabelo, me dá um beijo melado no rosto. Tira um vinho e diz que estava morrendo de saudades do “irmãozinho” que ela ama tanto.
 “Vamos tomando este vinho enquanto a gente espera a Marina, votar do trabalho.”
 “Foi boa a viagem?” Falo isso enquanto levo a mala dela para o quarto de hospede, bem ao lado do meu quarto e da Marina.
 Diga-me leitora como conversar e ser você mesmo com uma menina que tem toda a genética que você adora e a cada cinco minutos te pergunta:
 “Quem você acha que é mais gorda eu ou a Marina?” E levanta a blusa e me mostra a barriga.
  “Diga sinceramente Leo, você acha que eu engordei? Qual cabelo tem mais brilho, o meu ou da Marina?”
 Será que essa é a vida dos padres? É óbvio que ela está me provocando.
 No dia seguinte vem um acontecimento que nenhum juiz homem hetero me condenaria. Paulinha vem de toalha na sala sorrindo e me diz:
 “Leo me ajuda eu não consigo ligar a água quente do banho.”
 Eu acho que um homem que tem uma namorada filha única ou ainda só com irmãos também homens, é muito feliz.
 A questão da dúvida então é cruel. Dúvida de não saber se aquela ninfeta maravilhosa daria para você ou não pelo contrário, não tem nada a ver. Ou ainda só tem a ver porque ela tem um tesãonzinho no cunhado, você Leo. Meu Deus!
 Como alguém pode não conseguir ligar a água quente? Vou saindo do banheiro e ela diz ainda:
 “Fica por aqui, vai que a água esfrie de novo.”
 “Paulinha... Fica por aqui onde?”
 Pausa. Encaramos-nos ela sorri e depois.
 “Leo eu estou te incomodando, né? Desculpa.”
 Por que só mulher linda fala essas coisas? Mulher feia diria:
 “Nossa como você é grosso! Só pedi para me ajudar com a água, porque você é homem, seu babaca!”
 O espelho embaça e ela com o dedo desenha um coração. Depois me puxa e fecha a porta.
 “Não vai me dizer que você tem medo de tomar banho sozinha Paulinha?”
 “Depois de ver Hitchcock... Tenho sim.”
 Marina chega do trabalho, eu estou lendo um livro e Paulinha no computador com os cabelos ainda molhados. Marina diz:
 “Oi família! Espero que vocês dois estejam se entendo.”
 Eu e Paulinha fazemos cara de tédio.
 “Vamos jantar fora?” Pergunta Marina.
 Qual é leitores quem nunca sonhou com o banho da cunhadinha?
  “Vocês estão muito esquisitos, o que é que está acontecendo aqui?” Marina olha para os cabelos molhados de Paula e vê que os meus cabelos também estão molhados...
 Então eu escuto a campainha, um barulho alto. Acordo de um sono mal dormido bem no meio da tarde e vou abrir a porta.
 É Paulinha chegando do Rio. Ela entra meio de mau humor. Não sorri. Me olha e diz:
 “Fica longe que eu estou de TPM”.
 Depois entra pra dentro do quarto e tranca a porta. À noite pedimos uma pizza e ela e Marina discutem o jantar todo.
 Depois percebo que as pernas de Paulinha são tão menos bonitas que as da Marina. Finalmente Paulinha dá um arroto e vai dormir, sem ajudar com a louça, sem dizer boa noite.
 Pelo menos a minha sogra tem um papo muito mais interessante. Cozinha bem pacas e além de lavar tudo, sabe cada piada.
 “Como vocês vivem sem ar condicionado em São Paulo?” Ela, Paula ainda diz antes de deixar a porta aberta e começar a roncar.
 Já dizia Sartre: “O inferno são os outros”.