sábado, 2 de outubro de 2010

Um vegetariano em Buenos Aires

“Buenos Aires perdeu o bonde da história. Sim, ainda é relativamente segura e homogênea, com bom transporte público e uma vida cultural vibrante. Mas ninguém olha para ela enxergando o futuro, apenas o século 20.” Beatriz Sarlo.


Estou em um lugar chamado Palermo Hollywood, numa tal Rua Guatemala, numa cidade chamada Buenos Aires. O jornalista, com quem eu iria jantar, um argentino brasileiro, Ariel Palácios, acabara de telefonar ao restaurante e me disse que estava em Quito. Procurara-me a tarde toda e desculpava-se por me dar o cano. O presidente do Equador sofrera um golpe e ele fora escalado para cobrir. Respondi que claro que tudo bem vá em frente, eu mesmo quero ler depois.

Bem já que estou aqui, cenemos solo. Pedi a carta à garçonete mulata carioca. Momentos antes ela não rira da minha piada: “Com essa cara de argentina e você é brasileira.”.

Sugeriu-me carne de avestruz. Aceitei. E fiquei ali naquela rua calma de paralelepípedo pensando na viagem, na vida. De como aquele lugar com nome italiano (Palermo), americano (Hollywood), uma garçonete carioca, tocando Marisa Monte. Onde estou afinal?

Já no aeroporto em São Paulo tive dificuldade em esclarecer que eu não sou argentino. E em Buenos Aires tive que explicar o mesmo para as pessoas a cada cinco minutos. Na galeria pacífico na calle Florida, onde se vê as brasileiras com camisa da seleção canarinho, só se ouve o português, se aceita o real e todos estão atrás da mesma coisa o kit.

Sim: Bife de chorizo, papas fritas, Porto Madero, malbec, dolce de letche, caminitto, San Telmo... E para os já iniciados, Alvear, Cemitério, Evita, casaco de couro e tango com flor na boca, black tie e gel, sapatos Guido.

“A cá es uma, quer dizer una, fila?” Me pergunta minha patrícia. Outro casal atrás me aponta e diz: “Veja como eles usam o cabelo aqui.” “São todos cabeludos.”.

Década atrás quando fui visitar meu irmão caçula que morava por lá ele me disse: “Você pode procurar o quanto quiser Leo. Não vai encontrar nenhuma gorda aqui na Recoletta.”

Hoje se vê gordas aos montes, e claro todas falam português.

Mas voltando a essa licença poética, pois o leitor brasileiro dirá que os hermanos também querem o kit: Caipirinha, axé, e plaias. Ok.

Voltando se me dissessem que eu descendo não de libaneses e italianos, mas sim de argentinos me faria total sentido. Afinal não só me sinto em casa em Buenos Aires, como também eles me consideram, pelo menos visualmente, um deles. Não tenho aquela sensação de ser estrangeiro, que tenho nos EUA ou na Europa.

Eles acordam tarde, como eu. Tomam café da manhã na rua. Como eu. Lêem jornal. Como eu. Beijam-se. Como eu. Gostam e tem orgulho do teatro local. Como eu. São politizados. Como eu. Livrarias... Sei lá sempre amei aqui.

O avestruz estava horrível, cada vez mais tenho a impressão de que tenho uma vocação para vegetariano. Mas a garçonete me garantiu que era o melhor prato da casa. De sobremesa um doce de coyote com queijo. Acreditem ou não, nem tudo é parecido, digo os nomes. O avestruz é ema e coyote é abóbora. Pedi um café, lembrei do maravilhoso tango que havia me levado Ana Laura, um dia antes. E ali tomando um café sozinho, me sentindo talvez mais em casa do que em São Paulo. Porque não iria entrar nenhum conhecido. Não seria assaltado.

Mas eis que a porta se abre e uma jovem bonita entra, olha pra mim e olho pra ela. Me recordo que três anos antes estivemos ali, naquele mesmo lugar em Palermo Hollywood. Ela se assusta o que estaria fazendo o seu ex-namorado Leo ali em Buenos Aires? Passeando. Tal qual ela.

Agora me dêem licença que tenho de conversar com Fernanda, afinal faz tempo que no ablamos. Valle.

“Ola que tal?”

“Ta bebendo o que Leo”? Olhando o cardápio.

“Cerveja. Só não peça o avestruz.”

Sai Marisa Monte e entra Chico Buarque. Mas tem horas que um tango cai melhor. Mesmo em casa. #



# História real.