quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Sonhei com você.

  Sonhei com você.
 Quem já não ouviu isso? Ou ainda quem nunca disse isso para alguém? Sonhei com você. É o que eu dizia para Ana Flávia pelo telefone.
 “Sonhei com você.”
 “É por isso que você me ligou Carlos?”
 “É.” Eu disse. Então Ana Flávia começou a rir, e me disse que também havia sonhado comigo.
 Marcamos um encontro, um almoço. Já na mesa do bar, escutei a narrativa do sonho de Ana Flávia, no qual eu era o protagonista.
 No sonho dela, estávamos numa casa do começo do século XX, uma escada que dava para ambientes com enormes janelas, pisos hidráulicos antigos, e uma luz que entrava e iluminava as paredes.
 Ela seguia na minha frente, vestia uma calça jeans. Estava linda, bom agora já era a narrativa do meu sonho.   
 Percebemos naquele momento, que os nossos sonhos eram os mesmos. Estávamos eu e Ana Flávia, num lugar romântico. Talvez vivendo um romance. O que queria dizer aquela coincidência? Há muito tempo eu já achava Ana Flávia linda e muito sensual, mas a verdade é que mal a conhecia. Tínhamos amigos em comum. Só isso. Que experiência fantástica, ter o mesmo sonho, na mesma noite, com uma pessoa que também sonhou com você!
 De repente, um telefone toca. Depois percebi que era um barulho de reforma. Pisquei o olho, e Ana Flávia não estava mais lá. Fiquei olhando para teto do quarto. Maldito vizinho e sua reforma!
 Sim tudo não passou de um meta-sonho. Droga. Já no banheiro escovando os dentes, com dor de cabeça e certa ressaca, tive um pensamento:
 Será que ela, Ana Flávia, sonhou comigo? À tarde criei coragem e liguei para ela. Caixa postal. Tentei de novo à noite, pois tinha passado o dia pensando no sonho.
 “Alo.”
 “Ana Flávia?”
 “Quem é?”
 “É o Cacá.”
 Como ela não estava receptiva e não demonstrou nenhum entusiasmo com a ligação, mesmo porque, ela demorou em se lembrar de que Cacá era. O Carlos...
 “Ah sei. Este Cacá. Diga”.
 Foi de tamanha frieza, que não tive coragem de falar de sonho e tal.
 “Lembra que você falou que conhece um bom encanador? Lá na casa da Carol.”
 Ela não se lembrava de ter dito nada. E não conhecia nenhum encanador.
 “Acho que eu me enganei.”
 “Se enganou.” E após ter dito isso, despediu-se e desligou.
 Anos se passaram. Muitos anos. Que eu deveria até ter esquecido este sonho, bem como este telefonema. Mesmo tendo visto Ana Flávia outras vezes, nunca mais me lembrei do sonho.
 E como poderia? Nunca anotei em lugar nenhum. Nós esquecemos os sonhos.
 Descemos do taxi, numa rua chamada, Dom Bosco, no bairro Portenho de Almagro. Apertamos a campainha. A dona da casa, Cristina abriu a porta e subimos com as malas, eu e Raquel.
 Era uma escada bonita em curva, caímos num lugar com enormes janelas. Pisos originais de Buenos Aires da primeira metade do século XX.
 Depois ainda havia outra escada. A Raquel foi na minha frente, e por um instante eu reconheci a calça jeans que ela usava. Era uma calça, que eu tinha sonhado há muitos anos. Quando eu ainda nem fora apresentado para a Raquel. Seria possível?
 Eu reconhecia a casa. Seus terraços, o quarto, o banheiro, a cama. Mas eu nunca havia estado lá. Será que em outra vida? Quem conhecia a Cristina era a Raquel, não eu. Fora uma indicação de um amigo dela, um ator brasileiro. No lugar hospedam-se estrangeiros. São seis quartos.
 Ontem por acaso, encontrei Ana Flavia, na casa da minha amiga Carol. Falávamos de viagens. Era um pequeno grupo de amigos. Contei que voltara a pouco de Buenos Aires. Que tinha ido a uma Milonga, visto uma peça na Corrientes.
 Para o meu espanto, Ana Flávia disse:
 “Carlos, preciso te indicar uma casa em Almagro, que a dona, uma Argentina, só aceita hospedar por indicação de alguém que já passou por lá. É um lugar lindo. São só seis quartos.”  
 Desta vez fui eu que fui seco. Fingi que não conhecia casa nenhuma, nem o bairro de Almagro.
 “Manda pra mim depois.” Eu disse. E Ana Flávia ainda se saiu com esta:
 “De encanador eu não sei. Mas de lugares românticos, eu entendo.”
 Ela lembrava daquilo! Depois de tantos anos.
  Ela tomou um gole de vinho e disse baixinho, pra si mesma, olhando para o infinito:
“O lugar é um sonho. O lugar é um...”
 “Sonho”. Eu completei.
 Sorri, e ela ficou me olhando perplexa. Depois, franziu a testa como se tivesse descoberto algo. Olhou para copo, deu outro gole. E fez não com a cabeça. Algo como: “Não pode ser.”