Sonhei com você.
Quem
já não ouviu isso?
Ou ainda quem nunca disse isso para alguém? Sonhei com você. É o que eu dizia
para Ana Flávia pelo telefone.
“Sonhei
com você.”
“É por
isso que você me ligou Carlos?”
“É.” Eu
disse. Então Ana Flávia começou a rir, e me disse que também havia sonhado
comigo.
Marcamos um encontro, um almoço. Já na mesa do
bar, escutei a narrativa do sonho de Ana Flávia, no qual eu era o protagonista.
No
sonho dela, estávamos numa casa do começo do século XX, uma escada que dava
para ambientes com enormes janelas, pisos hidráulicos antigos, e uma luz que
entrava e iluminava as paredes.
Ela
seguia na minha frente, vestia uma calça jeans. Estava linda, bom agora já era
a narrativa do meu sonho.
Percebemos naquele momento, que os nossos
sonhos eram os mesmos. Estávamos eu e Ana Flávia, num lugar romântico. Talvez
vivendo um romance. O que queria dizer aquela coincidência? Há muito tempo eu
já achava Ana Flávia linda e muito sensual, mas a verdade é que mal a conhecia.
Tínhamos amigos em comum. Só isso. Que experiência fantástica, ter o mesmo
sonho, na mesma noite, com uma pessoa que também sonhou com você!
De
repente, um telefone toca. Depois percebi que era um barulho de reforma.
Pisquei o olho, e Ana Flávia não estava mais lá. Fiquei olhando para teto do
quarto. Maldito vizinho e sua reforma!
Sim
tudo não passou de um meta-sonho. Droga. Já no banheiro escovando os dentes,
com dor de cabeça e certa ressaca, tive um pensamento:
Será
que ela, Ana Flávia, sonhou comigo? À tarde criei coragem e liguei para ela.
Caixa postal. Tentei de novo à noite, pois tinha passado o dia pensando no
sonho.
“Alo.”
“Ana
Flávia?”
“Quem
é?”
“É o
Cacá.”
Como
ela não estava receptiva e não demonstrou nenhum entusiasmo com a ligação, mesmo
porque, ela demorou em se lembrar de que Cacá era. O Carlos...
“Ah
sei. Este Cacá. Diga”.
Foi de
tamanha frieza, que não tive coragem de falar de sonho e tal.
“Lembra
que você falou que conhece um bom encanador? Lá na casa da Carol.”
Ela
não se lembrava de ter dito nada. E não conhecia nenhum encanador.
“Acho
que eu me enganei.”
“Se
enganou.” E após ter dito isso, despediu-se e desligou.
Anos
se passaram. Muitos anos. Que eu deveria até ter esquecido este sonho, bem como
este telefonema. Mesmo tendo visto Ana Flávia outras vezes, nunca mais me
lembrei do sonho.
E como
poderia? Nunca anotei em lugar nenhum. Nós esquecemos os sonhos.
Descemos do taxi, numa rua chamada, Dom Bosco,
no bairro Portenho de Almagro. Apertamos a campainha. A dona da casa, Cristina
abriu a porta e subimos com as malas, eu e Raquel.
Era uma
escada bonita em curva, caímos num lugar com enormes janelas. Pisos originais
de Buenos Aires da primeira metade do século XX.
Depois
ainda havia outra escada. A Raquel foi na minha frente, e por um instante eu
reconheci a calça jeans que ela usava. Era uma calça, que eu tinha sonhado há
muitos anos. Quando eu ainda nem fora apresentado para a Raquel. Seria possível?
Eu
reconhecia a casa. Seus terraços, o quarto, o banheiro, a cama. Mas eu nunca
havia estado lá. Será que em outra vida? Quem conhecia a Cristina era a Raquel,
não eu. Fora uma indicação de um amigo dela, um ator brasileiro. No lugar hospedam-se
estrangeiros. São seis quartos.
Ontem
por acaso, encontrei Ana Flavia, na casa da minha amiga Carol. Falávamos de
viagens. Era um pequeno grupo de amigos. Contei que voltara a pouco de Buenos
Aires. Que tinha ido a uma Milonga, visto uma peça na Corrientes.
Para o
meu espanto, Ana Flávia disse:
“Carlos,
preciso te indicar uma casa em Almagro, que a dona, uma Argentina, só aceita
hospedar por indicação de alguém que já passou por lá. É um lugar lindo. São só
seis quartos.”
Desta
vez fui eu que fui seco. Fingi que não conhecia casa nenhuma, nem o bairro de
Almagro.
“Manda
pra mim depois.” Eu disse. E Ana Flávia ainda se saiu com esta:
“De
encanador eu não sei. Mas de lugares românticos, eu entendo.”
Ela
lembrava daquilo! Depois de tantos anos.
Ela
tomou um gole de vinho e disse baixinho, pra si mesma, olhando para o infinito:
“O lugar é um sonho. O lugar é um...”
“Sonho”.
Eu completei.
Sorri,
e ela ficou me olhando perplexa. Depois, franziu a testa como se tivesse
descoberto algo. Olhou para copo, deu outro gole. E fez não com a cabeça. Algo
como: “Não pode ser.”