domingo, 26 de setembro de 2010

Hippie até o fundo da alma

Para muitos e inclusive no dicionário, hippie é por definição: jovens que, pelo seu modo de vida boemia, o seu modo de vestir não-conformista, a sua longa cabeleira e o uso freqüente que fazem da droga, se opõem aos valores da sociedade.


Já eu considero um hippie ou hippies como sendo minha tribo, minha turma. São pessoas nas quais me sinto totalmente à vontade.

O leitor que me conhece dirá que eu não tenho essas características citadas acima. Não as tenho? Vamos lá.

Quais as palavras que surgem, a partir de uma livre associação com hippie? O leitor disse teatro? Pois eu estou envolvido com esse troço de teatro desde adolescente.

O leitor disse astrologia? Quando tinha dez anos dividia minha leitura entre Linda Goldman e Conan Doyle.

Vegetarianismo? Veganismo? Pois eu tento ser vegetariano desde que me conheço por gente. Canabis? Ok não fumo, mas a vida toda eu me envolvi com adeptas. E aqui não quero convencer o leitor de nada.

Os verdadeiros hippies não almejam um partido político. E lamentavelmente a vida os faz às vezes ter uma aparência mais de acordo com o sistema. Agora quando vemos alguém na chuva, não importa a roupa, e essa pessoa está sorrindo. Pode ter certeza é um dos nossos.

Quando alguém tem um brilho nos olhos e te faz uma gentileza, de novo é um dos nossos. Quando você ouve alguém dizer, no meio de uma roda onde dois seres humanos se estapeiam: “Não briguem”. É um hippie.

Se você assim como eu às vezes gosta de ficar descalço, às vezes sem tomar banho, às vezes tomar banho de banheira, nadar a noite, ver a lua e o raio verde do por do sol. Cara você é um hippie. Você faz parte de uma tribo internacional. Pessoas que equilibram o oriente com o ocidente.

Agora se você não é um de nós leitor, tudo bem nós te amamos mesmo assim, porque no fundo lá no fundo mesmo todo ser humano é um pouquinho hippie.

E o verdadeiro hippie só quer que você leitor encontre a sua luz, seu caminho.

Hoje em dia até os yuppies, gostam de estradas de terra, claro que é para andar de Land-rover. Eles gostam de mesas de madeira, Fernando de Noronha, surf.

Certa vez quando eu tinha um grupo de teatro, desses bem hippies, duas atrizes do grupo me convidaram pra ver o espetáculo delas. Era no salão de festas de uma igreja católica onde às vezes ensaiávamos.

Elas colocaram uma cadeira no meio do salão. O espetáculo deveria começar às nove da noite. Nove e cinco como não havia mais ninguém, elas resolveram se apresentar só pra mim. O espetáculo, ou peça de teatro, como o leitor deve estar mais familiarizado, era feito em volta de mim (espectador único).

O que é que tem a ver esse espetáculo com a crônica sobre hippies? Sei lá bicho! Olha ali aquele pássaro! Nas árvores! Voa Condor que a gente voa atrás... Voltando. O que é que a gente tava falando mesmo, bicho?

Gratidão irmão, gratidão irmã. Paz e amor

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

De livre espontânea vontade

Uma história real




O noivo



Ele e seus pais tinham perdido à hora da igreja, logo iriam direto para festa no bufett. Pegaram sua namorada e lá se foram perfumados e em trajes de gala. Avistou o primo distante, não tinha como errar, era o único vestido de noivo.

Por um minuto se surpreendeu que o primo não estivesse tão calvo (carequinha), e bem mais magro.

O noivo por sua vez pareceu não reconhecê-lo. Apresentou sua namorada à noiva, bom a noiva não era parente e só ria. Um conhecido se aproximou e quis saber como ele estava no casamento, qual era a filiação, o conhecimento, enfim a relação dele com o casamento:

-Hora o noivo é meu primo.

-Você é primo do Feirnman?

-Não. Eu sou primo do noivo.

Ele seguiu de mãos dadas com a namorada à procura do pai e da mãe, esses já tinham pegado uma mesa e conversavam alegremente com os outros convidados. Mas onde estavam os parentes conhecidos? De repente se deu conta.

-Mãe, o Jocão tem apelido de Feirnman? Foi aí que a mãe olhou em volta, fechou o sorriso e falou no ouvido do pai. Esse por sua vez também ficou sério largou o uísque e em segundos estavam pedindo o carro no vallet.

Já no carro a mãe olhou o convite, era o lugar certo, mas o dia errado. O casamento havia sido um dia antes.



A noiva



Lá estava eu numa igreja linda, sentado naqueles bancos desconfortáveis. Feio dizer isso, mas no catolicismo se os bancos da igreja são esses, imagine os de lá de dentro da terra. Casamentos nunca dão errado. Digo sofremos, mas a trama sempre acaba bem.

Aquela música clássica, coral, flores e eis que naquele lugar de figuras masculinas mal-humoradas (os santos), entra a noiva. Um casamento é a vingança das mulheres, porque ninguém está nem aí para o noivo. A noiva é a protagonista. É o feminino dominando o pedaço.

E nesse dia a noiva era realmente um espetáculo, e antes daquele sim no microfone, aquele: “Aceito, na saúde e na doença”. Eis que uma outra linda jovem grita:

-Não case Marta. (Pausa). - Não se case Marta.

Só tinha visto aquilo em filme, alias nem em filme. Uma menina pedindo à noiva que não se case?

Uma pausa, um silencio. Quebrado de novo pela jovem:

-Eu te amo Marta.

E do meio da igreja, um rapaz magro e feio também se levanta e diz:

-Marta não se case com ele.

Eu nessa hora pensei, quantos apaixonados têm essa Marta? Deve ser horrível ver alguém que se ama casar com outro. E ele continuou:

Não se case Marta. Eu te amo Alberto!

Aí o padre parou. Aí o mundo parou. Aí eu juro que eu vi os santos sorrirem. Os bancos ficaram mais confortáveis.

Marta saiu correndo e abraçou Joana e se beijaram. Alberto gritava do altar:

-Ta louca? Ta louca? Ta louca?

E depois saiu correndo. Não entendi se a louca era Marta ou outro rapaz magro e feio.





Epílogo



Mas a família não desanimou, e não sei por que motivo, se os trajes, a lua, a economia indo bem, que o pai, ainda no carro, teve a idéia de ir jantar no Fasano. Os funcionários do fino restaurante acharam se tratar de gente interiorana ao verem todos com roupa de festa.

Isso tudo leitor não é ficção. Aconteceu de verdade. Ok os santos não sorriram. Aumentei, mas o resto é real.

Brindamos ao primo Jocão. Olhei um homem na mesa ao lado e o reconheci. Era Chico Buarque de Holanda e esse sorria. De livre espontânea vontade.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Você quer ver ela?

Anos cinqüenta, Nova York. Duas mulheres andam pelas movimentadas ruas da cidade.


-Esta vendo, ninguém te percebe. Por isso que você tem de estudar, para ser uma atriz de verdade, se não você é só mais uma bonitinha como milhares de outras.

São Paulo, 2010, eu vejo duas meninas meio loiras, num restaurante japonês almoçando. Elas estão à-vontades com os palitinhos, pronunciam os nomes dos pratos num japonês impecável, o garçom nordestino também fala como se não fosse um gaijin. Elas tinham tudo para serem sensuais, mas não são. É como se fossem dois corpos tranqüilos, zens. Os corpos são jovens, mas há algo nelas de senhoras.

 Eu penso comigo mesmo, será que elas estariam ali se nunca houvesse existido Marilyn Monroe?

Antes que o leitor me ache cafona, eu explico. Atrizes e cantoras são seres feitos de sonhos. Bailarinas e qualquer mulher que seja uma mestra no palco também.

Aquelas duas meninas no japonês me hipnotizaram. Não pela beleza e sim porque nada acontecia. Elas conversavam com tranqüilidade, como se fossem de água. Até que elas se transformaram num retrato, numa tela. Até que elas se transformaram em duas japonesas. Não eram mais elas e sim um quadro.

As pessoas numa cidade, ou na praia, nas calçadas, sempre se tornam paisagens.

Não as cantoras, nem as atrizes e claro nem bailarinas. Quando são talentosas, por mais comuns que pareçam, meu radar apita. Nenhum fotógrafo, nenhum retratista consegue aprisioná-las. Por isso os paparazzis tentam em vão tirar centenas de retratos.

Aquela tarde em Nova York a modelo-atriz não queria atenção, não queria puxar o foco, mas a professora, mulher do Lee Strasberg provocou tanto que numa doce voz ela disse:

-Você quer ver ela?

E no instante seguinte todas as pessoas na rua que pareciam antes não tela notada, agora se aglomeravam em volta dela.

Antigamente uma mulher assim teria sido considerada uma bruxa e queimada numa fogueira.

Marylin não foi queimada. Não acordou. O FBI disse que foi over dose.

Espanta-me aquela intelectualidade sem talento querer ensinar alguma coisa, para a mulher que seduziu não só o maior dramaturgo de seu tempo, como também o presidente mais famoso da história do seu país. Ensinar o que?

Outro dia saiu um livro dizendo que a cena de “Psicose” (a do chuveiro) é a maior seqüência da história do cinema. Sei lá.

Pra mim Marilyn é mais que cinema. Não existe nenhum “parabéns a você” em que eu não vejo essa mulher saindo do sopro do aniversariante ao apagar as velas. Como uma Millus de vênus.

O rei Arthur teve seu feiticeiro Merlin. Arthur Miller a bruxa Marylin. E Billy Wilder nos deu Marylin Monroe.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Em algum lugar do século xx

Em algum lugar do século vinte, temos uma praça no centro de uma grande cidade. Um menino engraxate puxa conversa com seu cliente, um senhor gordo burguês de terno:


-Dizem que se o Carlão estivesse aqui às coisas seriam melhores. O cliente continua a ler o jornal.

-Com o Carlão as pessoas ririam mais. Empolga-se o pequeno engraxate. -Teriam uma reflexão a respeito das coisas, não se deixariam ser ridicularizadas. O cliente para de ler o jornal e ainda olhando o infinito presta atenção.

-O Carlão é a melhor pessoa do mundo. É de um cidadão assim que o nosso país precisa. O cliente sem grandes alardes levanta e começa a bater no engraxate e gritando:

-Qual Carlão? O Carlão Marx? Responde seu subversivo! Qual Carlão? O Marx? Seu comunista!

O menino não consegue falar por conta dos chutes do burguês. Com dificuldade defendendo a barriga ele apontava para o pôster do cinema central que trazia mais um sucesso do Carlão: “Kid”, escrito e dirigido por Charles Chaplin, ou Carlitos para íntimos.

Em algum lugar do século vinte, um homem enfrenta tanques numa praça de uma grande cidade. O tanque encara o homem. O tanque pensa consigo mesmo. “Será que esse homem não sabe que eu sou um tanque comunista? Que eu existo para defender a igualdade das pessoas? Porque ele se posta na minha frente?”

Esse tanque nunca mais foi visto.

Em algum lugar do século vinte, temos um jovem brasileiro de vinte anos, que cruza com uma linda polonesa em Boston down town. Ela lhe dá um livro sobre o Dalai Lama. Mas ele estava convencido, sua religião era o Marxismo.

Em algum lugar do século vinte eu era pra me chamar Gabriela. Em algum lugar do século vinte esse jovem foi cara pintada. Esse jovem sempre quis se filiar ao partido. Mas sabia o que ia ouvir e sabia que no fundo ele era um falso marxista.

Em algum lugar, ele pinta a cara novamente. Ele tem um nariz vermelho e nenhuma ágorafobia. Seu guia é o Carlão inglês. O engraxate agora ri e o cliente lhe dá uma boa caixinha. Não se vê nenhum tanque. As igrejas continuam de pé. Mas com certeza já não estamos em nenhum lugar do século vinte.