sábado, 9 de abril de 2011

A Trupe. Capítulo 10


As Minas Gerais

Na estrada vendo as árvores e todo aquele verde comecei pensar sobre a peça, não só a montagem, mas meu texto também. Qual foi a primeira vez em que eu ouvi falar em São Francisco de Assis?
 Não leitor, não se trata de um texto religioso ou mala, eu parti de São Francisco para falar de amor, amizade e principalmente política. Francisco de Assis tinha um jeito especial de fazer política. Era um subversivo pacifista, vegetariano, incentivador da sexualidade, do respeito à ecologia... Enfim ninguém é tão atual. Poderia ser Tiradentes, mas era Francisco de Assis. Será que teríamos tempo de visitar as cachoeiras de Carrancas? Cidade próxima a Tiradentes e um parque, reserva florestal com dezenas de cachoeiras.
 Na estrada Duda começou a ficar insuportável proibiu todos de fumar, o que eu achei ótimo. Acontece que ele também proibiu carboidratos, bebidas e qualquer outra droga até a estréia. A não ser o "chá" que tomaríamos em Tiradentes. O que me deixou puto, porque estávamos em Minas e eu queria comer e beber todas aquelas coisas que sobem o colesterol, mas que por outro lado me fazem tão feliz.
 Bem da verdade, ninguém estava mais aturando ninguém. Natural, já tínhamos matado as saudades e convivência em excesso é difícil. Uma hora as desavenças começam.
 E Duda é louco, não esqueçamos disso. Ele começou colocar uma disciplina tal, que até os soldados do Bope se submetidos a ela, iriam pedir para sair.   
 Na recepção do hotel, Bia foi imprevisível. Puxou Mari e disse que as meninas ficariam no mesmo quarto. Às vezes eu sou mesmo um cretino:
 “Quem tem mais de trinta anos não é menina, vamos combinar?”
 “Agora ele está assim Mari. Anteontem fomos a um vernissage e ele ao invés de me elogiar... O meu vestido verde e tal... Disse-me que verde só cai bem na natureza”.
 “Você falou isso para ela Leo? Seu babaca.”
 As duas me olharam como se eu não fosse também um ser sensível às palavras delas. Porque elas podem dizer o que querem e eu não? Também custava  ter sido menos orgulhoso e dizer para a Bia que ela era linda? Mas também para que? O Brasil inteiro já dizia isso para ela.
 A piscina do hotel boutique era sensacional e foi para lá que eu fui. Eu não ia ficar no quarto com o Rodolfo. Conversar o que com ele? Era um dia off, também horas na estrada.
 Foi só o sol se por, que eu e Napoleão fomos beber cachaça. Fugidos claro. Depois já bêbados encontramos todos num excelente restaurante estrelado da cidade turística. Não sei o que eu falei, também não era o único inconveniente da noite. Mas a porrada do Rodolfo me pegou em cheio. Tudo ficou preto e eu fui direto para o chão.
 “Você não vai falar assim com a Bia na minha frente! Ela foi minha mulher durante oito anos seu cretino!”
 Leo quando você vai achar o meio termo, ou você é o cara mais doce do mundo ou você é o cara mais amargo da terra. Acabei no quarto do Napoleão. Frederica mudou-se para o quarto de Rodolfo. E todo mundo se xingou e acabaram todos bebendo e Matheus gravando tudo no vídeo.
 De manhã no café, eu estava sozinho na mesa e Mari chegou. Ficamos quietos por algum tempo, ela riu.
 “Caiu ontem igual dragão de papel, me mata de vergonha.”
 “Mari, o Rodolfo é bem grande já reparou?” Continuamos comendo os pães de queijo sempre, olhando para ver se o Duda não aparecia. No fundo tínhamos medo é do Duda.
 “Sei...” Depois de um silencio, ela falou ainda:
 “Ela me disse que você gosta de mim. Você falou que me ama para a Bia?”
 “Eu não amo nem ela e nem você.” E concluí por último. “E nem mulher nenhuma.”
 “Nem aquela cantora que te largou por um músico?”
 “A cantora não me largou, quer dizer ela foi morar com o músico dela. Acontece que eu achei ótimo. E você Mariana há quanto tempo está abandonada sabe-se lá por quem?”
 “Talvez eu tenha um amante secreto. Alguém conhecido, uma pessoa pública que não possa se assumir.”  
 “Pessoa pública, tipo uma cenógrafa carioca?”  
 “A Ale é arquiteta. Rolou uma noite e só.”
 Nós dois rimos.
 “Vai dizer que você não comia Leo?”
 “Mari eu já transei com tanta gente nesta vida...”
 “Comigo eu não lembro. Transamos?”
 “Tudo tem uma primeira vez. Mas eu não transo com meus amigos.”
 “E com as amigas?”
 Aquilo estava ficando tão aborrecido. O problema não era a falta de vontade nem de transar com Mari e nem com Bia. O problema é que eu não sabia qual de verdade eu queria. Eu queria as duas, e percebia que elas queriam que eu desejasse só uma. E quanto mais eu demorasse, mais elas iam deixando de gostar de mim.
 Definitivamente elas não me entendiam. E eu para me salvar me agarrava numa máscara machista, cruel e monótona.
 Antes de eu me desentender de vez com Mari e isso seria a sim a primeira vez, nós nunca tínhamos brigado, Duda apareceu e começou a nos xingar e dizer que deveríamos comer frutas e queijo branco. Um hóspede um homem de uns cinqüenta anos e jeitão de turista americano, ainda brincou e disse que ali não era SPA e nem eu, nem Mari éramos gordos. Duda disse:
 “Eles não, mas o senhor é e bem gordo”. Depois ainda jogou suco no hóspede.
 “Nos meus atores mando eu!”
  Realmente estávamos todos a flor da pele. Seguimos para "cerimônia".
 Em frente à fonte e logo mais adiante o Teatro barroco. Nós nos olhávamos. Dez anos depois e estávamos de volta. Faríamos um ensaio para uma platéia de franceses do século dezoito que só nós poderíamos enxergar.
 Rodolfo veio me abraçar e pedir perdão. Com aquele gesto todos suspiraram e demos as mãos. Foi bonito da parte dele. Uniu a Trupe. 
 O administrador do teatro veio e disse que estava tudo a nossa disposição.
 “O teatro está pronto.”
 Frase que eu não entendi, porque naquele instante eu só entendia francês.
 Mágica? Veremos.   
   

A Trupe. Capítulo 9


 Papagaio de pirata.

 Bia ficou de me pegar no aeroporto. Mas quando cheguei ao Santos Dumont, nada dela. Meu celular toca.
 “Você não me reconhece mais?”
 Olhei para frente e vi a uns dez metros uma mulher incrivelmente linda. Cabelos, pele, peitos, num vestido verde e por um segundo pensei: “Conheço essa atriz”.
  Era ela Bia. “Temos um vernissage para ir.”
 E fomos eu e ela. Chegando à galeria, várias pessoas vinham fotografar e falar com ela. Eu tentava participar, mas parecia que o que eu falava não tinha importância. As pessoas se concentravam nela.
 Uma luz se ascendeu forte e uma repórter de TV veio entrevistá-la. Eu tentei sair de perto, mas ouvi a repórter dizer: “Pode ficar aqui junto.”
 Saindo da galeria, ela disse que tínhamos ainda um outro evento para ir. Era a comemoração de um espetáculo de globais num restaurante. O espetáculo estava novamente estreando no Rio.
 Eu não sabia a que horas eu deveria sair do lado dela, ou se deveria ficar com ela para as fotos. Até que uma hora depois.
 “Leo, nós precisamos conversar.”
 Sim eu concordei. Vamos ter um filho. Será que vamos casar? Eram várias dúvidas e soluções que precisávamos tomar, juntos.
 Neste dia percebi que existiam três mundos na minha vida, e foi o que eu disse a Bia.
 “Um mundo da criação, aonde tudo flutua. Eu escrevo, eu atuo. Durmo feliz, tudo fica mais bonito, o mar, as árvores, a cidade. Mas tem o mundo das contas, do dinheiro, tudo fica um horror, os dias são iguais, tudo é barulhento e insuportável. E hoje descubro este terceiro, que é o seu. Todos são prestativos, tudo é fácil, comemos de graça, em lugares bonitos, o seu carro é confortável, seu cabelo macio, e é como se eu fosse à esposa. Entende?”
 “E isso te incomoda? De eu ganhar dinheiro e você não? De eu ser bem tratada, idolatrada, ser uma pessoa pública?”
 Como eu responderia a isso? A palavra é famoso. Leo você gostaria de ser famoso? Claro que sim.
 “Eu te admiro Bia. E quero que o meu filho nasça parecido com você.”
 “Leo eu confesso que durante um tempo eu amei esta vida. Esse reconhecimento, esse conforto. Mas eu estou com medo. Porque este tempo já durou muito. Outras meninas virão. E eu há muito não subo num palco. Isto me apavora. Porque agora vai ser diferente. Não é como antigamente. Agora todos vão estar lá vendo cada deslize meu. E fora tudo isso eu estou grávida de um homem que nem sei se gosta de mim. Que nem sei se ele sabe o que ele quer da vida. Seja em relacionamento amoroso, ou da vida profissional.”
  O que mais eu poderia querer? A verdade é que Bia era alguém de sucesso. E eu? Será que ela me admirava? Será que toda essa coisa de voltar a fazer teatro, não era só uma folga daquele terceiro mundo? Ela pegou na minha mão, estávamos agora num bar, no Baixo Leblon.
 “Leo, ou você se resolve com a Mari, ou você se resolve com a Mari. Morar nós três juntos não vai dar.”
 “Do que é que você está falando? Eu e a Mari? Ficou louca?”
 “Resolva. Boa noite.”  
 E me deixou ali sozinho. Vai ver todo aquele mise en scene de evento e vernissage, era só para me mostrar o quanto ela era poderosa. E era mesmo.  
 No dia seguinte quando cheguei no ensaio estavam todos exaltados. Napoleão se aproximou de mim e disse: 
 “Faça a mala estamos indo para Tiradentes.”
 Rodolfo discutia com Dario o produtor que havia vindo de São Paulo. Falavam sobre o patrocínio do Banco Brasilense. Um patrocínio milionário.
 “Mas a produção do Teatro ao Lado já sabe do patrocínio?” Perguntou Bia ingenuamente.
 “E o que é que eles têm com isso?”
 “São nossos parceiros”.
 “Nós não vamos mais estrear no Teatro ao Lado.” Falou Rodolfo.
 “Não?” Eu perguntei no que Napoleão que parecia a par de tudo disse:
 “Não.”
 “Nós vamos estrear em São Paulo.” Desta vez foi Rodolfo. “No teatro do Banco Brasiliense.”
 Todos ficaram perplexos com a notícia.
 “Mas são oitocentos lugares!” Exclamou Duda.
 “Tanto melhor, se divertiu Rodolfo.”
 Eu adorei a novidade, afinal a Trupe era de São Paulo, nada mais natural.
 Rodolfo havia brigado com a administração do Teatro ao Lado. Coincidentemente abriu uma janela no Teatro do Banco Brasiliense em São Paulo. Eles se entusiasmaram muito com o nome de Bia no elenco. E resolveram não só patrocinar, como ainda colocar a produção do teatro e a assessoria de imprensa a nossa total disposição. Ale, nossa cenógrafa, embarcaria naquela noite mesmo para São Paulo.
 Tudo estava sendo resolvido com uma rapidez tremenda, só um detalhe nos deixou ansiosos, não digo preocupados, mas ansiosos.  
 A data deles em São Paulo é um mês antes do nosso cronograma aqui do Rio.
 “Meu Deus!” Exclamou Duda.
 “Nós conseguimos! Ou melhor, conseguiremos!” Fui rápido.
 Só sei que dois dias depois estávamos numa van, nós sete integrantes da Trupe, somados ao jornalista Matheus, que gravava tudo com uma câmera a caminho de Tiradentes, Minas Gerais. Numa manhã de céu aberto. 
 Estávamos a dez dias do dia D.