sábado, 20 de agosto de 2011

Só para você.


 Lembro-me que quando bem garoto eu amava as aulas de História e literatura. Às vezes geografia. As outras todas eu passava ora desenhando ora olhando as minhas colegas preferidas. Geralmente umas duas meninas, no máximo três delas.
 Certo dia, eu vi no jornal, no roteiro cultural a peça de um grupo do Paraná: “Aula que absurdo!” Eu ainda era estudante. Agora de teatro, lá se vai mais de década.
 Não sei quem é o autor do texto até hoje. Mas foi a única vez que a palavra, aula me interessou. Aula, seguida da palavra absurdo. 
 Cheguei ao teatro, era um dia frio como o de hoje. Não havia muita fila na bilheteria. Eram três salas. Numa delas estava à peça que eu fora assistir. Fui tomar um café. Vi o público das outras salas entrando.
 Dirigi-me a minha sala. Mas um funcionário pediu-me que eu ainda aguardasse um pouco. Ok, também eu nunca vi aula começar no horário. Sentei no hall do teatro. Deu nove e quinze e nada.
 Um rapaz e uma moça se aproximaram. O Rapaz me perguntou:
 “Então você é o tal que comprou o ingresso?”
 Foi aí que me dei conta. Eu era o único público. A única pessoa que estaria na platéia.
 “Você se incomodaria se nós devolvêssemos o seu dinheiro?” Ele falou isso e estendeu as pequenas notas. Peguei o dinheiro, coloquei no bolso e quando eu já estava na calçada, senti uma mão no meu ombro. Era a mesma moça, uma atriz.
 “Mudamos de idéia. Se você ainda quiser vamos fazer o espetáculo só para você.”
 Ela me olhava com os seus dois olhos verdes. Com uma seriedade. Naquele momento eu não responderia só por mim. Para aquela jovem atriz eu representava um público de mil pessoas.  
 Eles então colocaram uma cadeira no meio do palco. E me sentaram nela. A platéia inteira vazia. E eu lá sentado. Só eu, no meio do palco e aqueles cinco atores fazendo o espetáculo em volta de mim.
 Dizem que quando vamos ao teatro a gente se lembra de onde sentou. O lugar exato da platéia. Desta vez me senti mais que num teatro. Senti-me num sonho.
 Ontem fui numa grande sala. Um daqueles espetáculos de centenas de pessoas. Um sucesso. Eu com o meu eterno medo de chegar atrasado cheguei umas oito e quinze. O espetáculo começava as nove horas. Fui então tomar um café. Peguei o guia off e fui para a calçada folhear o livrinho. Então senti uma mão no meu ombro.
 Virei e vi uma mulher grande, linda. Sem seriedade alguma. Ela sorria. E tinha uns lindos, maravilhosos olhos verdes.
 “Hoje você não é o único.”
 Neste instante me lembrei de quinze anos antes. Era ela. Como eu nunca tinha percebido? Aquela atriz premiada, famosa, que eu tanto ouvia falar era ninguém menos que aquela menina persistente, obcecada que eu conhecera anos atrás. Ela conseguiu.
 Terminado o espetáculo, não sei como ela me viu e me mandou um beijo do palco.
 Talvez eu seja o seu público mais fiel. O mais antigo.
 Naquela noite quinze anos atrás. Ela me deu um beijo e voltou pro Paraná.
 Que história absurda. Uma verdadeira aula. Aula de perseverança.