sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Augusta e Oscar Freire.


Sigo a noite pela Rua Oscar Freire, estou quase na esquina com a Rua Augusta. Uma mulher com três crianças me pede:
 “Moço tem um trocado?”
 Viro o rosto em sua direção e sem diminuir o passo, digo baixinho.
 “Não tenho.”
 Ma ela ainda insisti:
 “Deus lhe paga em dobro.”
 Estou indo encontrar 5 amigos homens num restaurante badalado dos jardins onde jantaremos e depois vamos a um cabaré. Para comemorar algo que não vem ao caso.
 Paro no sinal e espero para atravessar a faixa de pedestre, quando escuto uma menina, uma criança, com certeza a filha da mulher:
 “Moço dá um dinheiro pra gente!”
 Continuo dizendo que não tenho. O sinal não abre e ela nas minhas costas insiste:
 “Moço nós não temos onde morar, nós vamos dormir na rua.”
 A menina agora falava num tom de revolta, de desespero. Um ser que sabia que outro ser humano, no caso eu tinha condições de ajudá-la. Ela, a menina, uma criança, não podia entender como eu não queria ajudá-la. Por que será que aquele homem é tão ruim? Ela devia se perguntar.
 “Ajuda a gente moço.”
 Agora ela me seguia pela rua e ela queria provar pra ela mesma que existem almas boas. A menina queria acreditar na humanidade. Já eu comecei entrar em desespero queria gritar, queria que aquela menina desaparecesse.
 Lembrei das campanhas do rádio que dizem que não se deve dar dinheiro par crianças, porque isso estimula a exploração infantil.
 Não me ocorreu nenhuma piada. Aquilo não tinha graça. Poucas vezes na vida o humor me abandonou. O bairro com mais glamour de São Paulo. Butiques chiques e aquela menina e a família iria dormir ali na rua na frente de uma vitrine.
 Uma vontade de socialismo me invade. Eu dando as costas para a menina e seguindo para um restaurante quentinho onde eu iria comer e beber e rir. Rir?  Como eu iria rir agora?
 Na mesa ao lado, uma família rica jantava. Uma menina da mesma idade da moradora de rua dormia. Ela usava uma malha cara e lindas botas. Provavelmente já aprendia Inglês.
 De lá seguimos para um bordel como havíamos combinado. O lugar tinha luzes frias, e mulheres com risos forçados que circulavam entre homens tristes.
 Acho que só vão a bordeis homens tristes. Durante algum tempo eu chamei bordeis de cabarés. Mas em cabarés existem shows, música e circo.
 Logo penso por que eu vim aqui? Este lugar não tem nada comigo. Nada a ver comigo. Mas em cinco minutos começo a gostar.
 As luzes frias, de onde eu conheço um lugar parecido com esta atmosfera? Sem romance. Sem imprevistos. Os bordeis são cheios de regras. Te dão uma pulseira. E te dizem: "Não pode isso, não pode aquilo."
 Você tem de pagar uma bebida para a garota. Você tem exatamente uma hora, se passar tem de pagar tudo de novo.
 É quase um quartel de tanta disciplina. Não há espaço para surpresas.
 Eu começo a explicar para duas jovens prostitutas que elas são exploradas e que deveriam cobrar mais. Falo de Brecth, de Marquise e todas se dizem de Porto Alegre. Mesmo as com sotaque nitidamente nordestino.
 Eu não posso também fazer um retrato do lugar em apenas uma noite. De repente surge uma mulher dentro de um casaco preto. Ela está descalça. E me diz para eu tirar os copos da mesa.
 Meus amigos a tinham contratado para um striptease. O maitre puxa um dos bancos e o garçom recebe seu casaco. E a mulher com um corpo fantástico sobe na mesa e inicia uma dança do ventre.
 Aquele lugar inóspito torna-se confortável. E eu que era o que mais hesitou em ir lá dos amigos, começo a gostar.
 Me cai a ficha. Aquelas luzes frias, que não tinham nada de feminino, aquele lugar masculino. De homens que não gostam do feminino e tão pouco talvez gostem de mulher, e sim só transar com mulher. Aquele lugar me lembrou a minha casa. Minha coleção de revistas.
 “Quanto custa para você fazer um strip só pra mim?”
 Meus amigos com exceção de um começaram a querer fugir dali. E fugiram. 
 Quando a mulher subiu comigo e conversamos dentre outras coisas sobre dança. Ela aos poucos deixava de ser uma mulher e ia se tornando uma menina.
 “O que você faz?”
 “Sou polícia.” Eu disse.
 “Já namorei um policial.”
 A velinha do caixa diz que sou um homem muito bonito para freqüentar ali. A dançarina me da o número do telefone e me mostra o RG.
 “Este é o meu nome.”
 Mas desconfio que ela queira só um cliente. Um nerd como ela me definiu. Ela não conhecia nem Bob Dylan, nem Moliere, nem tão pouco falava inglês. Mas conhecia algo que eu não conheço: Lisboa.
 Atravesso a Avenida Rebouças de banho tomado e venho voltando para casa. Caminhando pela Rua Oscar Freire. Chego à esquina da Rua Augusta. É madrugada. Já tomei muito wisky.
 Venho pensando em escrever uma peça com dois personagens, um cliente e uma prostituta.
 Já não me lembro mais da pequena menina que me pedira um gesto há poucas horas.
 Um gesto só. Para ela continuar na infância. Para ela acreditar na bondade. Para ela acreditar no que a mãe me disse:
 “Deus te da em dobro.”