sábado, 26 de março de 2011

Garoto de programa



 Eu estava num sebo em Pinheiros e vi o seu livro. Lembrei-me de quando meses antes, eu fora a casa dela ensaiar uma leitura. Seu filho que é a cara dela abriu a porta. Um menino de uns onze anos magro e engraçado. Feliz.
 Comprei o livro. À noite eu e a Luisa (minha namorada na época) lemos o livro juntos na cama. A Luisa gostou tanto que o levou embora, disse que sua irmã Teresa (que não é católica) precisava daquilo, do livro.
 É realmente um livro simples, fácil e humano. Os estereótipos nos fazem bem, porque a cada um deles dos “Homens de bolso” nós reconhecemos alguém.
 Cheguei a duvidar dela, se realmente aquela mulher cheia de felicidade, ou menina moleca, que parecia irmã do filho teria a capacidade para escrever. Coisa de um “escritor fantasma”. Mas não. Foi ela sim. E eu recomendo o livro. O que a Luisa ria! É um livro para homens e mulheres. Chama-se creio: “Homens de bolso”.
 O menino disse para sentarmos e entrou para chamar a mãe. Não era um apartamento que remetesse a casa de um artista underground ou hippie. Tudo arrumadinho, moderno e bonito. Meio Yuppie.
 O Luciano havia me chamado para uma leitura onde eu seria um “garoto de programa” e ela a cliente. Ela chegou na sala com um sorriso e uma energia. Pegou cervejas e logo começamos a ler o texto do Luc. Nós três. O Luciano, autor e diretor, ela e eu. Atriz e ator respectivamente. Ela me deixou constrangido, mas foi um constrangimento bom. Era sedutora, e poucas vezes na vida vi pessoa tão extrovertida.
 Não tinha lá muita técnica, mas tinha ousadia, carisma e alegria. O projeto não foi para frente. O que foi bom por um lado, imagine eu fazer laboratório de “garoto de programa”?
 Mas ela e o Luciano montaram um outro espetáculo no ano passado.
 A vi outras vezes, ela me chamava de John que era o nome do meu personagem. Eu soube outro dia de um termo que se chama Boderline, que seriam pessoas no limite. No pouco que a conheci acho que ela tinha uma vocação para artista pop, isso sim. E era assim como Gerald Thomas, por exemplo, boa de mídia. Sabia fazer notícia.
 Era encrenqueira, mas sempre tão simpática tão absolutamente sincera. Trouxe-me uma revista masculina a qual ela saíra num ensaio fotográfico. Eu tinha a mesma revista em casa. Mas aquilo me pareceu tão diferente e bonito que finge que nunca tinha visto uma Play-Boy na vida antes. O que a a fez perguntar para o Luc, na minha frente:
 “Este Leo Chacra é gay?”
 Disse ainda, que seu filho falava aos colegas que a mãe deles não saiam na dita revista, como a dele, porque não podiam. Não eram belas.
 E isso ela era mesmo. Não sei por que me abalo ou me surpreendo? Talvez de lembrar daquele menino abrindo a porta, como se o circo tivesse chegado. Era algo de neo realismo italiano. Ou virou neo realismo italiano. Provavelmente confusão minha.
 Fica aqui a minha perplexidade em descobrir que mesmo a comédia, a vida, a alegria, o talento para entreter as pessoas, possa ir embora.
 Na estréia dela com o Luc, o namorado dela sentou-se do meu lado na platéia. Era um menino charmoso e também muito bonito. Ela era dez anos mais velha do que ele, mas ninguém notava. Eles pareciam tão felizes. Ele tão orgulhoso dela. Virou-se para mim segundos antes da cortina se abrir e disse:
 “Minha namorada está na peça!”
 Ao terminar o espetáculo ela ainda o agradeceu, lá do palco. Por ele o namorado ter ensaiado com ela.
 Olhava pra ele, e sorria. Comovente. E tantos e tantos outros casais sem paixão sentados, brigando se aturando.
 Anjinho o John, aquele garoto, te manda um beijo.