segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Esconderijo.


 Certo dia um produtor me procurou e me encomendou um texto. Ele queria algo que falasse de política aos jovens. Claro que adorei a proposta.
 Pensei então em escrever sobre as questões femininas. Verdade é que pensei em tanta coisa. Isso foi antes de termos uma presidenta. Eu estava eufórico com a idéia. Eu havia passado por um seqüestro relâmpago também, muito recente.
 Fui buscar lá onde pra mim tudo começou. No final dos anos 60 e início dos 70. Para as pessoas da minha idade e para mais velhos é um tema não muito sedutor. Eu sei. Acontece que pensei nestes jovens de hoje.
 Em como eu poderia falar de temas de tão jornalísticos e de certa forma didáticos históricos também, sem serem essas mesmas coisas? Digo como transformar pauta do momento em ficção? Como ter uma visão minha, que logo ninguém teve ainda. Sem maniqueísmos.
 Em três dias ou quatro eu tinha o rascunho. Um texto policial que instigava a curiosidade da platéia ao mesmo tempo em que colocava inúmeros elementos polêmicos e atuais. Principalmente o tema do desarmamento na sociedade civil.
 Eu fora “seqüestrado” logo após ter acabado de votar no plebiscito. Tinha saído do local de votação e estava procurando um churrasco, em plena luz do dia. Quando dois sujeitos entraram no meu carro armados. Dois criminosos. Mas esta é outra história.
 Acabou que criei três personagens, que amam tanto. Como eu gostaria de amar, um terço que fosse, do que eles amam.
 Com o texto pronto, percebi só um problema, não era uma comédia. E foi isso que o produtor, que havia encomendado, também notou. E desapontado disse:
 “Desculpe Leo, te procurei porque eu queria uma comédia.”
  Eu não sei classificar este texto. Policial, de idéias, drama, melodrama, suspense ou até mesmo comédia de suspense dramática?
 Ele ficou então anos na gaveta. Confesso que só me lembrei dele quando vi uma mulher ser empoçada presidente deste país.
 Que mais? Vocês acreditam que este texto me emociona toda vez que escuto os atores? Ora concordo com um, ora com outro.
 Alguns dirão: “O que tem isso a ver com a sua geração?”
 No que eu respondo que não acredito em geração. Em algum lugar do século xx estas pessoas, personagens, amaram, sonharam e caíram.
 Eu vim do século xx. Acredito que este trabalho, é também uma tentativa minha de entender um período tão intenso. Tão violento e tão pacifista ao mesmo tempo.
 Faça amor não faça guerra. Ou não faça nada. Ou faça os dois. Talvez em toda guerra haja um pouco de amor. E em toda paz, um pouco de ódio. Não sou matemático, mas constato que logo, paz e amor, é um resultado raro, em se tratando de seres humanos. 
 Leitor querido, se você chegou até aqui, venha nos assistir. A partir do dia 11 de fevereiro. No teatro Augusta. "Esconderijo". 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

16


 Victor Montale é um jornalista investigativo. Ele é de uma família da máfia. Mas resolveu seguir a sua própria vida. Ou talvez a máfia ainda não esteja pronta para um Chefão gay. Nada lhe coloca medo, afinal ele além de muito forte, foi treinado desde pequeno para comandar o submundo do crime organizado. Mas no fundo ele é um idealista.
 Agora sua bela amiga, Luana, que escrevia uma matéria bombástica sobre a especulação imobiliária no litoral norte de São Paulo, afogou-se na praia do Cacau. Se este fato não for realmente um acidente, como disseram as autoridades, que o culpado fuja o mais rápido que puder, porque Victor está na área. Ele é o nosso detetive em ação e não está convencido do “acidente”.  


 Posto agora o conto na íntegra. 


Capítulo 1.


 A praia do Cacau no litoral norte de São Paulo tem cinco mil habitantes. E no inverno recebe pouquíssimos turistas. Por isso o afogamento da minha melhor amiga, Luana, foi o assunto em todos os lares e comércio do pequeno bairro de São Sebastião.
 Eu e Luana nos conhecemos na faculdade de jornalismo. Depois de formados fomos trabalhar em diferentes jornais. Os dois maiores concorrentes de São Paulo. Anos depois acabamos na mesma revista semanal. Formamos uma dupla de repórteres investigativos.
 Eu sempre quis trabalhar com crime. Luana dizia que eu deveria ter sido policial. Um cara com um metro e noventa, cem quilos. Com propensão para violência e uma disciplina militar. Mas como eu poderia ser policia se sou filho de um dos maiores bicheiros de São Paulo.
 Sim esta é a história da minha família. Meu pai administra cabarés, jogo e toda espécie de contrabando e contravenções. Ele não se incomoda em me ver jornalista. Mesmo porque no Brasil o crime organizado não tem este senso de corporativismo que vemos nos filmes americanos.
 A verdade é que meu pai está se lixando para o que as pessoas fazem ou não. Ele se preocupa com os negócios dele e só. Aliás, como todo brasileiro hoje em dia, é um individualista.   
 Não temos uma boa relação. Acho que ele ainda não aceitou que o filho é gay. Já minha mãe e eu nos damos muito bem.
 Luana ralou muito na vida. Nunca teve retaguarda familiar. Desde a faculdade ela trabalhou. Aprendemos tudo na rua, eu e ela. E embora ela não tenha sido uma jogadora de pólo aquático como eu, tenho certeza de que ela nunca teria se afogado.
 Luana foi para a praia do Cacau, fazer uma matéria sobre especulação imobiliária. Eu deveria ter ido junto. Mas uma coisa me segurou em São Paulo.
  Uma coisa que atende pelo nome de Fernando. E que eu sou apaixonado há mais de seis anos. Seis anos? Não, mais. Já vão fazer oito.
 Meu último telefonema com Luana, ela me disse que estava avançada na investigação, porém tinha achado outra coisa com a qual investigar e escrever. Disse-me que o novo texto se chamava Dezesseis.
 Dezesseis? 16? O que poderia ser? Algo que ela teria descoberto.  Sobre inúmeras denuncias de fiscalização da prefeitura? As obras estavam sendo feitas com irregularidades.
 Na verdade sempre foram, mas agora a coisa tinha se acelerado de tal forma que se não fossem reveladas para a sociedade o litoral norte de São Paulo corria sérios riscos de desaparecer.
 Sumir num conceito elitista. O “paraíso” de veraneio. Por isso quando pensamos na matéria, queríamos abordar de outra forma também.Um outro lado. Mostrar não só a parte criminal, mas também polemizar em relação as ideologias estéticas e ecológicas. Estas que sempre foram pré definidas há décadas assim como os infindáveis puxadinhos.
 Sim o Brasil é o país dos puxadinhos. E das praias também. E no Cacau haviam as duas coisas juntas. O mais estranho é que não se mata assim tão rápido alguém que investiga o meio imobiliário. O que Luana teria achado ou esbarrado?  
 Eu no meu egoísmo estava tão entusiasmado em contar as minhas eternas desventuras amorosas com o Fernando que nem a ouvi direito quando ela tentou me explicar. Este telefonema foi no dia anterior dela ser encontrada morta. Ela vestia um biquíni.
 Uma senhora disse que caminhava pouco antes do almoço pela praia e teria avistado uma moça estendida na areia tomando sol. A senhora achou que Luana estava numa posição estranha e ao chegar mais perto notou que minha amiga havia se afogado. Chamou a polícia dali mesmo pelo celular.
 A praia estava deserta, embora com o céu completamente azul, mas é inverno. E soprava um vento gelado neste dia.
 No litoral todas as mortes são vinculadas a drogas. A pessoa que morre sempre é usuária ou traficante. O delegado constatou um acidente. Mais um afogamento no mexido mar de inverno.
 “Uma turista deveria evitar nadar na água fria e num lugar deserto. Uma fatalidade para a família. Uma moça tão jovem e bonita”.
 É o que ele teria declarado. Eu avisei meu editor que eu precisava pensar na vida. Que eu estava abalado com a morte de Luana e pedi umas férias. Ele entendeu na hora. O que ele não sabe é que eu segui para a praia do Cacau.
 Luana é minha melhor amiga. Droga! Era a minha melhor amiga. Embora eu não tenha nada de afetado. Não se pode dizer que eu seja um gay convencional eu tenho algumas características ou estereotipo. Meu melhor amigo era uma garota.
 Por isso eu sei tudo da vida de Luana. São mais de dez anos de convivência. Se existe alguém para descobrir o que teria acontecido com ela, este era Victor. Ou melhor dizendo, Victor Montale, eu.
 Ao me registrar na pousada, a mesma em que Luana ficou eu não me identifiquei como jornalista e nem tão pouco insinuei saber do “acidente” de três dias atrás.
 O corpo de Luana fora para São Paulo e pouco depois de uma rápida perícia, liberado para o enterro. Não quero dizer o quanto isto foi triste e nem a quantidade de pessoas que compareceram. Luana era simplesmente amada. Claro, absurdamente inteligente, charmosa e linda. Não estou brincando não. Ela nunca passou despercebida.
 Luana é até hoje a mulher mais elegante e sensual que já conheci. Se eu gostasse... Juro que a teria pedido em casamento. Mas como dizem: Meu time é outro.
 Depois de me identificar como um empresário e surfista de férias. Dando um nome e documentos falsos, segui para o quarto. Ainda tinha um final de tarde e eu queria me trocar para conhecer este mar que levou a minha amiga embora. Aliás, minha única amiga.



 A praia estava linda naquele final de tarde. Ela tinha um quilometro e meio de extensão. Bem na frente da pousada é onde ficavam os surfistas. Uma linda coincidência. Se não fosse a dor da perda de Luana, eu estaria muito feliz.
 Não entendo como algumas pessoas se preocupam com a estética das casas na praia. Dentro da água o que se vê são as enormes montanhas verdes da mata atlântica, a praia, o mar e que Deus existe. Existe?
 Havia cinco caras na água, mas só um me cumprimentou. Era um cara bem definido. Passou e me deu um sorriso. Depois ficava me olhando, meio curioso. Acho que vou me dar bem aqui no Cacau.
 Depois do banho, uma bichinha da recepção passou a me perseguir.
 “Senhor Amaral está tudo bem com a sua estada? Precisa alguma coisa?” Rui Amaral, este era o meu disfarce.
 “Oi, você é?” Eu vi o crachá escrito Richard. Mas não queria dar a entender que eu fosse alguém esperto. Quanto mais tonto, mais informações nos dão.
 “Richard, mas pode me chamar de Ricardinho.” Sei... Eu hein! 
 “Ricardinho? Mas Richard é tão bonito. Combina com você.” É as vezes eu sou meio afetado.
 “Olha Ricardinho para falar a verdade sim. Você pode e ajudar.” O jovenzinho magrinho e muito feinho, ficou extremamente contente em ajudar.
 “Um amigo meu me disse de um lugar chamado... Que o nome era um número?”
 “O senhor Amaral quer uma sugestão de um restaurante?”
 “Sim, não existe nenhum lugar aqui com nome de número?” Claro que eu já tinha dado um google com todas as possibilidades possíveis: Cacau imobiliárias 16. Cacau 16, Dezesseis litoral norte. Restaurante 16.... Enfim, era a última tentativa.
 “Aqui no Cacau? Não.”
 “Acho que me confundi. Mas de qualquer maneira onde você me recomenda jantar?”
 “No Constantinopla! Sem dúvida o melhor restaurante da região. Não faz feio em nenhum de São Paulo.”
 “Ótimo, você poderia me reservar uma mesa?”
 “Sim claro.”
 “Me diga uma coisa Ricardinho... Eu estou aqui de férias, atrás de umas gatas, você entende, não é?” O Ricardinho ficou vermelho de vergonha. Parecia desapontado, mas ao mesmo tempo um papo tão direto assim o tirou da mesmice, da monotonia da portaria.
 “Tem uma moça de uns 35 anos acabou de separar, está no quarto 18. É muito bonita e tem um corpão.” Ele dizia isso num sussurro.
 “Sei, mas fora esta recém divorciada...”
 “Verônica, Dona Verônica, um charme e muito simpática.”
 “Sim Verônica, mas muitas outras mulheres sozinhas vêm para a pousada, não?”
 Foi aí que ele deu um suspiro.
 “Seu Amaral... Se o senhor soubesse... Se o senhor soubesse...”
 “Rui, pode me chamar de Rui. Mas então me conte, estou de férias adoro histórias.”
 Foi aí que ele falou de Luana. Não disse o nome, mas a descrição e as datas era ela.    Mas eu não podia acreditar no que eu ouvia. Um garoto de 16 anos vinha visitá-la no quarto? E eles ainda saiam juntos, sempre.
 Ela era a minha melhor amiga, e eu nunca soube que ela gostasse de garotos. Pelo contrário seus grandes amores sempre foram homens mais velhos do que ela. Mesmo assim consegui saber quem era o menino. E o mistério do número 16 estava resolvido.
 Conhecendo minha amiga, este garoto deve ter relação com a investigação imobiliária. O computador de Luana foi roubado no mesmo dia em que ela se afogou logo este menino era a minha única pista naquele momento.
 A fome apertou e segui a pé pela rua principal em direção a Constantinopla, o restaurante contemporâneo do cacau.


  A música logo na entrada era muito agradável. Agradável, que palavreado é este Victor? O restaurante Constantinopla era bem iluminado e com muita vegetação. Uma linda garçonete, Catarina, veio me receber. Havia só mais duas mesas. Um jovem casal bem vestido e na outra, duas senhora e um senhor. Comi uma massa ao dente maravilhosa. Surfe da muita fome. Um vinho italiano acompanhando.
 Perguntei a Catarina se ela conhecia Foguinho. Este era o nome do menino.
 “O que é que você quer com ele? Coisa boa não pode ser.”
 “Disseram-me que ele da aula de surfe. Confere?”
 “Olha se ele não estiver ocupado assaltando nenhuma casa de turista pode até ser, porque ele é bom surfista. Mas todo cuidado é pouco.”
 Tentei mudar de assunto.
 “Por acaso Catarina você sabe de casas para alugar por aqui?”
 “Claro que sei. O meu amigo tem uma imobiliária, a Sun Time. Procure pelo Juca e diga que a Catarina é que te mandou.” Pegou a bandeja e se mandou.
 Quantos anos esta linda mulata poderia ter? Com certeza menos de vinte. A sobremesa uma deliciosa torta de limão.
 Voltei para o hotel e mal entrei uma mulher de uns quarenta anos e muito em forma me chamou:
 “Hei não quer me acompanhar num espumante?” Ricardinho estava atrás do balcão do bar da pousada e ria meio como piscando para mim. Meu Deus só podia ser a tal Verônica, e agora? Se eu disser a ela que sou gay terei um Ricardinho em cima se achando íntimo para sempre. Se continuar a bancar o heterossexual fazendo turismo, eu vou ter de pegar esta... Nossa que mulher vulgar!!!
 Tentei simular um mal estar e corri para o quarto. Mas Verônica bateu na porta junto com Ricardinho e me ofereceram remédios. Não teve jeito, tive de voltar ao bar e vencê-la no álcool. Pensei que uma mulher de 40, já alta não agüentaria muito. Ilusão, eu acordei numa resseca. Pelo menos acordei sozinho. Já era meio dia.
 O café da pousada já tinha sido tirado. Encontrei uma padaria e foi lá mesmo que tentei me informar sobre Foguinho, o menino de 16 anos.
 “O senhor está atrás de aula de surfe?” Me perguntou um rapaz de uns 25 anos que me atendia.
 “Isso”.
 “Sinto muito moço, o Foguinho faleceu ontem à noite. Hoje é o enterro dele.”
 “Como? Morreu ontem, de que?”
 “Provavelmente ou foi droga ou foi alguma coisa que ele roubou. O Foguinho mais uns por aqui vivem roubando as casas dos turistas. Trabalhar ninguém quer, uma hora daria nisso.”
 Minha única pista havia desaparecido. Pelo que eu soube depois com Ricardinho, Foguinho tinha levado umas facadas num beco que tem acesso à praia. Resolvi então visitar uma imobiliária. Ricardinho me sugeriu a mesma que Catarina. Sun Time, Juca.
 “O Juca é um cara sensacional. Se você quer uma casa boa ele te arruma.”.
 Conclui que o Juca era um cara bonito. Mas não imaginava que fosse tão bonito. Recebeu-me com um lindo sorriso. Tinha quase a minha altura, uns 35 anos. Cara de bem sucedido e de esportista. Um lindo corpo. Nossa comecei a me apaixonar.
 Com certeza Luana ficaria mexida com um tipo desses, apenas um detalhe ela não iria gostar, Juca era simpático, lindo mas sem conteúdo nenhum.
 Levou-me ver algumas casas para alugar. Eu disse que queria comprar um terreno também.
 “Juca eu ouvi dizer que para construir é muito difícil aprovar a planta na prefeitura?”
 “Rui, eu nunca soube de nenhuma casa que não teve a planta aprovada pela prefeitura, para tudo se dá um jeito.”
 Depois me disse que o governo vai duplicar a estrada e com isso os imóveis vão duplicar o valor.
 “Aqui o único problema é o transito nos feriados. Mas com a estrada nova, isso aqui não vai mais ter preço.”
 “Achei que estávamos na bolha.” Eu disse.
 “Rui a dez anos que eu escuto que o litoral norte chegou ao máximo, e por mais incrível que pareça todo ano os imóveis se valorizam”.
 Incrível, achei eu, porque se ele estava já há tantos anos como não havia ficado rico? Ele não me parecia muito feliz em morar lá. Era um tipo que se daria muito bem em São Paulo, no Itaim. Mas me contou que havia se casado com uma local e já tinha um filho de dois anos.
 Perguntei sobre a violência, e ele disse que tinha diminuído muito. Falei do assassinato de Foguinho.
 “Quer saber? Ainda bem que o mataram. Aquele garoto era um marginal.”
 Realmente Luana não teria gostado deste Joca, Juca sei lá.
 O que Luana tinha feito com Foguinho? Será que duas mortes não fariam a policia suspeitar de uma conexão? Será que Ricardinho não tinha contado a policia sobre os encontros de Foguinho e Luana?
 Fui até a delegacia, que ficava em outra praia. Na praia do Piabú. Qual foi não foi a minha surpresa ao reconhecer o Delegado. Era o bonitinho que estava ontem final de tarde surfando e havia sorrido para mim.
 E qual não foi uma surpresa ainda maior ao ouvir:
 “Queira sentar-se senhor Victor Montale, eu o estava esperando.”.

Capítulo 4


 O nome do delegado era Elias. Ele me contou que se formara em São José dos Campos e há dois anos tinha assumido a delegacia de Piabú. Realmente o Brasil estava se transformando. Mesmo a polícia às vezes surpreende. Além de gato era um policial competente. Deu a entender que sabia da minha origem e da minha vida profissional. E ainda disse me considerar um grande jornalista investigativo e corajoso.  
 “A declaração que dei sobre a morte da sua amiga Luana foi para não prejudicar uma investigação em que trabalho há cerca de quatro meses. Nunca achei que Luana tivesse se afogado. Ela inclusive me procurou no dia anterior a sua morte”.
 “E o que ela queria?”
 “Disse que estava prestes a conseguir provas para incriminar o assassino de duas meninas daqui do Piabú e uma outra do Cacau”.
 “Você teve três assassinatos aqui em quatro meses?”
 “Sim. Três meninas na idade de dezesseis anos. As vítimas tinham em comum além da idade, de serem bonitas, usuárias de droga e de baixa renda”.
 “O que isso quer dizer?”
 “Que se fossem turistas de São Paulo, me mandariam reforços para ajudar na investigação.”
 “Entendi. E Luana não lhe deu nada?”
 “Foi tudo muito rápido, ela não queria que o suspeito soubesse que ela tinha me procurado.”
 “E o senhor sabe quem era o suspeito?”
 “Sei. Um garoto que você chegou a procurar hoje. Foguinho.”
 “E você acha que o Foguinho poderia ter cometido estes crimes?”
 “Victor, eu tenho dúvidas. A primeira morte foi por pauladas. A segunda por estrangulamento e a terceira com facadas. Nas três houve violência sexual, inclusive anal. Não posso afirmar que um garoto de dezesseis anos tivesse força e maldade suficientes. Mas claro posso estar enganado. Não tenho pessoal suficiente, por isso não pude colocar ninguém vigiando e seguindo Foguinho. O que sei é que duas testemunhas o viram na manhã em que Luana foi encontrada. Ele estava andando pela praia. O que também não quer dizer muito, as pessoas vão à praia.”
 “Mas Elias, digo Delegado Elias...”
 “Pode me chamar de Elias, Victor.”
 “E se Foguinho fosse uma fonte. Veja eu conhecia muito bem Luana, eu sei como ela seduzia para trabalhar.Para conseguir informações. Nós fazíamos uma equipe”.
 “Diga-me Victor você e Luana já namoraram?”
 Eu sorri. E fiz um gesto de não com a cabeça.
 “Imaginava que não mesmo.”
 Elias me propôs trabalharmos juntos. E me deu uma pasta com cópia de toda a investigação e informações sobre os assassinatos das meninas de 16 anos.
 “Ajude-me Victor a encontrar semelhanças nas vítimas, algo em comum. Aqui pessoas morrem frequentemente. Jovens. Muitas vezes mortes por vingança. Seja por dívidas de droga ou infidelidade. Mas estas meninas não estavam comprometidas. E eram usuárias casualmente. E existe a violência sexual. Estupro mesmo”.
 “Não passou pela sua cabeça as vítimas conhecerem o agressor?”
 “Eu entendo o que você quer dizer Victor. Mas lembre-se de que aqui todos se conhecem. Somos cerca de cinco mil habitantes. Vamos fazer assim, eu preciso sair agora. Por que não jantamos a noite?”
 “Claro Elias. Eu conheci um lugar... Constantinopla. Que tal?”
 “Lugar bem caro tanto para um jornalista quanto para um delegado. Mas para minha sorte eles não me cobram e eu erradamente aceito. Não sou nenhum anjo.”
 “Não tenho tanta certeza assim. Você parece um anjo da lei. Nove horas?”
 “Combinado.”
 Eu já ia deixar a sala com a pasta na mão, quando parei ao ouvir de Elias:
 “Victor só mais uma coisa. Eu sei que ela era sua amiga, mas aqui eu resolvo as coisas da maneira correta. Se você vai me ajudar, vamos fazer isso direito”.
 “Claro Elias.”
 Eu fingi concordar com aquilo. Entendi o recado. Um filho de bicheiro se vinga matando. E Elias achou que apesar de tudo eu era diferente. Mal sabia ele que meu pai perto de mim equivale a um carneiro perto de um lobo. Se uma merda de Serial Killer tivesse matado Luana, este ser iria se arrepender de cada morte cometida e iria implorar por piedade. Iria não. Vai.
 Antes de voltar para a pousada, fui conhecer Piabú. Andar pela praia. 


Sentei-me numa barriquinha de praia e pedi uma água de coco. Abri a pasta lá estavam algumas fotos, datas e descrições dos crimes. Pessoas que haviam sido interrogadas. Eram meninas de cabelos longos, lisos. Todas branquinhas, embora morassem na praia. Talvez a minha primeira constatação, eram todas com estereotipo caucasiano. Européias do norte, eu não sei ao certo o  nome que se dá. Alemãzinhas? E magras. Pelas fotos elas eram magras de cabelos lisos e compridos. Mas que adolescente não é magra? Se bem que hoje em dia, com tantos carboidratos a disposição.
 Se Luana não reagiu, pelo menos não havia marcas em seu corpo, posso concluir que uma: Ela não tinha medo do assassino, pois era alguém conhecido dela, ou alguém conhecido como um salva vidas?  Como Foguinho? Duas foi surpreendida. 
 Uma coisa eu sei, este criminoso é um local. Seria impossível ele se relacionar com as vítimas, ou mesmo não ser visto perto de onde os corpos foram encontrados sem ser alguém que não chamasse a atenção. Todos reparam quando turistas ficam ou beijam uma local.  
  Certa vez li que quando se cruza com um Serial Killer, não há nada a fazer ele vai te matar. Sei. Gostaria de cruzar com um desses.
 Levantei nos olhos daquela pasta, dei um gole na água de coco. Aquele mar tão lindo na minha frente. Céu totalmente azul. Como o litoral paulista é tão mais interessante no inverno que no verão. Só pessoas realmente da praia e pouquíssimas.
 Nunca entendi como alguns de classe média alta chamam estes jovens locais de: “Gente feia”. Para muitos na capital bonitos são apenas pessoas com carros blindados e empregados. Já eu consigo ver sensualidade nas pessoas independente da classe social.
 Nada de inclinação a esquerda não. Apenas uma sensibilidade aos verdadeiros desejos. Não que isso me ajude a investigar e a entender os criminosos. Porque como diz no filme do Batman, criminosos não tem complexidade nenhuma. São criminosos e ponto.
 Na praia, estes jovens locais jogavam futebol. Outros se preparavam para uma capoeira. Algumas meninas riam em pé próximas a mim. Pediam que o dono da barraca, um tal Nicó, tocasse violão. Quando dei por mim Nicó me mostrava algumas poesias em seu caderno.
 Incrível como é fácil fazer amizades no litoral, porque embora esta gente tenha contato com turistas do mundo todo, sim o litoral paulista recebe gringos, muitos, claro que gringos residentes da capital São Paulo. Geralmente executivos de grandes empresas que vem com suas famílias, trazidos por outros brasileiros. E toda fauna de paulistanos, peruas, mauricinhos, surfistas, moderninhos, hippies... Ou seja, apesar de interior e muito, 5 mil habitantes, os locais não são ingênuos nem bonzinhos e um tanto até cosmopolitas.
 Não falo dos caiçaras em especial.
 Estes caiçaras gostariam de se convencer de que antes dos turistas, e os nordestinos, paranaenses o litoral era um paraíso. Um lugar onde todos eram iguais e não havia exploração do homem pelo homem. E que tudo de ruim foi trazido pelos turistas. Você leitor já ouviu falar de um lugar assim? Eu não, só em histórias.
 Alguém pode dizer que em maior escala a analogia serve para explicar a nossa colonização dita de exploração. Mas Victor pare de ser prolixo. Voltemos a nossa investigação.
 O fato é que com uma natureza dessa e uma juventude que embora use drogas tem corpos sarados e lindíssimos. A vida sexual destes jovens é bem resolvida. O problema deles é outro. Adolescentes grávidas, violência do tráfico, difícil acesso a cultura, a educação. Uma menina de São Paulo não tem tempo. Esta sempre correndo. Cursinho, vestibular, estágio, academia... Aqui não.
 Quando uma menina se desvia da rotina em São Paulo, logo é notada. Ou foi matar aula, ou seqüestrada, ou está doente. Aqui na praia não. Se uma menina desaparece por horas, ou até um dia todo, ninguém dá falta. O criminoso sabe disso.
 “Ei mina vamos dar tiro de cocaína? Mas vamos já, não conte para ninguém.”
 “Vamos”.
 Em São Paulo, em primeiro lugar homens adultos não se aproximam de adolescentes. Ok, na periferia sim. Mas na classe média é visto como anormal.
 Será que eu estou no caminho certo? Será que o criminoso tinha um carrão, era mais velho do que as vítimas e as impressionava com seu poder econômico? Ou poderia ser alguém como este Nicó, dono da barraca, e bom de papo. O maníaco do parque não era assim?
 Acontece que Luana iria sacar o maníaco do parque na mesma hora. A não ser que ela estivesse enganada em relação à identidade do criminoso.
 Toca o meu celular. É Juca o corretor.
 “Falei com um cliente e arrumei um terreno perfeito para você Rui!”
 Eu já estava ficando angustiado com as minhas reflexões sobre os assassinatos e seria uma boa idéia um colírio daquele me levar para passear e ver terrenos.
 “Juca e estou tranqüilo agora, podemos ir lá ver? Eu estou no Piabú.”
 “Desculpe Rui, mas pode ser amanhã eu fiquei de ir jantar com a minha esposa hoje”.
 “Claro eu entendo. Amanhã é ok para mim também.”
 Foi aí que eu o ouvi dizer: “Droga este cara de novo!”
 “O que Juca?”
 “Nada Rui. Eu tenho de desligar.”
 E bateu o telefone na minha cara. Começou a anoitecer e eu me despedi dos novos amigos. Disseram-me para ir à noite ao único bar de Piabú e Cacau. Eu disse que talvez fosse, o que fez a alegria das garotas. Coitadas mal sabem elas. Se eu fizesse este sucesso com os homens...  
 De volta ao hotel, pousada. Lá estava a tal Verônica tomando espumante.
 “Rui onde você estava? Foi na praia?”
 “Oi querida, não. Quer dizer eu fui conhecer a praia do Piabú.”
 “Nossa tem uma gente feia lá, não é?”
 “Você diz uns locais, nordestinos e caiçaras?”
 Ela fez uma cara de aprovação. “Isso mesmo, uma baianada. Um cheiro. E você ainda corre o risco de ser assaltado.”
 Ricardinho observava tudo ao longe. Mas qual não foi a sua surpresa quando um hospede que havia a pouco se registrado gritou:
 “Vic! Vic! Você por aqui?!?”
 Era Marcelo um amigo antigo do pólo aquático. Mal pude tentar explicar a confusão para Verônica. O fato é que Marcelo e Verônica se deram bem logo de cara.
 “Servido?” Ela perguntou para ele, enquanto Ricardinho me puxava. Depois de entregar uma taça para Marcelo. 
 “Então é você!!!!!” O rapaz estava muito eufórico. “É você Rui? Diga-me você é Vic?!” Ele parecia estar diante da revelação de um messias. Não podia desapontá-lo. 
 “Sim eu sou o Vic.”
 “Não acredito. Então é você!"
 "Sim sou eu." Mas o que era aquilo afinal?
 "Eu achei que Vic era uma mulher.”
 “Do que você está falando?”
 E aí eu descobri a coisa mais surpreendente de Lu. Ela pediu a Ricardinho que guardasse o computador e não entregasse a ninguém, exceto a mim. Victor.
 “Ela disse só eu e Vic podemos pegar este computador. E me fez repetir isto três vezes. Ela era maluquinha. Quando eu perguntei quem era Vic, ela disse: Você vai saber quando Vic aparecer. E você vai gostar.”
 Luana embora nunca tenha jogado pólo aquático, era uma excelente jogadora. Eu sempre fui banheira ou pivô no pólo. Alguns acham que a posição que mais precisa-se de força. Mas não é só isso. É preciso também enganar o adversário. Colocar um outro falso jogador para tirar o verdadeiro marcador de cima. Pretender que se é canhoto, quando se é destro. Fingir falta, quando a falta não existe. Eu era bom nisso e Luana mais dissimulada ainda.
 Por isso roubaram o computador falso. Ela tinha dois. Ótimo. Por outro lado talvez esta dissimulação seja que a tenha colocado em risco. Bom já estava ficando tarde e eu tinha um jantar para ir.


Final

 Constantinopla, o restaurante, estava mais cheio do que o dia anterior. O delegado Elias ainda não havia chegado. Bom ainda eram nove horas. Acontece que em lugares pequenos, como o Cacau,  as pessoas nunca se atrasam, não existe o trânsito como desculpa.
 Uma outra garçonete de nome Márcia veio me receber. Perguntei por Catarina, a garçonete que me atendera no dia anterior e soube que ela, Catarina, não aparecera para trabalhar. Provavelmente estava doente. Disse-me Márcia e também Lucas um outro garçom. Uma pena. Aproveitei o atraso de Elias para fazer alguns telefonemas. Assim que desliguei do último ele surgiu. Eram nove e dez.
 “Oi Victor. Desculpe o atraso.”
 “Imagina, fiquei aqui conversando com Lucas e a Márcia. Aproveitei para pedir um vinho.” A menina riu, enquanto servia Elias que acabara de sentar-se.
 “A minha garçonete preferida não apareceu hoje.”
 “Quem é?”
 “Catarina.”
 “Catarina. Claro.” Falou o delegado.
 “Você a conhece Elias?”
 “Victor, o Cacau é um lugar muito pequeno. Não há muitos lugares para se ir fora o Constantinopla, o Alpendre e o Kiwi.”
 “Entendi. Eu vou de pato com batatas.” Pedi para Lucas que anotava os pedidos.
 “E eu este risoto.” Elias apontou para um prato no cardápio. E os dois garçons se afastaram. 
  Depois ele me perguntou se eu estava, apesar de tudo, passeando e conhecendo as praias. Eu disse que já as conhecia de longa data. Mas dificilmente no inverno. Quando há poucos veranistas. Disse ainda, que a região estava transformada.
 Falei sobre o terreno que Juca tinha me oferecido. Nesta última fala ele levantou os olhos.
 “Que horas foi isso Victor?”
 “Umas seis da tarde.”
 “E por que você não foi encontrá-lo?”
 “Ele disse que tinha combinado de jantar com a esposa.”
 “A esposa?”
 “Sim.”
 “Você tem certeza que ele disse a esposa?”
 “Sim tenho.” De repente ele começou a olhar para o infinito e parecia que tinha caído a ficha de algo.
 “Victor, eu disse que não tinha um suspeito. Mas tenho.”
 “E quem é?”
 “Juca.”
 Quando Elias me falou isso fez todo o sentido para mim. Juca, com uma imobiliária própria, bonito, com carro. Faz seus próprios horários. Eu mesmo quando o vi pensei que até Luana ficaria caidinha. Até eu achei um cara simpático, sedutor. Imagine as vítimas, meninas de dezesseis anos. 
 “Meu Deus! Porque é mesmo que Catarina não veio hoje?”
 “Eles não sabem. Provavelmente ficou doente.”
 “Victor, o Juca mentiu. Ele não foi encontrar-se com a esposa e sim com Catarina.”
 “Como você pode saber disso Elias?”  
 “Porque a esposa dele é Márcia, a garçonete que nos atendeu.”
 Aquilo me assustou. 
 “Você acha que a Catarina está em perigo? O corretor é realmente um suspeito?”
 O delegado Elias não me respondeu. Apenas fez outra pergunta.
 “Você vem comigo?”
 “Onde?”
 “Não há tempo para explicar. Temos de agir. A vida da menina está em perigo.”
 Nem cancelamos a comida. Saímos correndo do Constantinopla e pulamos dentro da viatura. Elias sacou a arma. E em cinco minutos estávamos a alguns metros da imobiliária Sun Time, do outro lado da rua.
 “Espere-me aqui vou entrar na frente.”
 Pude ver o Delegado empurrar a porta que estava destrancada e entrar dentro da imobiliária. Minutos depois ouvi dois tiros. Ele então surgiu na porta e me fez sinal para eu sair do carro e atravessar a rua. Passamos pelo escritório e entramos numa espécie de quartinho. Os dois corpos estavam lá. O de Juca e o de Catarina.
 O delegado me explicou que quando entrou Catarina já estava provavelmente morta, a pauladas, e Juca surpreendido tentou atirar no delegado. Mas Elias foi mais rápido e liquidou Juca.
 Parecia que o caso havia sido resolvido. E o delegado tinha cumprido o dever. Era óbvio que Juca e Catarina tinham um caso. Mas isto era a única coisa real naquilo tudo.
 Elias estava de costas para a porta quando eu vi dois homens entrarem e o agarrarem pelo pescoço. O delegado foi desarmado e imobilizado com algemas.
 “Você está preso Elias.”
 O delegado não podia crer que o seu investigador Douglas e o delegado de Bertioga, Jacinto, acompanhado agora por mais três policiais militares, o estavam prendendo.
 “O que é isso Douglas? Eu peguei o criminoso, um assassino em série e você me coloca algemas?”
 “Você delegado matou um homem inocente. Juca já estava a mais de três horas morto. Você sabia dos encontros dele com Catarina. Veio aqui e o matou. Depois ficou esperando por Catarina, que você sabia que viria aqui também antes de entrar no trabalho no restaurante. Eles costumavam se encontrar neste horário.”
 “E por que eu faria isto?” Quis saber Elias.
 Agora foi o delegado Jacinto quem respondeu:
 “Para nos fazer crer que foi Juca quem matou aquelas três meninas e também o garoto Foguinho. Mas nós já desconfiávamos de você depois que Foguinho e a jornalista nos procuraram. No início achei que ele era um bandidinho com rancor de ter levado certa vez uma surra de você. Ele nos deu o nome de duas testemunhas que o teriam visto tanto na praia saindo do mar com a jornalista ainda boiando na água, bem como em companhia das três garotas assassinadas.”
 “E você vai acreditar nestes garotos delinqüentes?” Gritou Elias.
  Agora era o investigador Douglas quem falava:
 “No início não. Um garoto assaltante não serve como testemunha de acusação de um delegado. Mas daí ele morreu, e investigamos se senhor delegado conhecia as vítimas. Hoje mesmo as testemunhas que viram o senhor em companhia delas, viraram cinco. Temos agora cinco testemunhas Elias. Foi mais ou menos na hora em que o Victor entrou em contato com o doutor Jacinto em Bertioga.”
 “É! Ser filho de bicheiro tem suas vantagens. Liga direto para o secretário de segurança!” Gritou Elias.
 “O senhor Montale é um jornalista respeitado, por isso atendi ao telefonema.” Jacinto foi ponderado. Tínhamos que agir rápido. Entrei em contato com Douglas e por sorte ele estava passando por aqui e viu a sua viatura na frente da imobiliária. E viu também você saindo aí de dentro há poucos minutos e indo encontrar Victor no Constantinopla. “Como você pode ver Elias, você estava sendo fotografado e monitorado.”
 “Eu estava investigando o Juca. Ele se envolvia com meninas, como está aí que ele matou.”
 Desta vez fui eu:
 “Elias, as outras três vítimas eram loirinhas e branquinhas, tinham dezesseis anos e foram estupradas. Catarina é mulata, tem vinte e um anos e nunca foi estuprada por Juca. Se não ela não viria aqui dia sim, dia não. Ela não tem o perfil das meninas que você mata. Sabe-se quantas já foram neste mundo.”
 “Ela vinha aqui escondida!” Gritou Elias.
 “Escondida porque como você mesmo disse, ela é colega de trabalho de Márcia a esposa de Juca. Ele era casado, tinha de ser escondido. Você aproveitou o fato para tentar fazer crer que o assassino em série era Juca e não você.”
 “Mas como você chegou nestas conclusões absurdas Victor?”
 “Foi você quem disse, para fazermos tudo direito, correto, dentro da lei não foi Elias? Então eu fiz. Chamei a polícia. Eu acredito nela.” 
 Elias ainda não podia crer na minha abilidade. Ele pensava que eu não passava de um gay e tonto. Por isso tive que lhe contar seu outro deslize.
 “Você roubou o computador errado. Luana guardou o verdadeiro na recepção da pousada. E adivinhe? Estava tudo lá, fotos, nomes de testemunhas, documentos e até vídeos de foguinho. O menino tinha um dossiê completo sobre os crimes. Não só das meninas, mas também da chantagem e propinas que você recebia para fazer vista grossa das obras ilegais. Mas não fique triste. Meu editor me prometeu capa da revista nesta semana. Você será conhecido no Brasil todo, até na sua terra em São José dos Campos.”
 Tirei uma máquina e com a permissão dos policiais, comecei a fotografar tudo. Inclusive os corpos. Antes de sair eu falei por último, olhando nos olhos de elias:
 “Você é um nada.”
  Aquela noite depois que o levaram eu segui para o bar do Cacau. Encontrei as pessoas da praia que iam sabendo na notícia do delegado Elias preso. Muitos comemoravam, acho que o delegado não era muito amado no Cacau. Bebi muito.
 Dia seguinte fui à praia logo de manhã. O tempo estava mais fechado, nublado. Para minha surpresa, Ricardinho estava na praia, de sunga. E não que aquele magrelo tinha uma bundinha?
 Comecei a chorar. Minha amiga não estava vingada. Por mim eu teria matado Elias com um saco plástico, teria feito ele morrer asfixiado. Mas não é o que a Lu gostaria que eu fizesse. Quando liguei o computador estava tudo lá. Somos jornalistas. Ela merecia aquela reportagem, afinal foi a sua última. Por isso não mexi na parte já feita por ela, mas adicionei outros desfechos que ela não pode saber. 
 Cai de joelhos na areia. Eu chorava muito. Ricardinho me levantou. Eu o olhei e disse:
 “Obrigado.”
 Não preciso dizer que nos dias seguintes fiquei preocupado com o emprego o seu emprego. De ele, Ricardinho,  ser pego comigo na cama. Ele se revelou um amante e tanto. Mas qual não foi a minha alegria ao acordar alguns dias depois, e Ricardinho me mostrar a Revista, com o título: 16.

 Dezesseis. Por Luana Benevides e Victor Montale.

 Começava mais ou menos assim:

 Muitos sabem dos problemas e das maravilhas do Litoral Norte de São Paulo. Principalmente a costa sul com seus dezesseis quilômetros de praias. O que não enxergamos ou ainda vemos, mas não queremos enxergar é a juventude deste lugar. Meninos e meninas que são gastos não pela maresia e pelo tempo, mas por descaso tanto do poder público como do privado. Conheci Foguinho por acaso. Um menino brilhante, cheio de vida, bonito como a natureza deste lugar, porém triste pessimista. Ele vive com medo e vive atormentado, pois sabe o nome do assassino de três meninas. Três amigas que como ele, elas deixaram o mundo aos dezesseis anos. E quem se importa? Afinal não eram turistas e sim locais.

 Se o leitor quiser saber mais, compre a revista na banca. Ou visite a região no inverno. Mas vá com a alma livre e aberta. Não suje a praia, nem tão pouco seus habitantes. Você não irá se arrepender. Os locais costumam repetir uma frase de um antigo morador de lá:

“Um dia longe de Juquehy é um dia a menos na vida.”