quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Dois cegos e dois detetives

Uma praça de uma grande cidade.


Personagens:



Primeiro cego

Segundo cego

Turista

Chofer do primeiro cego

Apresentador Chicão

Detetive Sir Ernest

Detetive Ted





(Os dois cegos entram em cena, um de cada lado do palco. Ambos estão com óculos escuros e bengalas, vão caminhando para o centro do palco. Em alguns momentos triangulam com a platéia. Até que uma hora os dois cegos se chocam um com outro e caem no chão. As bengalas caem e é um tombo dolorido, na tentativa de se levantarem um xinga o outro.)



PRIMEIRO CEGO- Você não me viu seu cretino?



SEGUNDO CEGO- E você também não me viu, babaca?



PRIMEIRO- (Já de pé, mas falando para uma direção oposta de onde ficou o outro cego.) Isso não vai ficar assim. Minha honra foi ferida.



SEGUNDO- (Respondendo também numa direção oposta.) Hora! Não é para tanto. É só você se desculpar comigo e está tudo bem.



PRIMEIRO- Eu me desculpar?! Isto é a gota de água. Volto daqui a quinze minutos, para um duelo. Passar bem, até já. (Vai saindo.)



SEGUNDO- Eu lá vou duelar com você seu maluco. (O primeiro cego deixa o palco, sem escutar.) O que é ficou surdo? (Entra um turista com um mapa.)



TURISTA- O senhor poderia me dizer se essa é a praça Mário de Andrade?



SEGUNDO CEGO- Onde é o que?



TURISTA- A praça Mário de Andrade.



SEGUNDO CEGO- E agora finge que não aconteceu nada? (Dá uma bengalada no turista.)



TURISTA- O que é isso seu cretino?



SEGUNDO CEGO- Para você aprender a respeitar os deficientes visuais. (Dá outra bengalada na cabeça do turista e vai saindo de cena.)



TURISTA- (Sem entender.) Que é que eu fiz?



SEGUNDO CEGO- Tome! (Joga spray de pimenta em cima do turista.)



TURISTA- Nossa! Fiquei meio tonto. Melhor eu sentar aqui no banco e descansar um pouco, está tudo escuro. (Senta. O primeiro cego retorna com seu motorista.)



PRIMEIRO CEGO- Você está vendo ele?



CHOFER- (Que vê o turista com uma cara de bobo.) Já vi o valentão, ele está sentado ali no banco.



CEGO- (Falando baixo para o chofer.) Agora se lembre de que a arma descarregada é para ele e a carregada para mim. Você é o Juiz. (Os dois se aproximam do turista.)



CHOFER- Senhor tenha a bondade de escolher as armas. Mostra as duas pistolas para o turista.



TURISTA- Mas a cidade é toda maluca!



CHOFER- Trata-se de um duelo por você ter ofendido a honra do meu patrão, o senhor Valdir.



TURISTA- Um duelo?



CHOFER- Sim e eu serei o juiz.



TURISTA- Do lugar de onde eu venho às coisas não são assim. (Turista que pensa que o primeiro cego, tratar-se do segundo cego.) Afinal é ele que me deve desculpas pelas grosserias. Vamos resolver de outra maneira.



CHOFER- Hora cale-se e escolha uma pistola.



TURISTA- (Para o Chofer.) Esse babaca é realmente cego?



CEGO- Cego sim, mas não sou surdo.



TURISTA- (À parte.) Então não tem como ele me acertar. (Pega uma das pistolas, o chofer coloca munição na outra e entrega ao cego sem que o turista perceba.)



CHOFER- (Para o turista.) Você vai ter de dar uns gritinhos a todo instante para que o meu patrão saiba onde você está.



TURISTA- Gritinhos?



CHOFER- Assim. (Dá uns gritinhos como um alarme de rádio relógio, turista imita.) Isso mesmo. Vocês contam até dez virem-se e atirem. Ok?



TURISTA- Ok.



CEGO- Ok. (Um fica de costas para o outro e o chofer recua um pouco, começam a andar, o cego cada hora aponta para um lugar e o turista começa a dar os gritinhos até que se viram e o turista aperta o gatilho nada acontece. De repente a luz cai ouvimos um tiro e a luz volta, o turista cai morto.)




CHOFER- Excelente pontaria senhor Valdir. Vamos embora?



CEGO- Claro. Rápido. (Chofer guia cego para fora do palco, turista permanece morto com a arma na mão. Entra um apresentador, uma espécie de mestre de cerimônia.)



APRESENTADOR- Senhoras e senhores bem vindos a mais um campeonato de detetives. Vamos agora chamar o representante do estilo inglês de investigação: Sir Ernest Scroll. (Entra um detetive de chapéu e cachimbo Sherlock Holmes, ele também veste um casaco quadriculado.) Bem vindo Sir Ernest.



ERNEST- (O olha de cima abaixo.) Me diga senhor...



APRESENTADOR- Chicão.



ERNEST- Senhor Chicão, qual era a sua relação com a vítima?



CHICÃO- Eu sou o apresentador do campeonato. Nem conheço a vítima.



ERNEST- Sei. (Anota em um caderno.) E como você acha que a vítima morreu? (Vai até o cadáver e continua anotando as coisas em um caderninho.)



CHICÃO- (Para de sorrir.) Acho que levou um tiro.



ERNEST- (Encarando o apresentador.) E o que o leva a crer nisso?



CHICÃO- Já voltaremos com o senhor Ernest, mas antes vamos dar as boas vindas ao detetive Ted. (Entra um detetive de, sobretudo capa e um chapéu. Ted acende um cigarro.) Ted senhoras e senhores segue a escola americana de investigação. Enquanto Sir Ernest é mais observador da perícia e da psicologia da vítima, Ted é daqueles detetives que saem da biblioteca e vão para a rua investigar. Vão até o submundo se necessário.



TED- Isso mesmo quem me ver na Augusta saiba que é investigação.



ERNEST- (Para Ted.) O que você acha que aconteceu com a vítima?



TED-Veremos. (Vai até o cadáver do Turista e tira a carteira dele do bolso, sem que Sir Ernest perceba pega o dinheiro que está dentro.) Talvez tenha sido suicídio.



ERNEST- Impossível. E me diga senhor Ted, onde você estava quando o assassinato ocorreu?



TED- Isso é absurdo eu estava no camarim com você.



ERNEST- Mas em determinado horário você saiu por alguns instantes do camarim.



TED- Eu fui ao banheiro.



ERNEST- Mas nesta ida ao banheiro você teve tempo suficiente de vir até aqui e atirar na vítima pelos bastidores do palco.



TED- Ok eu confesso.



ERNEST- Viram ele confessa.



TED- Mas eu estou debochando. Qual seria o motivo de eu matar este sujeito que eu nem conheço?



ERNEST- Simples você é um serial killer.



TED- É verdade eu não fui ao banheiro. Eu vim até aqui no palco, mas não fui eu quem matou a vítima.



ERNEST- Então quem foi?



TED- Foi ele. (A ponta para a platéia, a luz ilumina o segundo cego, que agora está sentado na platéia e parece não perceber a luz em cima dele.)



ERNEST- Impossível este senhor é cego. Como ele acertaria o tiro?



TED- Muito simples, a vítima dava gritinhos. (Imita os gritinhos do turista.) Logo era só seguir o som.



ERNEST- E qual seria o motivo?



TED- Não sei. Maldade? Talvez ele nem seja cego. (Cego começa a se sentir desconfortável com a situação.) Talvez ele ande assim para fazer uns trocos.



ERNEST- Assim como?



TEDE- De cego. Quis se vingar do outro cego, o cego rico que também estava presente. Eu o vi fugir com o chofer.



ERNEST- Você quer incriminar um inocente no seu lugar. Foi você quem o matou eu tenho certeza disso.



APRESENTADOR- Ok. Agora vamos voltar à fita e descobrir quem realmente matou a vítima. (A luz volta, mas o cadáver continua imóvel.) Vamos fazer a reconstituição. (O turista não se mexe. O apresentador vai até ele e da umas mexidas nele com o pé. Apresentador para o turista.) Ei rapaz levanta vamos fazer a reconstituição. (Como nada acontece apresentador da um sorriso e emenda.) Mais um caso de morte envolvendo drogas, um traficante é morto não se sabe se por brigas de quadrilha ou ainda executado pela polícia. As investigações continuam e a polícia diz que vai revelar detalhes da morte assim que tiver um. Mais um crime sem solução, nem com a ajuda americana, aponta Ted, nem com a colaboração inglesa chegamos a um desfecho.



SIR ERNEST- O criminoso deixou cair o rg. É o teu Ted.



TED- Você está plantando provas.



ERNEST- Como eram mesmo os gritinhos que a vítima fazia. (Ted imita os gritinhos.) Bom faz de novo. (Ted começa a fazer de novo, barulho de tiro. Ted cai morto. Luz no canto do palco, primeiro cego com a arma na mão.)



PRIMEIRO CEGO- Oh, cara difícil de morrer.

(Pano.)