segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sherlock Holmes e a empregadinha.


O caso que vou contar aqui aconteceu por coincidência. Meses atrás eu mal conhecia Holmes. Claro que temos muitos amigos em comum. Frequentamos os mesmos bares da Vila madalena. Às vezes o vejo em vernissages, shows e outros lugares frequentados pelo público alternativo.
 Sim escutei boatos sobre ele. Aliás, todos nós já ouvimos. Uma conhecida certa vez foi a sua kitinete. Ela disse que estava fascinada por ele. Mas ao ver aquele lugar todo sujo, largado, com pizzas e cinzeiros espalhados por todo canto. Ela não conseguiu.
 Existe uma diferença entre ser famoso, ser talentoso e ser rico propriamente dito. Eu sei que existem várias meninas loucas pra dar pra ele pela cidade a fora. E de todos os tipos, ninfetas, mulheres exuberantes, peruas, universitárias... Enfim, uma gama bem diversa.
Mas não desviemos do assunto. Durante um período da vida, eu passei por grande mistério. Sim leitor. Eu ia ao supermercado da esquina que é 24 horas e entre as coisas que eu comprava, havia um sal cine. Sim aquele que vem com um bonesinho de tampa.
 Chegava com as sacolas, na época de plástico, e ao retirar os produtos percebia que o sal havia sumido. Me aconteceu durante umas dez visitas ao supermercado. De todas as mercadorias a única que nunca chegava era o sal cisne. Cheguei a só comprar o sal. O que me causou constrangimento na fila. Mas mesmo assim ao chegar em casa ele havia sumido. Como? Um mistério leitor. Um verdadeiro mistério.
 Mas este ainda não é o mais intrigante. Certo dia eu passei a usar o elevador de serviço. Sei lá por que? Para variar um pouco talvez. Escapar dos vizinhos malas. Na segunda vez o elevador parou no quarto andar e ela entrou.  Era uma empregadinha ruiva, com sardinhas no rosto.
 Sorriu, falamos da chuva e tal, chegamos ao térreo e ela se foi. Toda vez que comecei a usar o elevador de serviço ela surgia. Sempre sorrindo e falando do tempo, do transito, da cidade do barulho. Mas sempre feliz, simpática e sorridente.
 Incrível, mas não havia uma única só vez que eu não usasse o elevador de serviço sem que ela não estivesse lá. Passei a usar o social. Mas na quarta vez ela também surgiu no social. E agora não importava qual elevador eu escolhesse, ele o elevador, sempre parava no quarto andar, e ela aparecia.
 Então um dia saí pela escada. Um horário que nunca saio, seis horas da manhã, e quando eu passava pelo quarto andar, eis que a empregadinha ruiva surge. Aquilo me intrigou demais.   
 No dia seguinte fingi que ia para o outro lado, mas a verdade é que passei a segui-la. Tinha virado para a esquerda, andei uns oito passos, parei e dei meia volta, pegando agora a direção da direita.
 Leitor você não vai acreditar. A empregadinha pegou o caminho do bairro da Vila Mariana. Foi indo pela Avenida Paulista. Entrou numa rua a esquerda, depois à direita. E eu sempre tomando cuidado para não ser visto.  Com óculos escuros, um gorro e uma cadeira de rodas. Mas qual não foi a minha surpresa a ver a empregadinha entrando na Baker Street. Parou em frente ao prédio de Sherlock Holmes tocou a campainha e entrou.
 Bem, não era lá uma ruivinha nota dez. Mas se levarmos em conta a mocréia que o Strauss Kahn é acusado de ter agarrado, até que a ruivinha era ajeitada.
 Esperei duas horas tomando uma água de coco na banca da esquina. Fiquei de saco cheio e desiste. Me mandei.
 À noite pensei comigo, caso encerrado. O Holmes está comendo a empregadinha aqui do prédio. Logo, os boatos são somente boatos. Senti até uma inveja do detetive. No dia seguinte ela não estava no elevador. Nem no outro dia tão pouco. E nem outro ainda. Em nenhum dos elevadores. 
 Somente uma semana depois é que fui reencontrá-la. De novo me sorriu, falou do tempo. E eu, debochado como sou, quando o elevador ia chegando ao térreo, emendei:
 “Acho que você conhece um amigo meu. O Sherlockinho?”
 “O Seu Holmes? Claro. Sou diarista dele. Doutor Watson é que me recomendou. O senhor conhece o doutor?”
 “De vista. De vista.” Disfarcei e sai andando. “Até logo.”
 “Até logo”. Ela sorriu. 
 Elementar. Elementar. Mas até que a empregadinha ruiva é charmosa. Não consegui tirar ela do pensamento a noite toda. Na manhã seguinte interfonei para o quarto andar.
 “Aqui é o moço do elevador. Você por um acaso não tem sal para me emprestar?”
 Ela tinha. Ela me deu um potinho de sal cisne. Mas quando retornei para a minha casa, procurei nas mãos, nos bolsos e nada. O sal cisne havia desaparecido. Um mistério. Um verdadeiro mistério.