sexta-feira, 11 de março de 2011

a carioca


 Ela está na janela do avião e eu ao lado no corredor. Já no ar ela me pede ajuda com os fones de ouvido, que não conseguia plugar. Ambos estamos indo de São Paulo para o Rio. É carnaval.
 “Você é o primeiro paulista simpático que eu conheço”.
 Eu sorrio. Então ela me conta que vai desfilar, embora diga que se sente assim um tanto quanto ridícula. Eu entendo e mostro a foto da Jane Fonda no jornal.
 “Mas a Jane olha...” E aponta um homem com Jane em outra foto.
 “Ela tem namorado e é isso que importa.”
  O avião começa a descer e ela me diz que sua neta de 27 anos e solteira vai pega-la no aeroporto e se eu não quero carona. Disfarço e agradeço. Dou dois beijos em Eliana e sigo.
 Sempre que vou à praia no Leblon fico imaginando que deva existir uma carioca de uns 25, 26 anos que mora por ali usa óculos para ler romances. Vota no Gabeira, tem um corpo de Helo Pinheiro 40 anos atrás e vai a Lapa à noite.
 Imagino-a vindo, a canga e seus cabelos voando com o vento e ela segurando o livro entrando na praia que está meio vazia, não é céu azul nem nublado. Uma bossa-nova de fundo.
 Também sonho com uma carioca africana. Negra, azul mesmo. De cabelo sarará, que eu adoro e aquela boca vermelha. Pronto fiquei arrepiado.
 Mais tarde num bloco no Jardim Botânico eu meio perdido vejo uma menina se aproximar. Toda ginga de carioca, cabelos compridos, negros, pele branca, shorts e que pernas... E um chapéu panamá na cabeça.
 “Leo lembra de mim? Eu fui ao seu aniversário e você me tratou super mal!”
 Ela não tinha vinte e seis, mas a saúde e a forma bem acima da maioria das meninas de 20. Eu não lembrei dela, daquela mulher moleca.
 Era uma paulista como eu, apaixonada pelo Rio. Ensinou-me algumas gírias que eu não conhecia. E saímos pela nigth da zona sul. Depois choramos os dois porque voltaríamos para São Paulo. Aliás, ela voltaria para o namorado. Calma, leitor moralista é carnaval.
 Dia seguinte eu ando molhado de água salgada por Copacabana.
 Eu tenho uma vocação pra ser carioca. Amo o centro, o Flamengo, o bairro e o time. O samba, os bares, teatro de revista, a praia, o morro. Machado de Assis, Lima Barreto e Rubem Fonseca.
 Amo o jeito carioca de ser. É o único sotaque do Brasil que não me faz rir. Porque rio até com o: “Pora meu”.
 É um sotaque tão lindo, tão sensual. O carioca claro. Vejo um cinema. O tradicional Roxy da Avenida Nossa senhora de Copacabana. Oba! Final do dia, um filminho depois da praia!
 Lamentavelmente já assisti a todos os filmes da temporada, menos um. “Bruna Surfistinha”. Tenho receio. Medo talvez?
 Entro e vejo a minha cidade de São Paulo na tela. Me dá uma saudade louca da minha terra. Mas espera aí Leo... Faz só dois dias que você está no Rio. Quero sair correndo e ir para o aeroporto pegar a ponte aérea. E de repente me dou conta que eu e aquela personagem temos muito em comum.
 Somos de Sampa, classe média. Escorpiões, Deus me livre. E fomos ambos oprimidos na escola.
 Percebo que não sou paulista só zona sul, ou oeste como dizem os mais corretos mapas.
 Eu tenho também a cafonice paulista, o bairrismo, o provincianismo, o egoísmo e tudo de ruim e bom que um paulista tem. É intrínseco.
 E mais adiante me lembro que aquela atriz tão linda e competente não é São Paulo. Lembro-me dela adolescente. A Deborah Secco.
 Penso como pode um filme tão Paulista ter uma protagonista Carioca?
 E concluo que talvez eu não queira ser carioca. Não vou deixar de ser paulista. Talvez o que eu queira é conhecer uma Carioca.
 Uma assim, meio Deborah, meio Fernanda Abreu, meio Rua do Ouvidorrrrrrrrrr. Será que é pedir muito?