sábado, 18 de dezembro de 2010

Vinte e cinco de março

Cena: Passa-se na rua vinte cinco de março


Tempo: manhã.



Personagens: 3 atores



Comerciante

Funcionário

Fiscal



(Loja de rua, bem cedo de manhã. O funcionário já esta trabalhando quando surge o patrão.)



COMERCIANTE- Bom dia! Tudo tranqüilo, já abriu a loja?



FUNCIONÁRIO- Parece que hoje vai ser calmo patrão.



COMERCIANTE- Que nada esses urubus da fiscalização tão tudo rondando. (Sente a perna). Aí que dor. (Comerciante leva a mão até o joelho.)



FUNCIONÁRIO- Nossa! Que é que houve?



COMERCIANTE- Acho que foi ontem jogando bola, recebi uma entrada de um babaca.



FUNCIONÁRIO- Acho melhor ir ao médico.



COMERCIANTE- Não é para tanto mas eu vou dar uma passada na farmácia e comprar alguma coisa para dor. Você fica de olho na loja?



FUNCIONÁRIO- Oh! Patrão não precisa nem perguntar.



COMERCIANTE- (Já saindo.) Mas olha lá. Nada de conversas, chega de histórias com as pessoas.



FUNCIONÁRIO- Pode deixar comigo patrão não se preocupe! (Comerciante sai, logo depois entra um fiscal que vem sorrindo com maldade no olhar.)



FISCAL- (Gritando.) Fiscal! Fiscal! (Bate palmas.) Fiscal!



FUNCIONÁRIO- (Tranquilo). Já ouvi.



FISCAL- Você quem é?



FUNCIONÁRIO- Funcionário.



FISCAL- Cadê o patrão?



FUNCIONÁRIO- Não está.



FISCAL- Eu espero. (Vai se sentando, ainda eufórico.)



FUNCIONÁRIO- Eu se fosse você não esperava.



FISCAL- (Espantado.) Como é que é rapaz?



FUNCIONÁRIO- Disse que se fosse você saia correndo sem olhar para trás.



FISCAL- Do que é que você ta falando?



FUNCIONÁRIO- Disso que você ouviu. Quem avisa amigo é.



FISCAL- (Imitando a passividade do funcionário.) Quem avisa amigo é. Ora bolas quem deve ter medo é o seu patrão. Eu não devo nada ao estado. Já o seu patrão... (Olha ao redor da loja.) Aí, aí, aí. Está feia a coisa para o lado dele. (Cai na gargalhada.)



FUNCIONÁRIO- (Sem modificar a expressão.) Se você quer acreditar nisso. (Dá de ombros.) Quem sou eu para dizer o contrário.



FISCAL- Mas afinal do que se trata tanto rodeio?



FUNCIONÁRIO- Estou só dizendo que o último fiscal esteve aqui não teve muita sorte.



FISCAL- O que vai dizer que ele teve uma parada cardíaca aqui mesmo na loja. (Ri.) Eu não sou supersticioso.



FUNCIONÁRIO- Se você chama apanhar até morrer de superstição. (Dá de ombros novamente.)



FISCAL- (Fecha a cara.) Logo de manhã a gente recebe umas amolações dessas.



FUNCIONÁRIO- O senhor aceita um copo de água, um café?



FISCAL- Não.



FUNCIONÁRIO- Um bolinho?



FISCAL- Olha rapaz essa sua brincadeira não vai ficar assim vou relatar isso para o seu patrão.



FUNCIONÁRIO- (Sorrindo.) O senhor não esta acreditando mesmo em mim? (Fiscal permanece mudo.) O cara levou tanto chute na cabeça que acabou morrendo.



FISCAL- Há! Há! Há! Até parece. Chega de conversa.



FUNCIONÁRIO- Faz o que seis anos que estou aqui? É isso seis sete anos. No começo achei o patrão até simpático. Calmo conversa direito, mas faz alguma coisa para irrita-lo? Ele se transforma, fica descontrolado e é muito violento. Bom, cada um com sua índole. (Olha para o fiscal que parece não estar prestando atenção. Fiscal pega um jornal e finge ler assobiando.) Coitado deste último, chamava até pela mãe o senhor acredita? Ele gritava: “Mamãe! Mamãe! Eu quero minha mãe!” E o meu patrão chutando a cabeça dele. (Para o fiscal.) Como é que não quebra o pé chutando alguém assim? Bom deixa eu ir trabalhar.



FISCAL- (Fecha o jornal, está um tanto quanto preocupado, ameaça falar alguma coisa, faz um não com a cabeça, vai voltar a ler o jornal, mas desiste, levanta e diz.) Olha eu tenho outros lugares para ir depois eu volto. (vai sair.)



FUNCIONÁRIO- Por que? Logo, logo o patrão está de volta. Espere só um pouquinho.



FISCAL- (Olhando o relógio.) Não poss. Preciso ir.



FUNCIONÁRIO- Tranqüilize-se. Também não é assim. O patrão está de bom humor, depois que chutou tanto a cabeça do outro relaxou está mais calmo.



FISCAL- Nem é nada disso. Você acha que eu não escuto essas estórias todo dia? Eu preciso realmente ir.



FUNCIONÁRIO- Olha o patrão aí. (Comerciante entra na loja mancando.) Oh, patrão este doutor quer falar com o senhor.



COMERCIANTE- Pois não.



FISCAL- Imagina, outra hora eu falo. Já estou indo.



FUNCIONÁRIO- Disse que é fiscal...



COMERCIANTE- Ah claro vamos para o meu escritório. (Fiscal vai se afastando e comerciante o segue pela loja mancando.) Desculpe é que eu chutei tanto ontem que meu pé doi.



FISCAL- Chutou?



COMERCIANTE- Eu devia ter parado, mas estava com uma raiva do filha da puta e continuei chutando.



FISCAL- Espero que tenha valido a pena.



COMERCIANTE- Ah sempre vale, depois que eu vi o estado que ele ficou, me alegrei.



FISCAL- Bem daqui dois anos eu volto. Quer dizer? Quem sabe nem volto.



COMERCIANTE- Como preferir.



FISCAL- Adeus. (Sai correndo.)



COMERCIANTE- Quanto louco. (Para funcionário.) Não tinha nada na farmácia, vou seguir o seu conselho e vou ao médico. Olha tudo até eu voltar, o médico é aqui do lado.



FUNCIONÁRIO- Pode deixar.



COMERCIANTE- (Vai saindo, depois para, tira um chaveiro do bolso.) Ah, quase me esqueço, vai passar o Ricardo para lavar o meu carro. (Baixo.) Manda ele tirar bem o cheiro sangue do porta-malas que ficou daquele babaca do outro fiscal. Manda esfregar bastante, cretino aquele cara ainda deixou cheiro ruim no meu Vectra. (Dá a chave ao funcionário.) E uma última coisa.



FUNCIONÁRIO- Pois não doutor.



COMERCIANTE- Chega de histórias.



(pano.)