domingo, 8 de maio de 2011

Meu lado mais que gay.


Minha estréia profissional no teatro se deu como iluminador. Eu era o técnico que iluminava o espetáculo, ou ainda o operador de luz. Ao meu lado na cabine, ficava a operadora de som. Hoje, aliás, excelente diretora de teatro.
 Ocorre que certo dia, casa lotada, lá pro meio do espetáculo, o contra-regra entra na cabine e diz que a atriz que fazia a personagem da velha senhora havia desmaiado. Mas que ele tinha ordem de mandar continuarmos, porém que não estranhássemos nada que pudesse ser diferente em cena.
 Diferente? Lembrei disso esta semana que passou. Eu bebia com uma amiga que mora no Rio e outra menina que trabalha com ela. Tomamos muitos chopes e cachaças e lá pelas tantas as duas me xingaram de homem.
 “Ah você diz isso porque é homem. Você faz isso porque é homem e age como um homem.”
 Pra mim não existe ofensa maior do que me chamar de homem.
 “Mas eu sou tão sensível e feminino! Eu sou diferente de um homem heterossexual chato.”
 Daí a minha amiga lembrou que a minha toalha continuava intacta e que logo fazia já dois dias que eu não tomava banho.
 “Claro é porque eu tenho ido à praia. Então pra que banho?” Argumentei.
 “E você não escova também os dentes antes de dormir.” Ela ainda somou mais esta característica. “Hetero e hippie!”
 “E desde quando você se tornou tão mulher assim?” Minha amiga não gostou da grosseria. E baixou o olhar.

 O contra-regra volta e diz: “Ela morreu! A atriz que faz a velha senhora morreu. Mas o espetáculo vai até o fim.”

 Chegando ao apartamento minha amiga e eu, ambos em silencio. Eu servia-me ainda de outra dose de cachaça, e ela quebrou a paz:
 “Desde quando eu não sou mulher?”

 O piano da temporada era lindo. Até hoje escuto a música tema na cabeça. Também foi uma temporada toda. E chega à hora final da peça, o grande monólogo da velha senhora. Dou a luz e ninguém entra.

 “Eu quis dizer que você está parecendo uma daquelas mulheres do interior.”
 “Leo eu sou mulher.”
 Eu adoro e amo muito a minha amiga. Mas ela é tão mulher quanto eu sou homem.

 Uma jovem atriz do elenco entra em cena. Era uma menina que depois vim, a saber, que ela assim como eu de tanto ouvir, dia após dia o monólogo já o sabia de cor.  
 Não havia diferença naquela menina e na atriz mais velha. Claro que uma distancia de anos. Acontece... Acontece que ambas eram mulheres. Assim como eu sou tão homem quanto um homem gay. Nem mais e nem menos.  

 No dia seguinte jantávamos eu, a minha amiga e mais quatro amigos homens e gays na casa de um deles em Copacabana. Foi o dia em que o STF aprovou a união estável homoafetiva por unanimidade. Um deles, dos amigos tocou na notícia que os deixara felizes. Mas logo mudaram de assunto.

 Com certeza fui eu quem ficou mais emocionado com este acontecimento. Eu até chorei. Porque eu tenho este meu lado. Este meu lado que é mais que gay.