sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Capítulo 2

Os irmãos Chavez

Advertência: Se o leitor ainda não leu o capitulo um, o texto anterior a esse, não entenderá o capítulo 2. Pois trata-se de uma continuação.


Bahia Bucólica



O ônibus vinha lotado de Salvador em direção ao sul, à praia de Lucrécia. Das quatro horas do percurso, mais de três já haviam transcorrido, sem ar condicionado nem cd para ouvir, apenas uma revista feminina era a distração de Gabriela que estava ansiosa para encontrar com Cris, o qual há mais de um mês não via. Pelo telefone ele disse à irmãzinha ser o local o mais belo que conhecera.

Cris era compositor, se considerava guitarrista, mas cada vez eram mais óbvias suas limitações como intérprete e o seu avanço nas composições e arranjos, segundo ele mesmo analisava. Sua banda que se formara na adolescência tinha chegado aos vinte anos não de estrada, mas de idade dos integrantes, esses no rastro do rock clássico.

Estavam eles, todos os cinco, em Lucrécia esperando ansiosos pela ainda adolescente Gabriela que viajava sozinha, do que não fora fácil convencerem os pais a deixarem-na ir ao encontro do irmão.

Enfim o ônibus parou. Gabriela se animou tanto que acordou por completo. Ela vestia shorts verde escuro estilo safári com bolsos dos lados e uma blusinha branca. Suas pernas e costas praticamente tinham grudado no assento; desceu, pegou sua mala, tirou o papel com as indicações de como chegar até a pousada em que Cris estava e começou a caminhar em uma rua de terra.

Três senhores aposentados que importunavam um quarto que estava no banco de cimento do ponto de ônibus cochilando cheirando a pinga lhe indicaram a direção.

Como não eram confiáveis, ainda se certificou com uma mulher gorda. Gabriela nem percebeu, mas já uma meia dúzia de homens e garotos preparava-se para ajudá-la com a mala ou informações, mas a beleza da menina era tanta que os intimidou.

Começou a andar pela estrada de terra, que, aliás, era a única via da encruzilhada com o asfalto.

Ela deveria andar uns mil e trezentos metros, talvez menos, nem se preocupou em encontrar um táxi, também tão pouco passou por sua cabeça a existência de um ali na Bahia.

 A cada duzentos metros uma construção, casinhas e janelas coloridas e muitas roupas nos varais. Era fim de tarde e algumas galinhas faziam happy hour, ciscando milho, para variar apareceu um cachorro que veio ao seu encontro, teve medo a princípio, mas uma criança disse que ele não mordia.

— Todo dono fala isso!

— É verdade que de vez em quando ele morde quem eu não gosto, mas só quem eu não gosto, que não é o seu caso, moça!

Gabriela sorriu. Depois veio uma curva e a estrada se alargou; era uma enorme reta. Foi então que viu pessoas lá no fundo do quadro. Uma delas com os braços levantados ela reconheceu ser Cris.

Ele estava com uma bermuda azul escuro que passava a altura dos joelhos, com seu quase um metro e noventa, pois na verdade exceto Gabriela, os outros Chavez eram todos altos, mas ela tinha só um metro e sessenta.

 Os dois eram os únicos que pareciam irmãos, apesar de Gabriela ter olhos verdes e os cabelos de anjo loiros, já o músico era castanho claro de olhos e cabelos, mas esses eram compridos e lembravam os da irmã. Ele vinha sem camiseta, descalço e com a barba crescida. Com colares nativos do artesanato local, tal quais os amigos que o acompanhavam. O que a caçula dos Chavez não imaginava é que eles tinham tirado o dia todo para recebê-la, mas se confundiram no horário do ônibus e não puderam ir recebê-la no ponto.

— Boa tarde, mademoisele Gabriela!

Jaime, o baterista, colocou um dos joelhos na terra e chocalhou a mão de cima até o meio da altura da menina e essa lhe estendeu a mão para que ele lhe desse um beijo, como num cumprimento barroco.

Depois o irmão a abraçou e a rodopiou duas vezes, recolocando-a no lugar para ficar admirando-a.

Os outros dois Guga e Pedrinho que já haviam pegado a mala da moça, agora faziam fila para ganhar um beijo.

— Me desculpem não ter conseguido trazer nem uma amiga, mas foi tão rápido que eu decidi vir, que nenhuma pôde se programar. Apesar de não faltar fãs de vocês, mas essas não são minhas amigas!

— Cara Gabriela, saiba que apesar de guardarmos esperança de algum dia, um de nós vir a ser cunhado de Cris, pois milagres acontecem todos os dias, estamos nos dando muito bem nessas férias com as locais e as turistas também.

Foi aí que Gabriela percebeu a falta de Caio, o vocalista. Ele não fora junto recebê-la. A verdade é que ela estava acostumada a grandes recepções masculinas, afinal era linda e a caçula de três irmãos. Mas Caio era diferente, era um segredo, ninguém sabia pelo menos ela não havia dito a ninguém. Exceto à sua melhor amiga: o vocalista a cantara, e a fez deixar de ser donzela.

Seguiram em direção a pousada e a menina não perguntou por Caio, pensava ela que nem passava pela cabeça de Cris tal traição ou até passava, quem sabe, e afinal Cris era seu irmão e não namorado.

A banda alugara um chalé com duas salas, suítes, e ainda uma pequena copa, e tudo cercado por uma varanda com redes. Era um dos quinze chalés do complexo da pousada. Três estavam em uma suíte e dois em outra. Agora, com a chegada de Gabriela ela ficaria com Cris em um dos quartos e os outros quatro ficariam juntos, pois Lucrécia estava sem nenhuma cama sobrando em toda a vila.

Depois de ter arrumado as roupas no armário foi ter com a banda; sentaram-se em uma mesa e disseram que a levariam à noite até a vila, onde compareciam quase todas as noites a um bar para dançar e beber.

— Toca forró?

— Depois das duas e meia até nascer o dia é o Brasil real na pista! — respondeu-lhe Guga.

— Mas se você está com a idéia de dançar é melhor ir dormir um pouco. — Concluiu Pedro, enquanto Jaime lhe mostrava ainda um lanche o qual, ele ia colocando sobre a mesa.

Em cinco minutos adormeceu. Cris levou-a para o quarto.

Já era noite quando acordou meio sem se lembrar onde estava e até entender o espaço, onde era a porta, a janela e o banheiro.

 Viu que alguém estava sentado na outra cama, observando-a no breu. Ela concluiu que era Cris e depois de se espreguiçar lançou os braços em direção à figura, pois achando ser o irmão, este a levantaria e lhe daria um beijo.

— Oi, é macia a minha cama?

— Essa era a sua cama?

Como o rapaz veio para a frente beijá-la, acabou entrando no raio de luz que vinha da porta aberta para a sala. Foi quando Gabriela viu a enorme boca vermelha e reconheceu Caio.

O vocalista era parecido com uma daquelas estátuas da Ilha de Páscoa, com lábios bem vermelhos e uma pele escura. Caio não contrastava nas plantações de cacau. Não tinha uma beleza clássica, nem tão pouco exótica, mas era charmoso para as adolescentes.

 O que Cris tinha de inseguro Caio tinha de seguro, ou seja, ele era um babaca que não sabe que o é e se considera o tal. Pior é que temos a propensão de nos apaixonar por pessoas assim.

— Oh, grosseria, por que você não foi me buscar também? Estava ocupado com o quê?

Ele não respondeu, continuou a encará-la, riu e ia deixando o quarto quando Gabriela disse:

— Te trouxe um presente!

Mas ele nem se virou e saiu.