terça-feira, 3 de abril de 2012

Os falsificadores.



  Primeira parte

 Foi uma coincidência, fui almoçar no árabe perto de casa. Sentei numa mesa na calçada. Na mesa vizinha um senhor na casa dos sessenta, vestido com uma camisa marrom tomava uísque com mais dois senhores de uns cinquenta anos cada um.
 Era um sujeito magro, careca e sua roupa parecia dos anos setenta. Os outros dois, vestiam roupas contemporâneas. O de marrom acendeu um cigarro, desses que parecem pequenos charutos. Eu já estava quase desistindo de ficar ali fora e ia pedir para me mudar para dentro, quando ouvi o nome de Ismael Neto.
 Aquilo me chamou a atenção, porque Ismael Neto é o meu pintor brasileiro preferido. Eles falavam sobre uma onda de falsificação.  Eu havia lido qualquer coisa nos jornais. Mas a coincidência foi outra.
 Tempos antes, uma estudante de artes plásticas, esquecera sua carteira no meu carro. Foi depois de uma carona que eu a havia dado da balada de volta para sua casa. Ela devia ter uns vinte e um anos. Mas aparentava uns dezoito talvez. Enfim uma jovem. Piercing no nariz, cabelos curtinhos e um corpinho de bailarina. Um tipo alternativo.
 Quando ela foi buscar a carteira no dia seguinte, almoçamos no mesmo árabe, e depois fomos à livraria. Ela falava muito sobre artes plásticas, balé e artes em geral. Tinha uma cultura extensa para a idade. Vendo alguns livros junto com ela, na livraria, me chamou a atenção um do Ismael Neto.
 Começamos a folhar as páginas do livro e em determinada telas do pintor, Marta começou a rir. Eu quis saber o por que ? E ela disse simplesmente porque a tela da foto era ela quem tinha pintado e não Ismael Neto. Na hora eu achei que ela estivesse querendo fazer graça e não dei muita atenção.
 “Então você é uma falsificadora senhorita Callieri?”
 Callieri era o seu sobrenome. Marta Callieri.   Saímos da livraria e a levei pra casa.
 Como Marta é muito jovem, acabei que não a procurei mais. Ficamos de nos falar, mas nenhum dos dois se aproximou de novo.
 Aqueles três tomando uísque e fumando cigarros de charuto, no meio da tarde de um dia de semana, começou a me inervar. Mas a curiosidade fazia com que eu continuasse a prestar atenção. Ele o homem da camisa marrom, disse que os três casos vieram de um mesmo escritório de arte. Mas que havia outros, que foram abafados.
 Afinal tanto um comprador, como um marchand não gostam que este tipo de informação vaze. O primeiro para não parecer bobo e o segundo porque prejudicaria os negócios, claro.
 Talvez eu tivesse esquecido toda aquela história. Pedi a conta para a minha amiga dona do árabe. Segui para o ensaio. Os atores já estavam lá. Terminado o ensaio, eu e um dos atores fomos tomar uma cerveja na Vila Madalena.
 Escolhemos o bar de sempre, um lugar frequentado por artistas e boêmios. Não estava abarrotado, afinal era segunda feira. Marcelo, o ator da minha peça e também amigo, estava apaixonado pelo nosso produtor. Falávamos disso, quando surgiu Carol. 
 Uma amiga publicitária, ótima companhia, na casa dos trinta. Sabe sempre o que está rolando. O tipo de solteira que ainda tem um pé na vida universitária, apesar de ter se formado há anos. Ela quis saber como estava a minha vida. Contei que iríamos em breve estrear um clássico. Uma peça do Shaw, Bernard Shaw. Bebíamos e riamos. Mas Carol lembrou algo. Arregalou os olhos. Me olhou, como quem vai contar uma bomba, mas não sabe qual será a reação do outro. De repente ela me da à notícia:
 “Você viu o que aconteceu com aquela ninfetinha que você catou na festa do Dado?”
 Foi então que fiquei sabendo, a menina havia sido atropelada por um ônibus. Há uns cinco dias talvez. Ela morava com outra amiga em Santa Cecília, um bairro de São Paulo.
 Aquilo me deixou chocado. Eu pouco sabia da vida de Marta. Ela era uma menina interessante, seria em breve uma bela mulher. Inteligente, articulada. Verdade que eu havia visto só duas vezes. Mas deu pra fazer um bom retrato.
 Como Carol não tinha detalhes, voltamos a falar de outras coisas. Quando nos despedimos Carol quis saber se aquilo não me abalara. Imagina, mal conhecia a menina. Eu fico comovido afinal...
 Marcelo notou que eu ficara mais que comovido. A sensibilidade dele dizia que eu nem sabia ao certo, o que eu estava sentindo. Não falei sobre a coincidência do almoço do pintor Ismael Neto, mesmo porque muito provavelmente eles nem conheceriam Ismael Neto. E teriam a impressão de que eu delirava.
Só fui lembrar de Marta no dia seguinte. Ao sair de casa a pé o porteiro me entregou um DVD. Disse que um moto-boy havia deixado para mim. Pedi que o porteiro me lembra-se dele na volta.
 Tomei café na padaria. Depois resolvi passar na galeria de uma amiga. A Marina. Era uma galeria nova. Marina tinha mais duas sócias. Elas trabalhavam com artistas jovens. Não sei o que eu estava interessado ainda. Se minha curiosidade era em relação à Marta, as falsificações ou ainda o atropelamento em si.
 Eu havia beijado aquela menina há poucos dias, umas costas maravilhosas, zero de gordura. Também com vinte poucos anos. Uma voz doce, meiga, feminina. Gestos duros ao mesmo tempo suaves. Como de um menino afetado. Sei lá. Agora Marta não saia da minha cabeça.
 Marina não estava e foi sua sócia Renata que me recebeu. Uma menina de 1,80 metros e 25 anos, muito sorridente. Depois de me mostrar o trabalho de um fotógrafo que elas estavam expondo, fomos tomar um café no seu escritório. Eu contei o motivo da minha visita para Renata.
 “Mas Leo! Quem não conhece Marta Callieri no mundo das artes?”
 Aparentemente Renata não sabia que ela, Marta havia sido atropelada.
 “Há quanto tempo?”
 Eu disse o pouco que sabia:
 “Há alguns dias.”
 “Engraçado, eu pensei tela vista anteontem. Você não usa Google não, Leo?”
 Foi então que Renata me contou sobre Marta. Sim ela realmente era uma das maiores falsificadoras do mercado de arte de São Paulo. Era tão boa que nunca havia sido pega. Na verdade me disse que só se você assinar a tela é que se considera crime de falsificação.
 Marta não era boa só porque conhecia as cores certas. Como construir cores antigas, ou fazer a tela parecer envelhecida. Ela também captava o estilo do artista a ser falsificado.
  “Pelo que eu sei Leo, que é baseado no que eu escutei, a menina é um gênio. Você estava saindo com ela? Ou também tomou um golpe de algum falsário?”
 “Renata, deixe um beijo para Marina. Obrigado pelas informações.”
 Voltei para casa. Ao chegar à portaria, novamente o porteiro me lembrou do DVD. Sem outra prioridade, resolvi assistir ao DVD.
 Qual não foi a minha surpresa. Um ator fazia uma cena de Nelson Rodrigues de dois minutos. Claro que isto não tem novidade nenhuma. Atores interpretam Nelson. Acontece que o ator era eu. Tentei me lembrar de quando eu havia feito uma cena de Nelson Rodrigues na vida. A resposta era nunca. Nunca fiz Nelson Rodrigues.
 Eu estava ainda atordoado com aquilo. Meu celular tocou. Na tela do celular surgiu o nome: Marta Callieri.
 “Alo.”
 “Gostou da cena?”
 “Marta?”
 “Eu mesma Leo.”

(fim do capítulo 1).