domingo, 7 de agosto de 2011

De onde eu conheço este pé?


“O trabalho do ator é arrumar trabalho. Depois é diversão.” 
Morgan Freeman

 Quando eu faço um teste para ator, dependendo do trabalho, eu fico nervoso. Uma vez fiz um teste para “Romeu e Julieta”. Deram-me o papel do conde Paris que é o prometido de Julieta. Com quem a família quer que ela se case.
 Nossa como eu estudei para o teste. Convenci-me até que tinham me dado o personagem do conde Paris porque o diretor queria um grande e bonito ator, para fazer com que a união do jovem casal tornar-se ainda mais surpreendente. 
 Descobri também que em todas as adaptações do cinema e do teatro que havia assistido tinham sido diminuídas, quase excluídas, as cenas do conde Paris.
 Caramba! Como foi ruim o teste que eu fiz. Mas na época eu achei que estava certo. Eu era obstinado e muito inteligente. E este foi o problema. Eu acreditava que o pobre diretor pensava as coisas que eu pensava. Na verdade eu estava era fazendo um projeto de encenação paralelo e não sendo um garoto de vinte anos.
 As pessoas não esperam uma compreensão de Shakespeare de alguém com vinte anos. 
 Por outro lado as pessoas se esquecem que Shakespeare tinha uns vinte anos quando escreveu “Romeu e Julieta.”   
 Semana passada eu e um diretor estávamos escolhendo dentre 18 atrizes de vinte anos uma personagem para o nosso filme. É muito difícil escolher entre tantas Julietas. São tantas possibilidades e corpos e vozes e talentos. Não há a certa, e sim a escolhida.
 Mas não é para este tipo de pensamento que estamos aqui. 
 Eu a vi passando do lado de fora pela janela. Um perfil forte.
 Já no estúdio estava sentada enquanto o diretor a entrevistava. O diretor pediu que eu perguntasse alguma coisa.
 “De que diretor ou grupo de teatro você gosta?”
 Fui seco e rápido. E fiz uma pergunta fora do contexto. Afinal estamos fazendo um filme e não um espetáculo de teatro. 
 Ela se virou para o meu lado e como alguém que já viveu muito, no alto dos seus vinte anos me disse as suas preferências artísticas. Fez isso com uma confiança que pessoas de quarenta ainda não têm.
 Encarava-me não pedindo aprovação do que havia dito, nem provocando, apenas feliz por ter me dito. Por ter compartilhado. 
 E então veio a improvisação e aquele ser ria como uma criança. Um riso forte e honesto, cheio de vida.  
 Eu não sei ao certo que sentimentos eram aqueles que eu estava em relação ela. A Julieta. Digo a garota. É como se eu a conhecesse. Conhecesse de outra vida quem sabe? Quem sabe? Era como se conhecesse seus defeitos. Conhecesse suas qualidades. 
 A inteligência dela me era familiar. A velocidade precisa do que ela dizia. A falta de senso que faz todo sentido na arte. E uma paixão tranqüila.
 O pé dela me era muito familiar. O pé. Meus olhos foram para o pé dela. Me deu uma paz aqueles pés. 
 No outro dia, ela voltou. Eu não sei se ela gostou de mim. Eu sei é que ela gostou de estar lá.
 Aí eu fiquei uma semana pensando. Por que o pé? Conversei com muitas pessoas a respeito. Todas as pessoas me disseram: 
 "Ué Leo? Você ficou a fim da menina". Mas não era isso.
 O mundo é ainda mais simples do que isto.
 Daí eu entendi. Eu reconheci aquilo. Ela tem a mesma ambição. A mesma ambição artística que eu tinha.  
 Eu me vi naquela menina. Eu vi o menino que eu fui, nela.
 Um pé rebelde que não se prende. Mas ao mesmo tempo, um pé de moleca.
 Ok, ela tem também outras coisas. Uns olhos maravilhosos... E sabe-se lá o que eles enxergam.