terça-feira, 7 de setembro de 2010

Em algum lugar do século xx

Em algum lugar do século vinte, temos uma praça no centro de uma grande cidade. Um menino engraxate puxa conversa com seu cliente, um senhor gordo burguês de terno:


-Dizem que se o Carlão estivesse aqui às coisas seriam melhores. O cliente continua a ler o jornal.

-Com o Carlão as pessoas ririam mais. Empolga-se o pequeno engraxate. -Teriam uma reflexão a respeito das coisas, não se deixariam ser ridicularizadas. O cliente para de ler o jornal e ainda olhando o infinito presta atenção.

-O Carlão é a melhor pessoa do mundo. É de um cidadão assim que o nosso país precisa. O cliente sem grandes alardes levanta e começa a bater no engraxate e gritando:

-Qual Carlão? O Carlão Marx? Responde seu subversivo! Qual Carlão? O Marx? Seu comunista!

O menino não consegue falar por conta dos chutes do burguês. Com dificuldade defendendo a barriga ele apontava para o pôster do cinema central que trazia mais um sucesso do Carlão: “Kid”, escrito e dirigido por Charles Chaplin, ou Carlitos para íntimos.

Em algum lugar do século vinte, um homem enfrenta tanques numa praça de uma grande cidade. O tanque encara o homem. O tanque pensa consigo mesmo. “Será que esse homem não sabe que eu sou um tanque comunista? Que eu existo para defender a igualdade das pessoas? Porque ele se posta na minha frente?”

Esse tanque nunca mais foi visto.

Em algum lugar do século vinte, temos um jovem brasileiro de vinte anos, que cruza com uma linda polonesa em Boston down town. Ela lhe dá um livro sobre o Dalai Lama. Mas ele estava convencido, sua religião era o Marxismo.

Em algum lugar do século vinte eu era pra me chamar Gabriela. Em algum lugar do século vinte esse jovem foi cara pintada. Esse jovem sempre quis se filiar ao partido. Mas sabia o que ia ouvir e sabia que no fundo ele era um falso marxista.

Em algum lugar, ele pinta a cara novamente. Ele tem um nariz vermelho e nenhuma ágorafobia. Seu guia é o Carlão inglês. O engraxate agora ri e o cliente lhe dá uma boa caixinha. Não se vê nenhum tanque. As igrejas continuam de pé. Mas com certeza já não estamos em nenhum lugar do século vinte.