domingo, 10 de julho de 2011

16

 Victor Montale é um jornalista investigativo. Ele é de uma família da máfia. Mas resolveu seguir a sua própria vida. Ou talvez a máfia ainda não esteja pronta para um Chefão gay. Nada lhe coloca medo, afinal ele além de muito forte, foi treinado desde pequeno para comandar o submundo do crime organizado. Mas no fundo ele é um idealista.
 Agora sua bela amiga, Luana, que escrevia uma matéria bombástica sobre a especulação imobiliária no litoral norte de São Paulo, afogou-se na praia do Cacau. Se este fato não for realmente um acidente, como disseram as autoridades, que o culpado fuja o mais rápido que puder, porque Victor está na área. Ele é o nosso detetive em ação e não está convencido do “acidente”.  

Capítulo 1.


 A praia do Cacau no litoral norte de São Paulo tem cinco mil habitantes. E no inverno recebe pouquíssimos turistas. Por isso o afogamento da minha melhor amiga, Luana, foi o assunto em todos os lares e comércio do pequeno bairro de São Sebastião.
 Eu e Luana nos conhecemos na faculdade de jornalismo. Depois de formados fomos trabalhar em diferentes jornais. Os dois maiores concorrentes de São Paulo. Anos depois acabamos na mesma revista semanal. Formamos uma dupla de repórteres investigativos.
 Eu sempre quis trabalhar com crime. Luana dizia que eu deveria ter sido policial. Um cara com um metro e noventa, cem quilos. Com propensão para violência e uma disciplina militar. Mas como eu poderia ser policia se sou filho de um dos maiores bicheiros de São Paulo.
 Sim esta é a história da minha família. Meu pai administra cabarés, jogo e toda espécie de contrabando e contravenções. Ele não se incomoda em me ver jornalista. Mesmo porque no Brasil o crime organizado não tem este senso de corporativismo que vemos nos filmes americanos.
 A verdade é que meu pai está se lixando para o que as pessoas fazem ou não. Ele se preocupa com os negócios dele e só. Aliás, como todo brasileiro hoje em dia, é um individualista.   
 Não temos uma boa relação. Acho que ele ainda não aceitou que o filho é gay. Já minha mãe e eu nos damos muito bem.
 Luana ralou muito na vida. Nunca teve retaguarda familiar. Desde a faculdade ela trabalhou. Aprendemos tudo na rua, eu e ela. E embora ela não tenha sido uma jogadora de pólo aquático como eu, tenho certeza de que ela nunca teria se afogado.
 Luana foi para a praia do Cacau, fazer uma matéria sobre especulação imobiliária. Eu deveria ter ido junto. Mas uma coisa me segurou em São Paulo.
  Uma coisa que atende pelo nome de Fernando. E que eu sou apaixonado há mais de seis anos. Seis anos? Não, mais. Já vão fazer oito.
 Meu último telefonema com Luana, ela me disse que estava avançada na investigação, porém tinha achado outra coisa com a qual investigar e escrever. Disse-me que o novo texto se chamava Dezesseis.
 Dezesseis? 16? O que poderia ser? Algo que ela teria descoberto.  Sobre inúmeras denuncias de fiscalização da prefeitura? As obras estavam sendo feitas com irregularidades.
 Na verdade sempre foram, mas agora a coisa tinha se acelerado de tal forma que se não fossem reveladas para a sociedade o litoral norte de São Paulo corria sérios riscos de desaparecer.
 Sumir num conceito elitista. O “paraíso” de veraneio. Por isso quando pensamos na matéria, queríamos abordar de outra forma também.Um outro lado. Mostrar não só a parte criminal, mas também polemizar em relação as ideologias estéticas e ecológicas. Estas que sempre foram pré definidas há décadas assim como os infindáveis puxadinhos.
 Sim o Brasil é o país dos puxadinhos. E das praias também. E no Cacau haviam as duas coisas juntas. O mais estranho é que não se mata assim tão rápido alguém que investiga o meio imobiliário. O que Luana teria achado ou esbarrado?  
 Eu no meu egoísmo estava tão entusiasmado em contar as minhas eternas desventuras amorosas com o Fernando que nem a ouvi direito quando ela tentou me explicar. Este telefonema foi no dia anterior dela ser encontrada morta. Ela vestia um biquíni.
 Uma senhora disse que caminhava pouco antes do almoço pela praia e teria avistado uma moça estendida na areia tomando sol. A senhora achou que Luana estava numa posição estranha e ao chegar mais perto notou que minha amiga havia se afogado. Chamou a polícia dali mesmo pelo celular.
 A praia estava deserta, embora com o céu completamente azul, mas é inverno. E soprava um vento gelado neste dia.
 No litoral todas as mortes são vinculadas a drogas. A pessoa que morre sempre é usuária ou traficante. O delegado constatou um acidente. Mais um afogamento no mexido mar de inverno.
 “Uma turista deveria evitar nadar na água fria e num lugar deserto. Uma fatalidade para a família. Uma moça tão jovem e bonita”.
 É o que ele teria declarado. Eu avisei meu editor que eu precisava pensar na vida. Que eu estava abalado com a morte de Luana e pedi umas férias. Ele entendeu na hora. O que ele não sabe é que eu segui para a praia do Cacau.
 Luana é minha melhor amiga. Droga! Era a minha melhor amiga. Embora eu não tenha nada de afetado. Não se pode dizer que eu seja um gay convencional eu tenho algumas características ou estereotipo. Meu melhor amigo era uma garota.
 Por isso eu sei tudo da vida de Luana. São mais de dez anos de convivência. Se existe alguém para descobrir o que teria acontecido com ela, este era Victor. Ou melhor dizendo, Victor Montale, eu.
 Ao me registrar na pousada, a mesma em que Luana ficou eu não me identifiquei como jornalista e nem tão pouco insinuei saber do “acidente” de três dias atrás.
 O corpo de Luana fora para São Paulo e pouco depois de uma rápida perícia, liberado para o enterro. Não quero dizer o quanto isto foi triste e nem a quantidade de pessoas que compareceram. Luana era simplesmente amada. Claro, absurdamente inteligente, charmosa e linda. Não estou brincando não. Ela nunca passou despercebida.
 Luana é até hoje a mulher mais elegante e sensual que já conheci. Se eu gostasse... Juro que a teria pedido em casamento. Mas como dizem: Meu time é outro.
 Depois de me identificar como um empresário e surfista de férias. Dando um nome e documentos falsos, segui para o quarto. Ainda tinha um final de tarde e eu queria me trocar para conhecer este mar que levou a minha amiga embora. Aliás, minha única amiga.