terça-feira, 29 de março de 2011

A Trupe. Capítulo 3


Rio.

 Duda nos confessou no vôo para o Rio, ainda no mesmo dia ou noite agora, que estava muito feliz com o convite para ele voltar a dirigir.
 “Eu amo ser diretor”. Ele disse para uma comissária de bordo.
 Diferente do que eu imagino que Bia deva causar num vôo, ou num aeroporto quando surge uma atriz global, Mari passa totalmente despercebida. Eu fico pensando mal eles sabem essas pessoas, que estão ao lado de uma das maiores atrizes do Brasil.
 Pousamos às 22 horas. Seguimos de táxi para o nosso hotel em Copacabana, o mesmo hotel que a Trupe ficava quando trazia os espetáculos para o Rio. Tive noites de amor fantásticas com Bia. Sim eu namorei a Bia durante dois anos até ela me trocar por um outro. Rodolfo.
 Fred ou Frederica, como nós o chamamos, sempre foi o melhor amigo ou amiga de Bia. Duda queria montar uma comédia, alias, Duda só monta comédias. Conhecemos-nos no Célia Helena, uma escola de teatro.
 Eu trouxe Napoleão, baixinho e gordinho eu sempre acreditei nele, até demais. Um dia Napoleão vai ter a sua chance. Ele já namorava Fred e tanto eu como Duda já pagávamos um pau para a famosa Beatriz. Na época famosa na Praça Roosevelt e hoje nacionalmente conhecida. Alias, nunca mais foi vista na Roosevelt.
 Mari foi um achado. Foi a Bia que levou ela um dia num ensaio do grupo:
 “Duda testa essa menina que eu trouxe! Ela parece ser ótima.” Pediu a Bia.
E era. A melhor. Um dia apareceu também o Rodolfo. No começo foi bom, ele era divertido, jovem e ótimo ator. Daquele tipo hétero, artista sensível, meio bicho grilo. Não é lá muito culto. Talvez por isso ideal para a televisão. Ele, junto com a Bia, deram muito certo em cena.
 Depois de um tempo a Bia terminou comigo. Eu não podia imaginar que fosse por causa do Rodolfo. Até hoje eu não entendo. Mas ele muito mais do que eu, não tinha nada de tímido e se misturava com grandes atores e diretores e levava Bia junto em bares. Conheceram jornalistas, produtores de TV...
 Já eu e Duda só pensávamos no grupo, na Trupe do Sol e não nos empenhávamos em nos tornar conhecidos. Hoje eu vejo que foi um grande erro.
 Mari era vista em cena e sempre choviam convites. Acho que foi Rodolfo que levou a Bia de verdade para a TV. No fundo eu acho que ela sempre gostou de teatro. Mas vai ver é tudo a mesma coisa, eu não sei. Eu nunca fiz TV. Frederica fazia os figurinos. Eu escrevia e também atuava. A luz, o cenário, a direção, tudo o Duda. Mari além de atriz produzia junto com Napoleão. E assim foram os três anos mais felizes da minha vida. Mesmo depois da Bia terminar comigo, eu tinha a minha melhor amiga: A Mari. Passamos a ser grudados. Cantávamos meninas, as mesmas, íamos às baladas e bebíamos demais. E principalmente, Mari nunca dizia não a uma estréia ou peça. Éramos a dupla. Mas Mari pertence ao mundo. Muitos diretores e diretoras se apaixonaram pelo seu talento. E ela se foi.
 “Vou deixar vocês jantarem sozinhos. Tem muito tempo que eu não pego uma praia, vou dar um mergulho.”
 Foi inútil dizermos ao Duda que estava de noite. E como ele precisava daquela liberdade, o deixamos ir. Prometeu que não se perderia e ele sabia muito bem voltar para o hotel.
 Jantamos em Ipanema, num lugar da moda e bem agradável. Eu e Mari. Resolvemos que só procuraríamos Bia e Rodolfo no dia seguinte. E voltamos para o hotel, para o meu antigo quarto com Beatriz.
 “Você não prefere dormir com o Duda e eu durmo sozinha?”
  Eu disse que não.
 “Quando foi que você descobriu a doença?”
 “Há uns meses. Eu tinha muita dor de cabeça, confusão, um cheiro de queimado... Enfim o médico suspeitou dos sintomas. É um tumor.”
 “E para quando é?”
 “Você pode acordar com uma morta do seu lado.”
 “Não fale assim Mari.”
 “Você quem perguntou. Pode ser a qualquer momento.”
 “Sabia que se você gostasse de homem, eu te chamaria para sair?”
 “Eu gosto de homens Leo. Claro que desde que eles sejam sensíveis, cultos e sem pêlos.” Ela riu.
 Era muito bom dividir um quarto com Mari. Ela fora apaixonada por Bia, desde de sempre e me viu namorar Bia durante dois anos, nunca teve a menor chance com ela e nem por isso reclamava. Com Duda era diferente. Nem sei se ele realmente foi assim tão apaixonado, e tinha a sorte de ser a única pessoa no mundo que Bia tinha medo e muito respeito. Ela dizia sempre: “Sim diretor”. Pra tudo. Os diretores têm esse poder sobre as atrizes. Já os autores...
 “Mari eu tenho que te confessar você tem um corpo!”
 “Meu Deus! Apague a luz, que obsessão”.
 “Quem sabe não é a sua última noite...”
 “Leo, você às vezes é tão babaca, mas tão babaca... Como você pode brincar com algo assim? E depois se acreditasse realmente que era a minha última noite, eu preferiria muito mais aquela aeromoça que o Duda ficou paquerando do que você! Vamos combinar, né?”
 “É realmente a aeromoça... Mas é a Hostess do restaurante?”
 “Boa noite Leo.”
 Dormir ali em Copacabana ao lado da Mari e foi tão gostoso.
 “Mari obrigado.” Ela ainda de costas para mim na cama.
 “Leo durma. Porque amanhã nós vamos encontrar com ela. E quem sabe como vai ser?”
 “Boa noite Mari.” 

A Trupe. Capítulo 2


  A hegemonia do diretor.

Não foi difícil achar o enorme instituto Bairral em Itapira. Com vários pavilhões, me lembrava muito uma universidade com seus campos e árvores. Ou ainda uma fazenda. Deu-me vontade de passar férias ali. Mas eu e Mari tínhamos uma missão, achar Duda e levar ele embora dali.
 Os artistas de teatro quando estão trabalhando estão bem. É o teatro que dá disciplina e não a tira, como muitos pensam. E Duda por mais doido que seja era um diretor invisível. Isso quer dizer que embora ele tivesse surtos e delírios, ele não estragaria um texto meu.
 Seu estilo nunca foi o de atravessar um texto, ou seja, a obra é que prevalecia e não o diretor com suas viagens. E ele era um excelente diretor de atores, era o que eu precisava e queria.
 A família dele permitiu que o visitássemos.
 “Qual é o plano?” Perguntei para Mari.
 “O escritor criativo é você.”
 Não havia plano. Chegaríamos o colocaríamos no carro e iríamos embora. Sem o truque da loteria, sem fingirmos que éramos psiquiatras nem nada. Vimos Duda na piscina, no pavilhão dos jovens excêntricos com propensão para o uso de entorpecentes.  
 Quando nos reconheceu abriu um sorriso e gritou:
 “Jesus e Nossa Senhora! Vieram me visitar!” Mal estacionamos e perguntamos para ele:
 “Quer ir embora?”
 “Quero.”
 Entrou no porta-malas. Passamos pela guarita, devolvemos os crachás, andamos alguns quilômetros. O tiramos do porta-malas e agora estamos aqui na estrada. Indo buscar Napoleão em um show de Stand-Up em Campinas.
 “Vocês já pensaram em algum teatro?” Quis saber Duda.
 Naquela frase eu senti que éramos de novo a Trupe. Lembrei de quando morávamos juntos e nos três anos em que o grupo existiu.
 O Show de Stand-up de Napoleão já havia começado. Nós três quase não conseguimos lugar na platéia. Eram constrangedoras as piadas de Napoleão não eram ruins eram péssimas. Eu sempre achei ele um grande comediante e definitivamente aquilo não era sua praia, mas não é o que ele achava.
 “Não posso sem mais nem menos voltar a fazer teatro, tenho inúmeros shows marcados pelo Brasil. Na minha agenda não cabe, pelo menos agora.”
 “Uma leitura pelo menos”. Tentei ainda como último recurso.
 “Não.” Ele respondeu, virou-se e começou a tirar a maquiagem no espelho do camarim. Sim Napoleão fazia Stand-up maquiado com uma leve base.
 “A Bia vai ficar tão chateada.” Arriscou Mari.
 “A Bia aceitou? Ela vai montar um espetáculo com vocês?”
 Quando Napoleão soube que Bia, uma celebridade televisiva tinha aceitado, mudou de idéia.
 “Uma leitura acho que não tem problema. O personagem é grande, né?”
 “É a sua cara. Você vai adorar.” Disse Duda.
 “E você Duda, por onde andava? Anos que não te vejo, nem sei dos seus trabalhos.”
 “Nova York, meu amigo. Montei o espetáculo “Instituto Bairral” por lá. Um sucesso.”
 “Sei. E quando vai ser esta leitura.”
“Não se preocupe, estou dando um último ajuste no texto. Mas provavelmente esta semana. Te ligamos.” Eu disse.
 “Mas com antecedência. Minha agenda é cheia. Conforme for eu mando um substituto fazer minhas participações em shows.”
 Despedimos-nos e seguimos para São Paulo. Bem agora éramos quatro.
 Mari na direção ainda disse:
 “Alguém ai pode entrar no decolar ponto.com? Acho que hoje é um bom dia para irmos jantar no Rio.”