quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Cada um na sua cama.

 Era uma festa de umas duzentas pessoas. Uma casa cinematográfica. Só os Vips haviam sido convidados. Ela sentiu alguma coisa estranha na mordida. Será que a capinha do dente tinha caído? Colocou o salgado numa mesa, passou a língua pelo dente e correu para o banheiro.
 Ele começou a sentir calor. Estava muito quente na festa. Tentou tirar o blazer. Não conseguiu. Ficou com a impressão de que a roupa estava presa e não saía.
 Ela se olhava no espelho e pensava: “Fodeu”. Na verdade era só uma parte pequena do dente, o finalzinho do dente da frente. Aquilo, o buraquinho, ficava até sensual. Mas para ela era o fim. Melhor ir para casa.
 Ele estava agora com mais calor e suando. Ficou preocupado com as manchas debaixo do braço. Foi para o terraço enquanto a esperava de volta do banheiro.  Aquele redondo de suor que chamam de pizza. Melhor ir para casa. Mesmo porque ele não tivera tempo de tomar banho. Mas ele tinha que se despedir dela. “Ah! Lá está ela”.
 Ela voltara do banheiro, séria. Muito séria. Ele falava sem gesticular os braços. O que o deixava com uma impressão de pessoa dura, sem ginga. Desajeitada. Ela dançava com cara de brava. E ele ficava parado para não mexer os braços.
 Ela permanecia com uma expressão antipática, de boca fechada. O que o deixou mais desconcertado ainda. “Será que ela viu as minhas pizzas debaixo do braço?”
 Ela queria rir e não podia. Sentia-se uma idiota com a cara de neutralidade que estava fazendo. Mas não queria arriscar dele ver seu dente faltando, ou melhor, um pedaço dele que estava lá minutos antes.
 Ele não mexia os braços. Não arriscava nem beber mais, para não ter de levantar o copo e mostrar o suor. “Mas também para quer vir com roupas tão justas?” Ele pensava. “Agora é tarde”.
 Na hora de se despedirem, ela deu um sorriso. “Será que ele viu o dente faltando?”
 Ele ficou tão contente de ter conseguido chegar em casa. Ninguém vira seu suor.
 Ela ria tanto de ter escapado sem revelar seu dente quebrado.
 Ele tomou um banho. Ela viu um pouco de televisão.

 E os dois dormiram felizes naquele sábado à noite. Cada um na sua casa. Cada um no sua cama. Um pensando no outro. Mas com a imagem de ambos, preservada. Que é o que mais vale nesta vida afinal de contas.