Era
uma festa de umas duzentas pessoas. Uma casa cinematográfica. Só os Vips haviam
sido convidados. Ela sentiu alguma coisa estranha na mordida. Será que a
capinha do dente tinha caído? Colocou o salgado numa mesa, passou a língua pelo
dente e correu para o banheiro.
Ele
começou a sentir calor. Estava muito quente na festa. Tentou tirar o blazer.
Não conseguiu. Ficou com a impressão de que a roupa estava presa e não saía.
Ela se
olhava no espelho e pensava: “Fodeu”. Na verdade era só uma parte pequena do
dente, o finalzinho do dente da frente. Aquilo, o buraquinho, ficava até
sensual. Mas para ela era o fim. Melhor ir para casa.
Ele
estava agora com mais calor e suando. Ficou preocupado com as manchas debaixo
do braço. Foi para o terraço enquanto a esperava de volta do banheiro. Aquele redondo de suor que chamam de pizza.
Melhor ir para casa. Mesmo porque ele não tivera tempo de tomar banho. Mas ele
tinha que se despedir dela. “Ah! Lá está ela”.
Ela
voltara do banheiro, séria. Muito séria. Ele falava sem gesticular os braços. O
que o deixava com uma impressão de pessoa dura, sem ginga. Desajeitada. Ela
dançava com cara de brava. E ele ficava parado para não mexer os braços.
Ela permanecia
com uma expressão antipática, de boca fechada. O que o deixou mais desconcertado
ainda. “Será que ela viu as minhas pizzas debaixo do braço?”
Ela
queria rir e não podia. Sentia-se uma idiota com a cara de neutralidade que
estava fazendo. Mas não queria arriscar dele ver seu dente faltando, ou melhor,
um pedaço dele que estava lá minutos antes.
Ele
não mexia os braços. Não arriscava nem beber mais, para não ter de levantar o
copo e mostrar o suor. “Mas também para quer vir com roupas tão justas?” Ele
pensava. “Agora é tarde”.
Na
hora de se despedirem, ela deu um sorriso. “Será que ele viu o dente faltando?”
Ele
ficou tão contente de ter conseguido chegar em casa. Ninguém vira seu suor.
Ela
ria tanto de ter escapado sem revelar seu dente quebrado.
Ele
tomou um banho. Ela viu um pouco de televisão.
E os
dois dormiram felizes naquele sábado à noite. Cada um na sua casa. Cada um no
sua cama. Um pensando no outro. Mas com a imagem de ambos, preservada. Que é o
que mais vale nesta vida afinal de contas.