Crônica convidada. Texto de Livia Prestes.
Fui ao cinema assistir Fausto de Goethe. Além de contemplar a bela fotografia , fiquei imaginando aquela época, a vida no século XIX, na Alemanha. A passagem de um século para outro. Os personagens Mefistofilis e Fausto existindo de verdade naquele contexto. Quando lemos imaginamos, o cinema mostra e você vê a história viva na tela. Passeavam pela vila, iam a padaria, a venda, ao bar, no bosque. Viviam como as pessoas de hoje, claro, nas condições daquela época, e dos personagens que eram. Um era um diabo e o outro um médico doido! Dividiam a mesma vila alemã com os outros alemães “normais”. Embora se notasse bem que eram caras diferentões, esquisitos, como tantos que vemos por São Paulo.
Se eu não vir mais essas pessoas, darei falta delas. Tem vários outros, que em meio a 20 milhões se destacam, ou pela esquisitice ou pelo que for. Tem o vendedor de pão de mel, o amolador de facas. Como é difícil desligar de São Paulo! Sempre tem tanto a se fazer, a se ver por aqui ... Cada vez mais cresce e ao mesmo tempo fica pequeno esse nosso mundão.
Fui ao cinema assistir Fausto de Goethe. Além de contemplar a bela fotografia , fiquei imaginando aquela época, a vida no século XIX, na Alemanha. A passagem de um século para outro. Os personagens Mefistofilis e Fausto existindo de verdade naquele contexto. Quando lemos imaginamos, o cinema mostra e você vê a história viva na tela. Passeavam pela vila, iam a padaria, a venda, ao bar, no bosque. Viviam como as pessoas de hoje, claro, nas condições daquela época, e dos personagens que eram. Um era um diabo e o outro um médico doido! Dividiam a mesma vila alemã com os outros alemães “normais”. Embora se notasse bem que eram caras diferentões, esquisitos, como tantos que vemos por São Paulo.
Esta cidade em que vivo tem hoje quase 20 milhões de habitantes. Dentro desta mesma cidade tem incontáveis vilas, vilarejos, comunidades, favelas e até mesmo outras cidades dentro de uma Sampa só. Eu escrevo sobre a minha vila. A que eu vivo. Eu venho do Bonfa, mas circulo da zona oeste, a sul e centro. E dentro deste circuito, consigo as vezes me sentir vivendo em uma vila pequenina do século XIX. Encontro as mesmas pessoas nos teatros, bares, vernissages que freqüento. Nas avenidas, ruelas, parques, se tornam pequenas, onde todos se conhecem ou já se viram antes.
Consegui identificar uns tipos esquisitões na minha vila. Possíveis Faustos e Mefistófilis. Eles existem de verdade. Vou descrevê-los como vejo e como se comportam aos meus olhos! Espero que eles não fiquem bravos comigo... pois os encontro sempre.
Tem a louca histérica. Ela é catadora e mendiga, vive nas partes ricas da cidade, mais pelos jardins e a avenida Paulista. Ela lembra aquela velha dos gatos de Os Simpsons. As ruas das áreas comerciais estão cheias de gente ao meio do dia, é a hora do almoço, das doze ás duas ou três tarde. Todos indo aos restaurantes. Então ela começa a gritar. A urrar na verdade. Um urro ardido e contínuo. Ela escolhe uma vítima, grita e gesticula olhando diretamente nos olhos desta pessoa, fazendo todos ao redor (que não a conhecem) acharem que esta pessoa fez algo muito sério a ela. Como não dar uma esmola, pisar no pé dela ou algo assim. Nada disso, o coitado foi simplesmente o eleito. Ela nunca me elegeu, graças a Deus. Mas já a alguém muito próximo a mim. O susto que todos levam é muito grande. Mesmo depois de saber de sua existência, os urros são muito altos e indignados. E ela continua meio que tentando reclamar algo incompreensível e até hoje eu vejo gente tentando compreender o que exatamente ela está a urrar. Sempre tem curiosos que param de longe tentando entender o que ela está fazendo. Além de novos e velhas vítimas assustadas.
Ronaldo Brévis o poeta. Tem uma esquina na Oscar Freire que tem um prédio completamente abandonado. Tem um processo judicial nele, alguns mendigos tomaram o local o deixando deplorável, mal cheiroso e pixado. É uma esquina fantasma. Ali é a sede do poeta. Tem um ponto de ônibus na frente onde ele senta para escrever. Ele tem uma cartola de Tio Sam preta, ou uma de lantejoulas roxas e ainda um chapéu estilo capitão Gancho com uma pena verde. Barba branca, é negro, magro, não possue os dentes da frente e as vezes parece mendigo, pois não deve ter muitos acessos a banho. Está sempre bebendo alguma coisa, não sei se é álcool mesmo, mas ele fala como se estivesse sempre bêbado. É engraçado pois as vezes cheira mal e as vezes se entope de perfume! Ele põe cartazes nesta esquina, onde escreve poesias de canetinha colorida, caneta bic e grafite. São vários cartazes pequenos e grandes. O português do poeta é muito ruim, o que me impossibilita de dizer se as poesias são boas ou não. Já tentei ler algumas mas só os inteligentes podem entender, eu não consegui ainda. E mais, se você der atenção a ele, vai te pedir uma caneta, e um papel e vai te escrever uma poesia. E colocar os links dele no you-tube, no papel. Tenho a minha poesia em algum lugar aqui em casa. Lembro de tentar decifrar, ainda não o fiz. Escreva o poeta dos jardins no you-tube, ele é famoso!
Legionaire. Tenho medo deste cara. Inclusive de ele ler isso e me processar! Mas conto aqui a verdade, que vi deles na rua pública. São personagens da Vila São Paulo que freqüento, vivo e moro desde sempre! E este cara é outra celebridade. Todos os bares e restaurantes do Itaim, Vila Olímpia, Pinheiros e Vila Madalena o conhecem. E o temem. Pois a princípio ele é só um excêntrico. Depois de beber garrafas de tequila, vodka e whisky, óbviamente se transforma e dá trabalho. As primeiras são no copo, depois ele começa a circular com uma e depois com duas garrafas uma em cada mão. Ele começa a conversar, tem os olhos arregalados, parece um soldado alemão. Usa calças camufladas de exército, é careca e no início usa uma camisa, depois de muito éter circulando nas veias, ele exibe seu abdome e peito super sarado. Para todos diz a mesma conversa, exatamente igual. Ele diz que é francês de Lyon. Com alguns começa a falar em francês. Diz que é agente secreto, faz cara de “por favor não conte a ninguém”. Diz que serve as duas nações: Brasil e França. Aí ele mostra os documentos: passaporte, reservista, o documento de dupla cidadania. Depois bebe mais um pouco, sobe no balcão, se houver, se não encontra algum tabladinho e começa a dançar como um gogo boy. Por isso o medo dos donos de bares e restaurantes. Nenhum segurança consegue tirá-lo dali se ele quiser ficar. Ele vira a estrela do lugar. E dependendo da empolgação, termina de mostrar todos os seus documentos de cima de seu palanquinho.
O Alls Star vermelho. Conhecido como Alls Star mesmo. Me esqueci do nome real do rapaz, jovem alto e bonito. Usava uma jardineira jeans e uma camiseta colorida em baixo. Ele chega e mostra que comprou um alls star. Há anos. É a primeira coisa que diz. E o alls star realmente está sempre novo. Depois, independente de qual seja o assunto ele tem um conjunto de frases que servem para tudo! É impressionante. Suas respostas são perfeitas para quaisquer perguntas. Ele tem também um conjunto de expressões faciais igualmente universais. É como se ele tivesse decorado um texto coringa para tudo que conversávamos. Falava olhando para o céu. Eu tentava fazer perguntas difíceis, elaborava algo que ele tivesse que dar uma resposta diferente. Nunca consegui. Ele estudava num colégio do Bonfa, o mesmo que eu estudei. E as conversas eram na porta, na hora da saída ou na entrada. Ele sumiu. Dizem que morreu. Mas acredito que foi abduzido por um grupo de ETs.
Fofão. Antigamente o Fofão (não se sabe se ele sabe que o chamam assim) simplesmente ficava sentado nos bancos das praças do centro da cidade. Ele tinha as bochechas vermelhas inchadas bem abaixo dos olhos, como aquele palhaço dos anos oitenta que aparecia na televisão, o Fofão. Olhos delineados de lápis preto e um quilo de blush. Não fazia mal a ninguém só ficava sentado mesmo, mas todos que o olhavam saíam correndo de medo da figura. Criança chora de medo só de olhar. Dizem mil coisas: que é gay, que foi casado, que é perigoso, que era rico e ficou pobre, que aquela bochecha foi cirurgia mal sucedida . Os anos se passaram e Fofão mostrou-se inofensivo porém, mau humorado. Arrumou um emprego de entregador de panfletos no semáforo. As bochechas, que seria aplicação de silicone, que parece que também tem no quadril, desceram no rosto, o tornando mais horrendo que antes. Ele também cortou os cabelos que eram compridos. Imagine o susto que leva o motorista no farol quando ele aparece na janela para panfletar. Se a pessoa não aceita o panfleto ele fica bravo e começa a perguntar por quê? E entra na frente do carro para assustar ainda mais com sua aparência! Eu sempre aceitei seus panfletos. E tento não mostrar que tomei susto com seu look novo.
Por último , tem o dono da Ferrari vermelha. Ma que bella máquina! Ele tem também um corvette amarelo sensacional. É muito simples: ele fica na av. Paulista em dias de muito sol. Feriado ou domingo. Estaciona na calçada de modo que o carro fique exposto como se estivesse no salão do automóvel. Ele joga o peso dom corpo para um lado, está com jaqueta da marca de carro e fica rodando a chave no dedo indicador. Os amantes de carro pedem pra tirar foto, ele deixa e adora. Alguns tiram foto com ele. É uma celebridade desconhecida. Talvez os policiais façam vista grossa por ele estar estacionado na calçada, afinal é quase uma atração turística. Fica pertinho do Masp.
Se eu não vir mais essas pessoas, darei falta delas. Tem vários outros, que em meio a 20 milhões se destacam, ou pela esquisitice ou pelo que for. Tem o vendedor de pão de mel, o amolador de facas. Como é difícil desligar de São Paulo! Sempre tem tanto a se fazer, a se ver por aqui ... Cada vez mais cresce e ao mesmo tempo fica pequeno esse nosso mundão.