quarta-feira, 27 de abril de 2011

Primeira namorada


Ontem eu fui visitar um grande amigo de vinte anos que acabou de ter uma filha que se chama Paulinha. Cheguei bem na hora do jantar. Ele estava com a mulher, à sogra e a Paulinha num berço.
 Perguntaram-me o que eu achava da menina. Se ela não tinha o nariz e os olhos do meu amigo e bochecha da mãe?
  Fiquei lá imaginando se não se trocam as crianças em maternidades como fazem às vezes em chapelarias.
 Sentamos para jantar e depois toca o meu celular. 
 Era ela. Mais de dez anos depois. Fico sempre feliz em ouvir a voz dela. Há algum tempo não nos falávamos. Não acho que um relacionamento de amor acabe por completo. E antes que isso fique filosófico demais vamos ao ponto.
 Qual é o ponto mesmo? Eu não sei o que me faz nostálgico. 
 Seria talvez aquele menino que ela dizia ter se apaixonado, por não trocar a mesma calça nunca? Por não cortar as unhas e não tomar banho? Por ser um desocupado que acreditava que seria um grande ator de teatro? Ou seria por aquela menina apaixonada por mim e por arte? Qual dos dois eu sinto falta?
 Acho que dei sorte. Até hoje quando vejo uma linda menina de 20 anos, eu penso: Nossa! A minha primeira namorada era ainda mais linda e mais estilosa. Era não. É.
 Meu amigo está com a mulher dele há dezesseis anos. Tem a minha idade e se eu estivesse com a minha primeira namorada estaríamos provavelmente com isso também.
 Eu tive muitas outras namoradas e ele sempre à mesma. Temos a exatamente mesma idade eu e ele.
 Será que se eu tivesse passado no teste do CPT do Antunes a minha vida seria outra? Para o leitor que não sabe, tanto hoje como há dez anos, trabalhar com o diretor Antunes Filho, era um sonho e uma ambição para os jovens atores.
 Onde eu estaria se eu tivesse passado no teste? De uma coisa eu sei com certeza. Eu não teria este blog e nem seria dramaturgo. Seria sim um ator realizado.
 Mas ela não me abandonou. Ela diz que fui eu que a abandonei muito antes. Mulheres...
 E se nós nos conhecemos hoje? Eu e ela. Será que iríamos nos apaixonar? Minha opinião é que sim. E se o Antunes montasse um texto meu hoje?  Daria certo? Seria igual à emoção de ter passado no CPT?  
 Agora em qual circunstancias eu poderia conhecê-la? Como?
 Será que se eu lesse Dom Quixote hoje, eu gostaria do livro? Será que se eu assistisse Antunes Filho hoje eu gostaria? Será que já gostei de Antunes?
 Nesta época há mais de dez anos eu tinha esta primeira namorada. Mas tinha também uma melhor amiga. Uma atriz. Ficávamos para cima e para baixo. E para todos os lados. Quando eu não estava com a namorada eu estava com a melhor amiga.
 Ela, a amiga, me levava assistir ao grupo TAPA. E deste eu sempre gostei, hoje e ontem.
 Um dia eu e amiga brigamos. Éramos da mesma classe na escola de Teatro. Como não existe ex-amiga, concluo que estamos brigados até hoje. Um dia nós ficaremos de bem.
 Agora o que é uma primeira namorada? No fundo uma professora, uma amiga, um obstáculo. Eu tive sorte.
 Mas meu amigo eu acredito, mais sorte ainda. Casou com a primeira namorada.
 “Eu não vou mais namorar você.”
 Estávamos na cama dela. Eu ri. Nunca até hoje uma mulher foi tão apaixonada. Tão visceral. Tão ciumenta. Tão sensível. Tão violenta. Tão generosa. E tão corajosa.
 Sim ela já tinha outro. Sofri. Agradeci. Não tenho nenhum ressentimento. Tenho saudades daqueles tempos. Mas tenho a alegria de ter deixado passar tudo isso.
 Só não sabia que três outras primeiras namoradas viriam depois da primeira.
 Confuso leitor? Digo, está confuso isto, leitor? Não é não. É um eterno retorno. Mudam-se os olhos, o nariz, a boca, a voz, mas ela está lá. Sempre a primeira.
 E nos damos conta de que não aprendemos nada. Não apanhamos o suficiente. E achamos que nunca amamos tão intensamente.
 E um dia sem querer não sei de onde você chamará uma pelo nome da outra.
 E vai ter frio na barriga. E vai fazer as mesmas perguntas. E ouvirá as mesmas reclamações e discutirá a relação como se fosse a sua primeira relação.
 E um dia desses sairá com a sua primeira namorada, que para mim é ainda uma menininha e ouvirá dela:
 “Leo você não mudou nada.”
 “E isso é bom ou ruim?” Pergunto.
 E ela: “Nada. Não mudou nada. Absolutamente nada." 

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Despedida de solteira.


Eu estava numa mesa de bar na Vila Madalena ela chegou e sentou.
 “Lembra de mim?” Ela perguntou sorrindo.
 Claro que eu me lembrava, uns cinco meses antes eu tinha emprestado dinheiro para ela pagar uma conta numa balada. Ela e uma amiga, a mesma que logo veio nos acompanhar.
 Agora éramos quatro na mesa. Eu, ela, sua amiga e Flávio.
 “Posso te pagar uma cerveja?”
 “Uma cachaça. Pode sim, claro.”
 "Então você se lembra ou não?" 
 Aquela boyzinha achava que eu ia esquecer a cara de pau dela. Detesto povo que passa o dia sério em algum escritório, faculdade, estágio e a noite vai para um bar bancar o transgressor. Dar o golpe na balada? Sair sem pagar, roubar um copo, nossa como eu estou chato e acho que é pessoal com essa menina.
 “Lembro. Você se chama Paula, estudou na GV, trabalha num banco, e tem propensão para alcoolismo.”
 “E você continua escrevendo teatro?” 
 “Eu não gosto de você, sabia?”
 Quando eu digo isto para uma menina muito bonita, pode ter certeza que eu estou mentindo. E era este o caso, eu estava louco de desejo por ela. Eu não gostava do que ela era, mas dela, eu adorava. Aquela pele morena, cabelos compridos, e uma boca carnuda.
 “Então eu vou embora.” Foi se levantando.
 “Espera você ia me pagar uma bebida.”
 “Como é o seu nome mesmo?”
 “Leo.”
 “Pois é Leo, eu te acho um cara legal, mas você faz questão de ser grosso. Será que não dá pra gente conversar numa boa?”
 “Que assunto que eu posso ter com você?”
 Desta vez foi à amiga dela quem disse.
 “A Paula tem um blog sabia?”
 “E quem não tem? Ter blog é que nem ter e-mail.”
 Paula fechou a cara, deixou cinqüenta reais na mesa e se mandou, a amiga foi logo atrás.
 “Você sabe quem é esta menina?” Me perguntou Flávio.
 “Uma bêbada que se chama Paula.”
 “Acontece que esta bêbada não só é uma das maiores fortunas do Brasil, como também vai se casar com um dos maiores playboys de São Paulo.”
 “E como você sabe tudo isso?”
 “Eu leio coluna social. Além do que eu já a vi de biquíni em Maresias, e acredite-me ela tem um corpo que nem dá para descrever de tão gostosa!”
 “Dá sim Flávio, dá sim. Mas quanta vulgaridade, ela nunca nem respondeu meus telefonemas.”
 “Você tem o número dela?”
 “Nem sei se tenho mais.”
 “Tente de novo. Ligue e peça desculpas.”
 “Por que ela é rica?”
 “O fato de ela ser rica, significa meu amigo que você tem chance. Porque se ela fosse dura, ela nunca com este corpão iria dar para um autor de teatro. Aliás, nem viria neste boteco na Vila.”
 “Nunca mais quero ver na vida!”
 “Sei...” Flávio vai até o banheiro. Acha uns amigos e vai fumar. Minutos se passam, começo a conversar com um garçom. 
 De repente Paula volta. Senta-se e pega na minha mão.
 “Eu fui levar a Renata até o carro dela. Não quero que ela saiba o que eu vou fazer hoje.”
 “Nem ela e nem eu.”
 “Vamos até ali fora.”
 Em pouco mais de cinco minutos eu estava beijando Paula. Fomos para minha casa e transamos a noite toda. De manhã ela me disse que se casaria dali a dois dias. Mas que agora estava na dúvida.
 Disse que seu namorado andava com dois seguranças. Que não tinha o mínimo de sensibilidade. Que ela gostava de arte e queria escrever um livro, quem sabe um romance. E não esta vida fútil e sem sentido. 
 “Você pode ir para Maresias comigo?”
 Claro que eu podia, se bem que vê-la de biquíni agora depois de tê-la visto nua, não seria nenhuma surpresa.  
 Fomos para a praia. Rolamos na areia, entramos no mar e na piscina da casa dela.
 “Paula você não vai desistir do seu casamento por mim, vai?”
 “Não Leo, não é por você é por mim. Eu quero amar. Trabalhar com arte. Eu não tenho tempo de trabalhar nos negócios da família e ao mesmo tempo me dedicar a escrever. Eu conheci o Marino eu era muito criança, não sabia de nada. Não sabia o que eu queria. E ao contrário de você ele é um puta gato, sarado, feliz, carinhoso e meigo, mas ele não gosta das coisas que você gosta.”
 Eu só queria entender o que estava acontecendo. Por acaso aquilo ali era despedida de solteira? Paula tinha desligado o celular. E eu comecei a ficar com medo de que aparecesse ali o tal Marino, namorado com seus dois seguranças. A noite chegou e eu a convenci de irmos para Juquehy, uma praia próxima, na minha casa.
 Fomos. No dia seguinte quando eu acordei, ela não estava mais lá, nem ela nem o carro. Eu descobri que não tinha o mais o celular dela. E que também não pedira. 
 Fiquei meses sem saber notícias. Um dia meu telefone toca.
 “Oi, você não quer ir beber hoje na Vila?”
 Era Paula. Aceitei o convite, mesmo bar à noite. Quando eu cheguei, ela já estava lá, sozinha numa mesa. Linda como sempre e uns cinco caras em volta, loucos por ela.
 “E aí maluquinha. Vai me contar o que houve aquele dia e como está a sua vida?”
 “Desculpe Leo, eu precisei voltar da praia.”
 “Então você se casou?” 
 Ela deu uma pausa antes de responder.
 “Casei. Mas isso não quer dizer que eu não gosto de você e que a gente não vai poder ficar se vendo. Quando você quiser me ligar eu também vou atender.”
 “Mas e o seu marido?”
 “Olha Leo, querido, o negócio é esse... Vamos até ali fora um pouco?”
 Sei que você leitor vai dizer que eu sou um idiota, e que ela não me ama. Mas por outro lado, talvez seja por isso que de certo. Ela me faz companhia no bar, depois na cama. Nunca vai me cobrar casamento. Não acha ruim o que eu faço ou deixo de fazer. Nunca mais depois daquela primeira vez me pediu dinheiro. Quer coisa melhor?
Acontece que ontem à noite ela me disse algo no ouvido, eu fingi que não ouvi que eu estava dormindo, mas ouvi:
 “Leo, se você tivesse me pedido, eu não casava. Juro que não casava. Mas você nunca me diz nada. Nunca diz que me ama.”
 Eu fiquei por alguns minutos quieto na cama. Repassando toda aquela história. Desde a primeira vez que ela fingiu que não tinha dinheiro. De como ela sempre quis que eu a salvasse e eu que sempre achei que era um fraco perto daquela mulher tão forte. Então abri os olhos e disse:
 “Paula eu te amo.”
 Mas ela já dormia.  
 
     


terça-feira, 12 de abril de 2011

A Trupe. Capítulo final.


  
 Às vezes eu comparo um grupo de teatro a uma banda de música pop. Temos nossas brigas, nossos rituais, nosso estilo. Só não temos o mesmo número de fãs. Já tentei fazer drama. Mas o que move minha pele e alma é a comédia.
 Sempre foi e sempre me esqueço.
 Depois de tomar nossa bebida secreta subimos no palco.
 “Vamos passar vários corridos até não podermos mais.” Duda nos orientou.
 Nas primeiras três passagens eu ainda estava mecânico, cérebro, razão. Já na quarta vi os primeiros franceses na platéia, minutos depois a casa estava cheia. Delírio absoluto. Nesta alucinação lembrei do teatro Romano porque é dela que vem a minha estrutura. Plauto.
 Napoleão estava excelente, Mari, um furacão em cena e nós outros nos agüentávamos. Foram dez horas de ensaio e delírios. Trabalhamos com a exaustão. Quem disse que teatro é fácil?
 No dia seguinte, deixamos Tiradentes em direção a São Paulo. Éramos notícia, uma notinha no jornal contava sobre a minha briga com Rodolfo. Paramos em Carrancas e passamos o dia na cachoeira. Acho que é perda de tempo contar o quanto o corpo de Mari é lindo num biquíni. Sorte de quem fosse seu amante. Sua amante provavelmente.
 De volta a São Paulo. Vejo uma vizinha na Rua. Uma menina do clube que há anos eu conheço, mas que agora estava uma mulher de 23 anos como depois eu vim saber. Eu voltava da padaria e ela passava carregando um skate.   
 “E o teatro? Como anda?” Ela arriscou.
 Partimos para um café e depois para a minha casa. Foi tudo rápido. Eu estava mesmo precisando de outra mulher. E uma bem diferente tanto de Bia como de Mari.
  Diferente como? Veterinária, menina... E novidade na minha vida amorosa. Eu já tinha colocado os olhos nela há muito tempo, e agora ela estava na minha cama. Uma molequinha.
 “Vamos ao cinema?” E fomos.
 Ligia era o que chamamos hoje em dia de underground. Amava a baixa Augusta. Acabamos na Loka.
 Dia seguinte ressaca e ensaio no Teatro do Banco Brasiliense. O lugar era ainda maior do eu imaginava e com mais funcionário também. Eu tinha um camarim só para mim. Pessoas a minha disposição e 1.200 lugares na platéia e não 800.
 A semana passou voando, ensaios e entrevistas na televisão e rádios. O cenário da Ale realmente havia ficado esplendido.
 Quarenta e oito horas antes da estréia. Bia e eu mal nos falávamos. Resolvi atender Lídia a skatista e fui ao encontro dela de madrugada, depois do ensaio.
 Acho que eu estava neste dia apaixonado. Lá pelas cinco da madrugada Duda me liga.
 “O que foi?” Pergunto temeroso.
 “Nada.” Ele diz. Pela primeira vez estava tudo sob controle. A produção eficiente, os ensaios em dia e o espetáculo pronto.
 Nossa primeira estréia fora num teatro para cinqüenta pessoas. No dia colocamos 60, muitos no chão e fomos comemorar no bar Empanadas na Vila Madalena. Só nós, e mais um ou outro agregado, namorado ou namorada de alguém. Uma mesa com cerveja de garrafa grande, foi isso.
 Cheguei ao Teatro do Banco Brasiliense quatro horas antes. Quase todos já estavam lá. Mil e duzentos lugares! Que medo.
 O terceiro sinal foi dado e as cortinas se abriram. Fiquei aliviado quando vieram as primeiras risadas. Nós loucos não havíamos feito ensaio aberto. Duda acha que dá na mesma chamar de estréia ou ensaio aberto.
 Todos estavam no seu melhor desempenho da carreira. E ao final eu vi o teatro todo nos aplaudir.
 Éramos a Trupe do Sol. Um grupo de comédia, de teatro. Ao final Bia pediu silencio e falou.
 “Hoje eu quero agradecer a seis pessoas muito especiais para mim.”
 No que nos olhamos, demos pela falta de Mari.
 Dario veio dos bastidores e pedindo para os seguranças abrirem caminho. Ele e outros técnicos carregavam Mari pelo corredor do teatro.
 Neste dia não houve festa. Estava programada uma enorme festa. Cancelemos e seguimos para o hospital.
 Mariana morreu naquela madrugada. Agüentou o mais que pode, e escondido da gente, já havia treinado uma substituta. Não queria nos prejudicar.
 Fizemos o segundo dia de espetáculo com a nova atriz em seu lugar. Veio o enterro, a missa de sétimo dia e os três meses de temporadas.
 Eu continuei vendo Ligia, a garota de 23. Rodolfo e Bia ao final da temporada voltaram para o Rio.
 Duas semanas depois saiu o resultado do prêmio Shell de um ano antes. O ano de 2009. Mari havia ganhado o prêmio.
 Comecei a receber vários pedidos de textos meus com a condição de que Bia estivesse no elenco. Eu fui ao Rio ver o nascimento do meu filho, claro. Mas depois voltei para São Paulo.
 Um grupo de jovens atores me convidou para dirigi-los. Ao mesmo tempo em que Duda me dirigiu com Napoleão e outros numa comédia de Georges Feydeau.
 A vida foi passando. Eu sempre me lembrava do dia que Bia me pegara no Santos Dumont e estava tão linda. Por que eu não disse isso pra ela?
 A Ligia acabou me largando, também eu estava cada vez mais depressivo.
 Minha campainha toca. Abro a porta e é Ale a cenógrafa. Ela tinha uma carta para mim. Explicou-me que Mari lhe pedira que me entregasse:
 “Leo mentimos pra você.”
 “Como assim?”
 “Eu e Mari já namorávamos há dois anos. Rodolfo nunca teve nada com meu irmão, simplesmente porque eu não tenho irmão. Inclusive Rodolfo é Heterossexual.”
 “Do que é que você está falando?”
 “Ela até me pediu permissão pra transar com você para você perceber... Que não havia nada a ser feito. Ela fora apaixonada por Beatriz sim. Disse-me que no início tinha grandes ambições e só aceitou entrar no grupo porque fora chamada por Beatriz. Depois mais velha ela percebeu que você talvez tivesse sido o mais talentoso do grupo e não ela. Enfim... Mari queria fazer um texto seu sim, mas também queria que você e Bia se entendessem. Ela falava às vezes com Rodolfo e Frederica, logo sabia que Bia e Rodolfo não estavam mais juntos. Todos nós fizemos um pacto para tentar unir vocês de novo. Seu filho é um esforço quase que de toda a Trupe. O tonto do Matheus quase colocou tudo a perder. Esta carta aqui prova isso. Ela disse que se vocês continuassem juntos eu não deveria dar-lhe a carta. Mas como vocês não estão. Tome”.
 A carta de Mari dizia:
 “Leo, a fé da Trupe é o seu amor por Bia.”
 Depois páginas e páginas relembrando nossa trajetória e tentando me convencer do meu amor por Bia.
 Abracei Ale, chorei dois dias e a vida voltou ao normal. Recebera um outro convite para voltar a fazer palhaço, na verdade um show de Clown.
 Um dia ligo para um amigo ator: “Vamos beber uma cerveja?”
 “Leo, eu estou indo numa festa, quer ir?”
 Fomos. Era na casa de uma conhecida dramaturga e seu marido diretor. Umas duzentas pessoas. No alto da Lapa. No jardim rindo alto e de vestido verde vi uma figura linda, com pessoas em volta. Quando ela virou o rosto eu reconheci a mãe do meu filho.
 Ela veio falar comigo:
 “Você engordou.”
 “Você está linda.”
 “Onde está a menina veterinária?”
 “Você sabia dela?”
 Bia deu de ombros. “Claro que sabia.”
 “Não estamos nos vendo mais. E você? Como está o Francisco?”
 “Parou de mamar finalmente. Não se preocupe ele está com uma babá e a minha mãe.”
 “E ele está bem? Digo... Eu morro de saudades. Posso velo amanhã”.
 “Leo agora você vai poder velo quando quiser. Eu mudei para São Paulo!”
 “E nem me falou?"
 " Estou dizendo agora.”
 Continuamos ali, bebendo cerveja, falando de teatro. De cinema, de comida e até política. Entre as árvores.
 “Leo, se eu nunca te disse isso, lá vai... Você é o melhor amigo que eu tive.”
 “Tive ou tem?”
 “Fazemos assim, amanhã vá à casa da minha mãe nos ver. Almoçar, combinado?”
 “Combinado.”
 Já ia indo embora e ela me parou:
 “Aquela nossa cenógrafa a Ale...”
 Eu sorri. “Que é que tem?”
 “Ela também te deu alguma carta por estes dias?”
 Ao invés de responder, eu me aproximei de Bia, olhei nos olhos dela. Nossa como ela é linda! E nos beijamos.
 Fecham-se as cortinas. 

sábado, 9 de abril de 2011

A Trupe. Capítulo 10


As Minas Gerais

Na estrada vendo as árvores e todo aquele verde comecei pensar sobre a peça, não só a montagem, mas meu texto também. Qual foi a primeira vez em que eu ouvi falar em São Francisco de Assis?
 Não leitor, não se trata de um texto religioso ou mala, eu parti de São Francisco para falar de amor, amizade e principalmente política. Francisco de Assis tinha um jeito especial de fazer política. Era um subversivo pacifista, vegetariano, incentivador da sexualidade, do respeito à ecologia... Enfim ninguém é tão atual. Poderia ser Tiradentes, mas era Francisco de Assis. Será que teríamos tempo de visitar as cachoeiras de Carrancas? Cidade próxima a Tiradentes e um parque, reserva florestal com dezenas de cachoeiras.
 Na estrada Duda começou a ficar insuportável proibiu todos de fumar, o que eu achei ótimo. Acontece que ele também proibiu carboidratos, bebidas e qualquer outra droga até a estréia. A não ser o "chá" que tomaríamos em Tiradentes. O que me deixou puto, porque estávamos em Minas e eu queria comer e beber todas aquelas coisas que sobem o colesterol, mas que por outro lado me fazem tão feliz.
 Bem da verdade, ninguém estava mais aturando ninguém. Natural, já tínhamos matado as saudades e convivência em excesso é difícil. Uma hora as desavenças começam.
 E Duda é louco, não esqueçamos disso. Ele começou colocar uma disciplina tal, que até os soldados do Bope se submetidos a ela, iriam pedir para sair.   
 Na recepção do hotel, Bia foi imprevisível. Puxou Mari e disse que as meninas ficariam no mesmo quarto. Às vezes eu sou mesmo um cretino:
 “Quem tem mais de trinta anos não é menina, vamos combinar?”
 “Agora ele está assim Mari. Anteontem fomos a um vernissage e ele ao invés de me elogiar... O meu vestido verde e tal... Disse-me que verde só cai bem na natureza”.
 “Você falou isso para ela Leo? Seu babaca.”
 As duas me olharam como se eu não fosse também um ser sensível às palavras delas. Porque elas podem dizer o que querem e eu não? Também custava  ter sido menos orgulhoso e dizer para a Bia que ela era linda? Mas também para que? O Brasil inteiro já dizia isso para ela.
 A piscina do hotel boutique era sensacional e foi para lá que eu fui. Eu não ia ficar no quarto com o Rodolfo. Conversar o que com ele? Era um dia off, também horas na estrada.
 Foi só o sol se por, que eu e Napoleão fomos beber cachaça. Fugidos claro. Depois já bêbados encontramos todos num excelente restaurante estrelado da cidade turística. Não sei o que eu falei, também não era o único inconveniente da noite. Mas a porrada do Rodolfo me pegou em cheio. Tudo ficou preto e eu fui direto para o chão.
 “Você não vai falar assim com a Bia na minha frente! Ela foi minha mulher durante oito anos seu cretino!”
 Leo quando você vai achar o meio termo, ou você é o cara mais doce do mundo ou você é o cara mais amargo da terra. Acabei no quarto do Napoleão. Frederica mudou-se para o quarto de Rodolfo. E todo mundo se xingou e acabaram todos bebendo e Matheus gravando tudo no vídeo.
 De manhã no café, eu estava sozinho na mesa e Mari chegou. Ficamos quietos por algum tempo, ela riu.
 “Caiu ontem igual dragão de papel, me mata de vergonha.”
 “Mari, o Rodolfo é bem grande já reparou?” Continuamos comendo os pães de queijo sempre, olhando para ver se o Duda não aparecia. No fundo tínhamos medo é do Duda.
 “Sei...” Depois de um silencio, ela falou ainda:
 “Ela me disse que você gosta de mim. Você falou que me ama para a Bia?”
 “Eu não amo nem ela e nem você.” E concluí por último. “E nem mulher nenhuma.”
 “Nem aquela cantora que te largou por um músico?”
 “A cantora não me largou, quer dizer ela foi morar com o músico dela. Acontece que eu achei ótimo. E você Mariana há quanto tempo está abandonada sabe-se lá por quem?”
 “Talvez eu tenha um amante secreto. Alguém conhecido, uma pessoa pública que não possa se assumir.”  
 “Pessoa pública, tipo uma cenógrafa carioca?”  
 “A Ale é arquiteta. Rolou uma noite e só.”
 Nós dois rimos.
 “Vai dizer que você não comia Leo?”
 “Mari eu já transei com tanta gente nesta vida...”
 “Comigo eu não lembro. Transamos?”
 “Tudo tem uma primeira vez. Mas eu não transo com meus amigos.”
 “E com as amigas?”
 Aquilo estava ficando tão aborrecido. O problema não era a falta de vontade nem de transar com Mari e nem com Bia. O problema é que eu não sabia qual de verdade eu queria. Eu queria as duas, e percebia que elas queriam que eu desejasse só uma. E quanto mais eu demorasse, mais elas iam deixando de gostar de mim.
 Definitivamente elas não me entendiam. E eu para me salvar me agarrava numa máscara machista, cruel e monótona.
 Antes de eu me desentender de vez com Mari e isso seria a sim a primeira vez, nós nunca tínhamos brigado, Duda apareceu e começou a nos xingar e dizer que deveríamos comer frutas e queijo branco. Um hóspede um homem de uns cinqüenta anos e jeitão de turista americano, ainda brincou e disse que ali não era SPA e nem eu, nem Mari éramos gordos. Duda disse:
 “Eles não, mas o senhor é e bem gordo”. Depois ainda jogou suco no hóspede.
 “Nos meus atores mando eu!”
  Realmente estávamos todos a flor da pele. Seguimos para "cerimônia".
 Em frente à fonte e logo mais adiante o Teatro barroco. Nós nos olhávamos. Dez anos depois e estávamos de volta. Faríamos um ensaio para uma platéia de franceses do século dezoito que só nós poderíamos enxergar.
 Rodolfo veio me abraçar e pedir perdão. Com aquele gesto todos suspiraram e demos as mãos. Foi bonito da parte dele. Uniu a Trupe. 
 O administrador do teatro veio e disse que estava tudo a nossa disposição.
 “O teatro está pronto.”
 Frase que eu não entendi, porque naquele instante eu só entendia francês.
 Mágica? Veremos.   
   

A Trupe. Capítulo 9


 Papagaio de pirata.

 Bia ficou de me pegar no aeroporto. Mas quando cheguei ao Santos Dumont, nada dela. Meu celular toca.
 “Você não me reconhece mais?”
 Olhei para frente e vi a uns dez metros uma mulher incrivelmente linda. Cabelos, pele, peitos, num vestido verde e por um segundo pensei: “Conheço essa atriz”.
  Era ela Bia. “Temos um vernissage para ir.”
 E fomos eu e ela. Chegando à galeria, várias pessoas vinham fotografar e falar com ela. Eu tentava participar, mas parecia que o que eu falava não tinha importância. As pessoas se concentravam nela.
 Uma luz se ascendeu forte e uma repórter de TV veio entrevistá-la. Eu tentei sair de perto, mas ouvi a repórter dizer: “Pode ficar aqui junto.”
 Saindo da galeria, ela disse que tínhamos ainda um outro evento para ir. Era a comemoração de um espetáculo de globais num restaurante. O espetáculo estava novamente estreando no Rio.
 Eu não sabia a que horas eu deveria sair do lado dela, ou se deveria ficar com ela para as fotos. Até que uma hora depois.
 “Leo, nós precisamos conversar.”
 Sim eu concordei. Vamos ter um filho. Será que vamos casar? Eram várias dúvidas e soluções que precisávamos tomar, juntos.
 Neste dia percebi que existiam três mundos na minha vida, e foi o que eu disse a Bia.
 “Um mundo da criação, aonde tudo flutua. Eu escrevo, eu atuo. Durmo feliz, tudo fica mais bonito, o mar, as árvores, a cidade. Mas tem o mundo das contas, do dinheiro, tudo fica um horror, os dias são iguais, tudo é barulhento e insuportável. E hoje descubro este terceiro, que é o seu. Todos são prestativos, tudo é fácil, comemos de graça, em lugares bonitos, o seu carro é confortável, seu cabelo macio, e é como se eu fosse à esposa. Entende?”
 “E isso te incomoda? De eu ganhar dinheiro e você não? De eu ser bem tratada, idolatrada, ser uma pessoa pública?”
 Como eu responderia a isso? A palavra é famoso. Leo você gostaria de ser famoso? Claro que sim.
 “Eu te admiro Bia. E quero que o meu filho nasça parecido com você.”
 “Leo eu confesso que durante um tempo eu amei esta vida. Esse reconhecimento, esse conforto. Mas eu estou com medo. Porque este tempo já durou muito. Outras meninas virão. E eu há muito não subo num palco. Isto me apavora. Porque agora vai ser diferente. Não é como antigamente. Agora todos vão estar lá vendo cada deslize meu. E fora tudo isso eu estou grávida de um homem que nem sei se gosta de mim. Que nem sei se ele sabe o que ele quer da vida. Seja em relacionamento amoroso, ou da vida profissional.”
  O que mais eu poderia querer? A verdade é que Bia era alguém de sucesso. E eu? Será que ela me admirava? Será que toda essa coisa de voltar a fazer teatro, não era só uma folga daquele terceiro mundo? Ela pegou na minha mão, estávamos agora num bar, no Baixo Leblon.
 “Leo, ou você se resolve com a Mari, ou você se resolve com a Mari. Morar nós três juntos não vai dar.”
 “Do que é que você está falando? Eu e a Mari? Ficou louca?”
 “Resolva. Boa noite.”  
 E me deixou ali sozinho. Vai ver todo aquele mise en scene de evento e vernissage, era só para me mostrar o quanto ela era poderosa. E era mesmo.  
 No dia seguinte quando cheguei no ensaio estavam todos exaltados. Napoleão se aproximou de mim e disse: 
 “Faça a mala estamos indo para Tiradentes.”
 Rodolfo discutia com Dario o produtor que havia vindo de São Paulo. Falavam sobre o patrocínio do Banco Brasilense. Um patrocínio milionário.
 “Mas a produção do Teatro ao Lado já sabe do patrocínio?” Perguntou Bia ingenuamente.
 “E o que é que eles têm com isso?”
 “São nossos parceiros”.
 “Nós não vamos mais estrear no Teatro ao Lado.” Falou Rodolfo.
 “Não?” Eu perguntei no que Napoleão que parecia a par de tudo disse:
 “Não.”
 “Nós vamos estrear em São Paulo.” Desta vez foi Rodolfo. “No teatro do Banco Brasiliense.”
 Todos ficaram perplexos com a notícia.
 “Mas são oitocentos lugares!” Exclamou Duda.
 “Tanto melhor, se divertiu Rodolfo.”
 Eu adorei a novidade, afinal a Trupe era de São Paulo, nada mais natural.
 Rodolfo havia brigado com a administração do Teatro ao Lado. Coincidentemente abriu uma janela no Teatro do Banco Brasiliense em São Paulo. Eles se entusiasmaram muito com o nome de Bia no elenco. E resolveram não só patrocinar, como ainda colocar a produção do teatro e a assessoria de imprensa a nossa total disposição. Ale, nossa cenógrafa, embarcaria naquela noite mesmo para São Paulo.
 Tudo estava sendo resolvido com uma rapidez tremenda, só um detalhe nos deixou ansiosos, não digo preocupados, mas ansiosos.  
 A data deles em São Paulo é um mês antes do nosso cronograma aqui do Rio.
 “Meu Deus!” Exclamou Duda.
 “Nós conseguimos! Ou melhor, conseguiremos!” Fui rápido.
 Só sei que dois dias depois estávamos numa van, nós sete integrantes da Trupe, somados ao jornalista Matheus, que gravava tudo com uma câmera a caminho de Tiradentes, Minas Gerais. Numa manhã de céu aberto. 
 Estávamos a dez dias do dia D.  

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A Trupe. Capítulo 8


 Comédia ou drama?

 “Vocês estavam quase lá.”
 Foi o que Matheus disse enquanto tomávamos chopes, nós dois no Bar Balcão.
 Duda nos havia dado dois dias de folga. O espetáculo estava indo muito bem. É uma delicia para o autor quando o que ele imaginou começa a tomar forma. Será que um arquiteto sente o mesmo?
 Resolvi aproveitar e dar um pulo em São Paulo.  Matheus estava com uns trinta e poucos anos. Agora além de professor, teórico e pesquisador de teatro, ele também escrevia para vários lugares. Jornais e revistas.
 “Leo, vocês formaram um grupo no qual ninguém era a estrela. Foram jovens que se juntaram aleatoriamente. De repente começam a trabalhar, são apaixonados incondicionalmente por teatro, pela vida e por vocês mesmos. E então, com a mão na maçaneta, só precisavam girar e abrir a porta, mas ao contrário, desistem. 
 E ficam separados por dez anos. Cada um segue um caminho. Bem da verdade. Mari decola a carreira, Bia e Rodolfo ficam ricos e famosos, Frederico se vira muito bem em musicais. Napoleão trabalha muito, mas só faz porcaria. Você e Duda ainda tentam outro elenco, e é constrangedor de ruim. Por fim um dia resolvem voltar. Dez anos depois. Por incrível que pareça ainda são jovens, por incrível que pareça eu também ainda sou jovem e acredito que vocês podem fazer história. Não só pela formação talentosa do grupo, mas pela fé que vocês têm. 
 Vocês fazem um teatro que não é clássico, graças a você Leo. Que não é experimental graças ao Duda. Que não é canastrão, graças a Mari que é quem puxa a interpretação. Que tem um fôlego e disciplina graças aos outros quatro. E que tem uma das atrizes mais carismáticas dos últimos anos. Quem já viu Bia em cena, e faz tempo que não vemos, pode falar isso.
 Por isso digo que esta é a sua chance Leo. Talvez você não seja um grande dramaturgo, mas é o dramaturgo da Trupe e você escreve para eles. Talvez o meu livro sobre vocês também de certo. É isso que veremos em poucos dias, por isso não percamos tempo.”
 Aquilo tudo que Matheus disse, me fez bem. Há anos eu não era ninguém e agora me sentia igual quando comecei teatro. No meu primeiro trabalho.
 O Bar Balcão fechou e fomos nós dois para o Filial. Saímos do chope e entramos na cachaça. Matheus me contou do musico que ele estava saindo e eu acabei contando sobre Bia. O agora jornalista ria.
 “Você sabe Leo que eu monitoro vocês todos. Já faz muitos anos.”
 Claro que eu sabia. A da obsessão dele por Tiradentes, pela Trupe de Azul, por Bia... O que eu não sabia é que ele, Matheus, talvez soubesse mais de mim do eu mesmo.
 “Não é porque ela é Bissexual, que ela não possa te amar.”
 Depois disso pedi que ele me explicasse do que se tratava aquilo. Claro que ele se referia a Mari. E se ele tivesse razão? Na porta da casa de Matheus, ele ainda disse:
 “Bia é a mulher ideal, Mari é a que você ama de verdade.”
 Aquilo tudo me atordoava. Primeiro porque Mari para mim não era uma mulher, era, mas também não era. Como Fred era Frederica. E bem possivelmente, por ela, Mari, não ser uma mulher dita “comum” fosse o motivo de eu me interessar. Ou por amá-la.
 Acordei de manhã e segui para a piscina do clube. Prometi para mim mesmo.
 “Hoje nada de pensar nem em mulher e nem em teatro.”
 Foi a aí a minha triste constatação: Eu não sei pensar em outra coisa. Drama ou comédia? 
 Nem uma coisa nem outra. Feijoada e Fernando Pessoa. E o sol brilhava naquele sábado na cidade de São Paulo. 
 Abri o jornal passei os olhos e vi a parte de teatro. Me deu uma saudade deles. Delas. E se eu fosse assistir a uma dança? 
 Acabei indo ver Tchekcov, nem drama e nem comédia. 


terça-feira, 5 de abril de 2011

A Trupe. Capítulo 7


 Trianglinho francês.

 De manhã observava Mari tomando café, enquanto eu via as notícias do nosso novo projeto em vários sites e blogs.
 “Demos à partida!” Eu disse.  
 Mari estava mais interessada na minha noite com Bia do que nas notícias. Eu falei que tinha sido tudo muito bom. Incrível eu gostar de uma mulher da minha idade, geralmente eu gosto das mais jovens, mas com Bia era diferente, parecia que ela ia ficando melhor, cada vez melhor.
 “Mas me diga uma coisa Mari quando foi que você aprendeu francês?”
 “Eu não aprendi, eu não falo uma única palavra de francês, mona mour.”
 “Acontece que ontem você falou frases e frases em francês, enquanto dormia.”
 “Leo que obsessão, já vai falar em Tiradentes de novo!”
 “O Matheus ligou ontem. Ele já sabe de tudo.”
 Matheus há uns dez anos está escrevendo um livro sobre a Trupe do Sol. Junto com a nossa pequena história ele faz um panorama ou ainda uma comparação com a Trupe de Azul do século 18. 
 Sim ambas começaram o seu repertório com Molière. Ambas as Trupes ficaram uma década com os seus membros separados e ambas voltaram.
 Com a diferença que a Trupe de Azul é talvez a companhia de teatro mais conhecida da Europa durante todo o século 18.  Ou seja, uma delícia para um pesquisador e uma total falta de significado para qualquer leigo ou mesmo não leigo. Acontece que sempre há um.... Porém. Existe nisso tudo uma linda história de amor na Trupe de Azul.
 Vou resumir esta história, um jovem aristocrata, se envolveu com uma mulher casada em Paris e teve de fugir. Acontece que o marido ficou tão irado com o próprio corno, que perseguiu o causador, Jean Baptiste, mesmo pela província,
 Numa Vila quase prestes a ser capturado pela polícia e pelo marido da amante, ele conhece uma atriz. Armande Bejart. E é Armande que leva Jean Baptiste para a Trupe de Azul.
 Ele teve de se transformar num ator para salvar a própria vida. E tomou tamanho gosto pela atividade que ainda passou a ser diretor e autor da trupe de Azul. Casou com Armande e teve três filhos com ela. Mas certa vez descobre que seu antigo inimigo havia morrido e ele retorna para Paris em busca de sua antiga amante Violette. Abandona a Trupe e fica dez anos sem ver Armande.
 Verdade é que quando a Trupe retorna Jean Baptiste, segundo as pesquisas de Matheus, já não sabia se amava Armande ou Violette.
 No dia seguinte Duda colocou todos para correr no calçadão de Ipanema. Napoleão foi o que teve mais dificuldade, estava já bem gordo. Rodolfo disparou na frente. Muita água de coco depois e a noite nós começamos a leitura do texto.
 Os ensaios foram aumentando. Começamos a levantar as cenas. Passaram-se dias, depois semanas.
 Tínhamos alugado um apartamento no Flamengo, metade do elenco ficava lá e a outra metade na casa da Bia. Mari logo se tornou muito próxima de Ale a cenógrafa.
 “Leo acho que estou me interessando de verdade por ela.”
 “Como assim e o Rodolfo?”
 Aí foi Frederica quem respondeu: “Será que você é o único que não sabe que o Rodolfo está é com o irmão dela?”
 Acho que eu era o único sim. O Rodlfo? Eu pensei. Achava que o Rodolfo era hetero.
 “E tem hetero no teatro Leo?” Todos perguntaram. E já que estávamos numa mesa. Todos felizes, os sete. Foi Duda quem disse depois do almoço na casa da Bia.
 “Falta uma criança nesta família.” Todos permaneceram e silencio concordando com a cabeça.
 “Por pouco tempo Eduardo, eu estou grávida.” Bia disse isso olhou para os outros e começou a tirar os pratos.
 Todos deduziram que se Bia estava grávida, o pai era eu. Levantaram-se e metade dava os parabéns para ela e metade para mim. Eu pai? Me apavorei.
 Mas daí eu pensei, é da Bia, a mulher que eu amo. Mas quando Mari veio me abraçar, eu de novo tive dúvidas. Mari estava maravilhosa este dia.
 Meu conflito era grande. Ou começou a ficar. Tempos depois, Matheus, como eu era talvez o mais interessado no seu trabalho, me revelou novas descobertas da sua estadia na França.
 Tanto Armande como Jean Baptiste eram apaixonados por Violette. E Viollete também era atriz. O famoso triangulo. Ou como Sartre chamava: “Entre quatro paredes”.
 Será que é filho ou filha?  Foi o que eu pensei enquanto ria de felicidade. Porque eu estava com as pessoas que eu mais gostava no mundo. Fazendo o que eu mais amo na Terra. Teatro.     

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A Trupe. Capítulo 6


A travessia

 Rodolfo pegou a direção enquanto eu e Bia entramos carregando Mari para dentro do Jipe. Rodolfo acelerou e ultrapassou vários carros.
 Na emergência do hospital eu passei o telefone do médioco de Mari em São Paulo. Não tardou para os outros chegarem e todos nós, os seis mais a nova cenógrafa, Ale, ficamos esperando novidades dos exames.
 O médico apareceu e nos tranqüilizou.
 “Apesar do tumor, esta jovem tem uma genética esplendida. Não há nada de errado com ela. Falei com o médico em São Paulo, o neurologista. Recomendo um dia de repouso e que ela reinicie suas atividades em seguida.”
 Não foi fácil explicar aos outros sobre a gravidade de Mari. Eu mesmo sabia daquilo há pouco. Foi uma choradeira. Até que Frederica quebrou aquilo com a pergunta:
 “Será que ela consegue fazer a travessia?”.
 Todos nos olhamos. Era óbvio que Ale a cenógrafa, não sabia do que estávamos falando. Afinal era um segredo nosso.
 Talvez você leitor me ache meio desequilibrado. Mas nós da Trupe do Sol somos mesmo. Não é só o Duda não. Certa vez um grupo de pessoas nos procurou. Eram três: Um antigo crítico de teatro paulistano, um jovem estudante e teórico de teatro e um homem esotérico, místico... Eles nos informaram de que nós tínhamos uma ligação espiritual com um antigo grupo francês de teatro do século 18, chamado a Trupe de Azul.
 Claro que convenceram Duda, Bia, Mari, Napoleão rapidamente, já eu e Rodolfo e Frederica demoramos um pouco. Aliás, eu só me convenci quando entrei no teatro em Tiradentes.
 Enfim até então era um segredo. Já com o espetáculo pronto seguíamos para um teatro secreto escondido atrás de uma fonte em Tiradentes, ambos do século 18. E no palco nos apresentávamos para uma platéia francesa, do século também 18. Loucura? Também acho, mas é verdade.
 Nesse instante no Hospital ocorreu à mesma pergunta a todos. Mas Rodolfo foi o primeiro a dizê-lo:
 “Será que isso que a Mari está, tem algo a ver com a Travessia?”
 E tinha. Mas naquele momento ninguém sabia de nada. E ainda não havíamos entrando em contato com aquele antigo grupo de mestres teóricos do teatro.
 Antes de alguém responder meu celular tocou.
 “Leo quem fala é Matheus. Quanto tempo querido. Já reservei o hotel para vocês em Tiradentes. Diga a todos que está tudo bem. Eu torno a ligar depois.”
 Matheus já não era um jovem e sim um homem. Naquele momento entendemos que a doença de Mari tinha sim um propósito ou talvez uma cura. Todos estavam naquele misto de medo e desejo, quando Duda ordenou:
 “Alguém fica com a Mari. O resto cama. Amanhã começamos os exercícios na praia. Quero todos em forma.”
 “Eu fico” Eu disse.  
 Neste momento inúmeros fotógrafos invadiram a sala de espera e começaram a fotografar Rodolfo e Bia. A informação tinha vazado e a notícia de tanto o casal divorciado estar num projeto juntos novamente,  como também a de trazerem uma atriz ao pronto socorro era notícia das grandes para os tablóides.
 Bia teve ao mesmo tempo vergonha e orgulho, por eu ver que ela era agora uma pessoa pública importante. O constrangimento foi notar que aquilo desequilibrava o grupo. Mas eu dei uma piscadinha para ela e acho que ela entendeu o: “Vai em frente, é bom para o projeto este marketing”.
 Deixei-os lá respondendo as perguntas dos jornalistas e entrei para ver a mulher de genética fenomenal e talento mais fenomenal ainda. Aquela atriz Mariana, que talvez estivesse apaixonado.