sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Agorafobia

Os gregos inventaram tudo, esportes, teatro, filosofia, democracia... Porém não criaram algo que muitos apreciam aqui em terras paulistanas. O supermercado 24 horas.

Madrugada, caminho calmamente para o banheiro. Descubro que acabou o papel higiênico. Pânico? Claro que não, pois sempre existem os guardanapos na cozinha. Também acabaram? Pânico? Sim pânico. Mas sempre há também o supermercado 24 horas a dois quarteirões. E lá vou eu.

No supermercado 24 horas de madrugada as pessoas freqüentam como elas realmente são, chinelos, às vezes terno, outras roupas de balada...

Eu tenho certo receio em comprar camisinhas e papel higiênico de dia, mas de madrugada quem se importa? Estou na fila do caixa e aquela balsaca que há vinte anos eu admiro acaba não sei como atrás de mim.

“Oi”. Eu digo.

“Oi”. Ela sorri.

Penso, que talvez ela não tenha visto o papel higiênico. Mantenha a calma Leo, que ela nem viu. Ih ela baixou os olhos... Não, não viu.

“O senhor é cliente mais?” “Faltou algum produto”?

Antes que eu pudesse responder a minha linda conhecida diz:

“Acho que não!” E ri alto olhando minha compra, o discreto papel higiênico.

E falando em constrangimento, tem um senhor de uns cinqüenta anos que freqüenta o meu clube. É um esquizofrênico que se considera Jesus Cristo. Quando passa um avião, ele logo grita:

“Esse barulho ali em cima, não é avião! É meu pai! Eu sou Jesus!”

Todos se irritam com ele, mas eu gosto do Jesus. Acontece que quando eu passo pela lanchonete do clube lotada de gente, ele grita:

“Ator! Lá vai o ator! Oh ator!”

Meu irmão me deu a missão de comprar três dúzias de bananas na feira de rua. Chego à feira, me deslumbro, com cores, barulhos e cheiros. As performances são as mais extraordinárias, os feirantes criativos, conhecem tudo, dão qualquer informação que você queira e principalmente a vendedora de frutas tem uns peitos:

“Quer provar?”

“Claro que quero!” E ela vai me dando as frutas.

Madrugada de novo, uma amiga me dá carona do bar até em casa, paramos o carro e ficamos olhando os feirantes montarem a feira.

Penso comigo, claro que os gregos não inventaram o supermercado, eles eram os gregos. Uma feira aberta é anos luz mais interessante do que um supermercado.

Eu e minha amiga saímos do carro e vamos percorrendo a feira, tal qual há milênios os gregos faziam. Debaixo das árvores, só faltaram os saltimbancos e artistas populares.

Quando foi que surgiu essa agorafobia em São Paulo? Por que as pessoas têm medo do espaço público?

Jesus, não o Romano, mas o do clube Paulistano, pode até ser louco, acontece que quando ele grita: “Ator”! Aquilo entra tão fundo na minha essência, a palavra me atravessa que chego a pensar que há uma sabedoria na loucura e uma burrice na saúde mental, vide os supermercados 24 horas.

“Senhor tem algum produto que o senhor não encontrou”?

“Sim um molho mexicano que desde que eu voltei do intercambio há vinte anos eu peço”.

“Vou registrar senhor. Tem mais algum outro produto?”

“Não moça. Também não se pode vender tudo num supermercado, não é?”

E fugi dali antes que a minha claustrofobia aumentasse.