sábado, 25 de dezembro de 2010

Você não queira se esconder... Capítulo 3


TERCEIRO QUADRO (Marina está sentada em uma poltrona, Juliana anda de um lado para o outro)

 JULIANA- Cara como é que você consegue ficar ai parada sentada, fica pensando em que?

MARINA- E você pensa em que quando fica ai andando de um lado para o outro?

JULIANA- Eu estou aqui na sua sala porque eu não posso sair. Primeiro porque eu corro o risco de ser presa e torturada, depois porque este telefone pode tocar a qualquer momento.  Que mais eles te disseram? Quando vão trocar os companheiros pelo idiota do gringo?

MARINA- O idiota a quem você se refere é o embaixador americano?

JULIANA- Ah não! Marina você vai começar de novo! Você pode não querer participar da luta armada, mas ser contra é ser a favor deles, dos repressores.

MARINA- (Levantando-se e indo na direção de Juliana). Diz-me garota, você gostou de assaltar os bancos. Que é que você sentia? Matou algum segurança?

JULIANA- “O que é um assalto a um banco, comparado a um banco.” Bertolt Brecht.

MARINA- Não seja idiota, Brecht nunca assaltou um banco.

JULIANA- Então está certo. Ficar aí parada é que vai ajudar a vencer a ditadura.

MARINA- Achei que você queria a revolução e não vencer a ditadura.

JULIANA- É a mesma coisa. Marina você não têm paixão por nada? O que é que te move, o pensamento pelo pensamento. Ler só por ler, acumular conhecimento e não realizar nada? Eu sou uma revolucionária sim senhor.

MARINA- Veja o que a revolução francesa fez: Um mar de sangue e depois : Monsieur Napoleão.

JULIANA- Se não houvesse tido a queda da Bastilha, ainda haveria um rei sol por lá.

MARINA- Na Inglaterra têm e eles vivem bem democraticamente com isso.

JULIANA- Têm o que?

MARINA- Um rei.

JULIANA- Rainha.

MARINA- Aí, ta bom rainha! Mas vivem em harmonia.

JULIANA- Ah, vivem. Tinham um terço do mundo, exploravam bilhões de seres humanos até pouco tempo atrás, mas não...  Eles são resolvidos. Marina quase todas as noites eu tenho um sonho. Eu estou andando numa floresta, numa trilha é de noite só ouço os meus passos, qualquer um pode me atacar mas eu não tenho medo, sabe por que? (Marina não responde). Porque eu tenho isto aqui. (Juliana mostra sua arma). Isto me trás a igualdade com os homens. Com ele nenhum gorila é mais forte do que eu. É isto que me trará o Pedro de volta.

MARINA- Você quer saber o que eu acho de verdade? Não quer? Eu sinceramente acredito que se meninas como você continuassem a brincar de bonecas ao invés de roubar bancos eles, os repressores , como você diz não teriam pré-texto para usar a força, a repressão. E digo mais. Eles só não acabam com vocês , porque eles precisam de palhaços como vocês para justificarem o regime de segurança. Quem você acha que a população dos EUA, estou falando de milhões de pessoas vão apoiar, depois do que vocês fizeram? Um grupo de fanáticos que seqüestram o embaixador deles, um país democrata ou nos gorilas que têm apoio popular.

JULIANA- Eles os EUA, pegaram em armas e ainda pegam. Ou você acredita que o rei da sua Grã-Bretanha, deu a liberdade para eles sem luta? (Pausa). E por isso que você perdeu o Pedro, Marina. Você nunca foi lutar por ele.

MARINA- Nem ele por mim. Ele preferiu tirar uma garotinha das bonecas e transforma-la em uma assassina, ou revolucionária como você diz. Olha desculpa Jú. Divergir não é brigar. Vocês vão se encontrar na França. Nem vão se lembrar de mim. (Toca o telefone, Marina atende). Alô! Pode falar. É a Marina. Só um segundo. (Para Juliana). É a revolução.

JULIANA- (Pegando o telefone). Alô! É a Juliana. Mário, que bom te ouvir. Estou bem. Hoje claro. (Ela fica um longo tempo ouvindo). Impossível. Tem certeza? Não. Por quê? Por quê? (Mas um tempo ouvindo). Entendi. (Juliana desliga. Ela está terrivelmente perturbada).

MARINA- O que houve?

JULIANA- Eles trocaram os companheiros e virão daqui a pouco me buscar.

MARINA- Mas então... O que é que deu errado?

JULIANA- Pedro.

MARINA- (Que percebe). O que houve?

JULIANA- Ele não conseguiu. Já estava morto à muito tempo. (Marina não sabe o que fazer, as duas se calam).

MARINA- O Pedro! Pedro. Não.

JULIANA- Eles estarão aqui em minutos Marina. É melhor nos despedimos. Caramba! Eu o amava Marina. Talvez eu nem queira está luta. Talvez fosse por ele. E agora? Canalhas, como alguém pode fazer isso com um cara que sempre só quis ajudar , só isso. Por que?

MARINA- Juliana, você vai para França. Vai ficar tudo bem.

JULIANA- Meu nome é Alexandra.

MARINA- Vai ficar tudo bem. Calma.

JULIANA- A gente ia pra França, ia viver junto em Paris, eu e o Pedro e agora. Perdi meu filho e ele.

MARINA- Você têm de ir pra Paris. Recife é que você não pode voltar.

JULIANA- Porto Alegre. Eu sou de Porto Alegre. Eu sou a Alexandra.

MARINA- Não. Você é a Juliana, você é de Recife. Você é a menina mais corajosa que eu já conheci. (Juliana sorri).

JULIANA- Não Marina , você é a pessoa mais corajosa que eu já conheci. (Campainha, Marina olha pela janela).

MARINA- São eles. A gente se vê, no futuro garota. (Se abraçam).

JULIANA- Ele te amou muito. Adeus. Vive la france!

MARINA- Vive la france. Vive la revolucion!

JULIANA- Vive.

MARINA- Adeus. (Juliana sai. Marina fica só em cena, ela vê que Juliana esqueceu a arma. Ela apanha a arma, Marina só, olhando a arma): Até quando? Até quando você vai perseguir os nossos caminhos. Por que é que você está sempre aí prometendo esperanças e trazendo tragédias? Nunca existirá uma história feliz, se você fizer parte dela. Nunca. Quem chega ao poder te usando, só tem uma maneira de preservá-lo é continuar te usando. Tenho nojo da ditadura. (coloca a arma no chão). Pedro, você me disse certa vez que não era escravo e que ninguém lhe convenceria do contrário. Você morreu acreditando nisso. Você morreu livre. Sua morte não foi em vão. Minha vida também não será. 
 
(Black-out).