domingo, 30 de julho de 2017

O Terceiro Elemento.

 Me abordaram no meio da escada. Estavam em três, era a primeira semana de aula. Um deles muito feliz, tinha lá os seus quase dois metros de atura. Outro gordo, rabo de cavalo e cara fechada. O terceiro tão discreto que nem me lembro dele.

 Eram todos Astecas e Maias, talvez misturados com Ibéricos. 
 "Se algum branco mexer com você nos chame".  Me disse o mais alto. Depois quando viu a minha a cara de não ter assimilado aquilo, concluiu. 
 "Agora você é do Brown Power!" 
 A irritação do gordo de rabo de cavalo contrastava com a alegria do gigante. 

 Eu estava agora com 17 anos me mudara para o Colorado, numa cidade de 50 mil habitantes, nos pés das Montanhas Rochosas. As vacas ficavam na outra extremidade, logo quando o vento batia a cidade toda cheirava a gado. 

 Os Hispânicos trabalhavam nos açougues e fazendas. Eles se consideravam os verdadeiros cowboys. Explicavam que o hambúrguer e toda a cultura de peões eram originárias do México. O Hambúrguer era hamburguesa, não tendo nada a ver com Hamburgo na Alemanha. 

 Não seria eu a falar sobre Barretos e música brasileira sertaneja eletrônica que estava nascendo e iria dominar todo hemisfério sul.
 Fingia acreditar naquilo tudo. A verdade é que os "brancos" nunca mexeram comigo. Talvez porque ignorassem aqueles pobres imigrantes e filhos de imigrantes Astecas e Maias, e me viam como sendo só mais um deles, ou talvez porque tivessem realmente medo daqueles vaqueiros final do século 20. 

 Já as brancas, as Irlandesas católicas e as Alemãzinhas luteranas eram tão fascinadas por aquele brasileiro, que tinha a "cor" dos Mexicanos, mas dizia conhecer a Europa e tinha traços dos quais elas só haviam visto em Al Pacino no cinema. 

 Ficavam espantadas como que a pele do brasileiro se bronzeava. Ele já tinha ido para Nova York e visto museus. 

 O Colorado doméstico, não o turístico, mas o rural, é o encontro do Canadá com o México. São duas culturas que convivem lado a lado e não se misturam. Ou ainda as unidades não se misturam. 

 Era possível ver uma construção Canadense anunciando comida Mexicana. 

 A verdade é que as meninas mexicanas pouco se interessaram por mim, assim como os meninos brancos. 

 E eu que tenho uma capacidade natural, não em imitar pessoas propriamente mas antes em começar a pensar e me portar como elas na medida do convívio.  

 Explico. Como não haviam outros brasileiros, ora eu ia me tornando um vaqueiro mexicano e ora eu ia me tornando uma americana branca frequentadora de shoppings. 

 Analisando hoje, eu não era só um terceiro elemento naquela cultura, naquela escola. Eu era uma espécie de ponte entre os Astecas e Maias e as Irlandesas e Alemãs. 

 Hispânicos que buscavam mulheres menos femininas e do outro lado Brancas que queriam homens mais masculinos. 

 O problema não era de classe social, pois todos eram "pobres", ou classe média baixa. 

 A questão é tempo. 

 Tempo para eles assimilarem os impérios Britânico, Asteca, Espanhol. 

 Tempo pra decidirem de quem de fato era aquela terra. Para quem não sabe Colorado nada mais é do que "Vermelho" no México. Assim como Texas é Terras. Califórnia é Forno Quente. Nevada, Novo México... 

 De certa forma eu era o futuro. Algo meio mestiço de Hispânico com Branco. 

 Se em 1992 ainda era tão difícil amar para aquelas bandas, imagine agora com este Trump MURO. 

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Priscila

Patrícia, uma amiga que mora fora do Brasil, estava em São Paulo e marcou com uns amigos no Bar Filial, na Vila Madalena. Quando cheguei lá haviam cinco meninas na mesa com a Pati, e nenhum homem. Todas param de falar e ficaram me olhando. Lembro bem, eu vestia calça jeans, camiseta e um moletom cinza de capuz. 
Não sei se por maldade, ou distração, Pati me sai com esta: “Este é o Leo Chacra (pequena pausa) ele é palhaço”. Bom ela não mentiu. Eu fui palhaço. De rua, de circo, de teatro e de cinema. Mas não espere apresentar alguém assim, e querer indiferença, dos outros em relação a isso. Principalmente num bar. 
A verdade é que quatro delas, das meninas depois de sorrisos, e olhando um cara que se esforça muito mais para parecer policia, do que palhaço, com voz grave e olhar profundo, este cara pode ser taxado de mala, bobo, mas de modo algum palhaço. 
Mas uma delas de nome Priscila, enquanto as outras retomaram a conversa, e as fofocas, esta Priscila com brincos enormes de argolas, uma boca com lábios grandes, muito sensuais, olhos grandes, nariz grandes, parecia uma mistura de miss latina com lobo mau, continuava a me interrogar como uma polícia. 
“Você tem grupo de teatro?” 
“Você faz é palhaço doutores da alegria?” 
Ela parecia divertir muito com aquilo tudo. Depois vim a descobrir que sua irmã mais velha, Teresa é que era amiga de Pati, estando Priscila quase tão deslocada quanto eu. 
Para encerrar a conversa, perguntei o que ela fazia. Foi bem um corte. Tipo, e você mocinha do mundo corporativo que merda de multinacional você trabalha? Já se divertiu bastante tirando o rapaz aqui. Sou artista e daí? Vai me condenar pelo horário que eu acordo e blá, blá, blá... 
“Eu sou cantora.”
A resposta dela me derrubou totalmente. Eu esperava qualquer coisa. Menos um: “Sou cantora”.
Eu nunca tinha visto alguém se dizer cantora. Bem da verdade já havia jantado com uma cantora Americana, mas tinha sido depois a ter conhecido num show no mesmo hotel em Santiago que eu estava. Enfim...
Nunca dei para a música. Meu ouvido é péssimo. Também, meus pais na minha infância não costumavam colocar nada pra tocar. 
O único na minha família, que ouvia música, era o meu avô surdo. Grande ABC FM. Sim, eu tinha um avô surdo, e uma avó diabética doceira. 
E lá estava eu na frente de uma cantora. Sambista. Não bastasse ser cantora era sambista. Quando a sambista, de boca sensual, brincos de argolas gigantes, se levantou, vestindo um shorts justo para ir embora, o palhaço do Leo pediu o telefone. 
Pensei comigo: “Nossa vou comer muito esta cantora!”
E foi o que aconteceu. Lá fomos nós eu e Priscila para Minas Gerais, conhecer Lavras onde ela nasceu, a Catedral da cidade, o clube onde ela jogara vôlei. As cachoeiras de Carrancas, as delícias de Tiradentes, e tudo isso num calor infernal. Porque cantora profissional não pode ficar no ar condicionado. 
Priscila me ensinou que os Mineiros são misteriosos, porque Minas sempre tem uma curva logo a frente, e nunca sabemos o que vai acontecer. 
E de Minas fomos para o Rio, para ela cantar na Lapa. Ficamos num hotel em que a janela abria um dedo, e nada de ar, porque cantora... Mas a languidez compensava o calor. 
Priscila me ensinou que os Beatles nem são tão bons, e que gênio é o João Gilberto e um tal de João Donato, ou coisa que o valha. Por mim garota, o que você disser ta bom. 
Chegou a me perguntar se eu também não achava Nara Leão desafinada.
“Agora que você mencionou, acho sim.” Quis saber o que eu achava de Zeca Pagodinho. Na dúvida do que responder, disse que o achava lamentavelmente ruim. 
Errei feio. “Nossa eu amo! Ele me lembra muito meu pai.”
Tudo ia muito bem, as mil maravilhas. Priscila apesar de parecer tímida e sempre fechada, é uma das pessoas que em dois, digo a dois, conta piadas absurdamente engraçadas. 
A sogra me adorava, o padrasto, a cunhada, todos. 
Ela apesar de morar em Higienópolis e na infância ter tido chover para ir para escola, Priscila tinha uma atração gigante pela Favela. Adorava experiências simples. 
Até ai tudo bem, eu sou um camaleão me adapto a tudo, e estava descobrindo o Samba, o Brasil. 
Até que num dia de carnaval, num bar no Rio, ela pediu para eu cantar. Cantei. Escolhi Adoniran Barbosa. Priscila me interrompia a todo instante, pedia que eu cantasse sério. Mas eu estava dando o melhor de mim. 
Foi ai que a ficha da Cantora caiu. Priscila naquele instante se dera conta, aquele Leo, era realmente um palhaço. 
Disse que iria comprar cigarros, e nunca mais voltou.

Melissa

Até hoje não sei como fui parar em uma faculdade de Arquitetura. Sem vocação ou talento, cai lá dentro. Muito por conta de querer ser igual ao meu pai, que não era arquiteto, e sim médico, mas médico também é um profissional liberal. São atividades parecidas. Meus pais falavam algo do gênero. Já me planejavam até uma pós no exterior. 
A arquitetura era um meio termo entre eu e os meus pais. Um arranjo. Nós te sustentamos e você enquanto isso faz uma faculdade. 
“Depois que você se formar, você pode ser artista se quiser”. Até ai, eles estavam certos. Eu poderia ser artista se eu quisesse. Mas a verdade é que eu nunca quis. 
Mas fiquei um ano e meio cursando arquitetura. Por que?
Porque era um lugar cheio, lotado de mulheres interessantes, sensíveis, e homens que não eram chatos suficientes para serem engenheiros, e nem fúteis o suficiente para serem decoradores. 
Foi lá que eu conheci Melissa. Ela passava horas desenhando, horas e horas. Eu nunca tive saco pra escrever um poema. Também nunca tive saco para desenhar. A não ser navios piratas, castelos, árvores e figuras que lembram Kandinsky com Miró, e o prédio do Banespa em várias versões. Estas eram, e continuam sendo minhas especialidades. 
Melissa lembrava Júlia Roberts. Linda, tímida, linda, tímida, linda e tímida. É tudo que eu sabia sobre Melissa. Linda e tímida. 
Eu ficava dando em cima dela, aquelas cantadas de italianos, o dia todo. Nunca passou pela minha cabeça que a menina estava ficando interessada. Como eu tinha namorada, nunca a tinha convidado para sair. 
Mas minha namorada, vamos chamá-la de Letícia, certo feriado, brigou comigo e viajou para Bahia com as amigas. 
Foi à deixa para eu levar Melissa para praia. Comecei a perceber que Melissa era bem interessante, e ainda mais bonita do que eu reparara. 
Naqueles tempos eu lia Hamlet e relia. Foi uma noite de lua cheia, na praia, eu chamava Melissa de Ofélia. Ela tinha uma pele branca, um gosto diferente de tudo que já provei. Era meiga, mas ao mesmo tempo mágica. 
Outro dia fiquei pensando, porque não fiquei com Melissa. Porque não troquei Letícia por ela? Na volta do feriado, Letícia disse que queria voltar. E Melissa dizia que a menstruação não descera. 
E eu tinha uns 20 e poucos. 
Aquela estória toda, de Melissa amante e Letícia namorada. Eu nunca consegui enganar ninguém. Contei para Letícia. Acabei largando a faculdade. Não nasci para ser arquiteto. 
Melissa, dias depois, disse que finalmente a menstruação viera. 
Saímos para comemorar. Tomamos uma cerveja na prainha da Avenida Paulista com a Rua Joaquim Eugenio de Lima. 
Descobri que Melissa era casada. E nunca mais nos vimos. 
Até hoje penso que talvez ela possa ter ficado grávida, hoje eu teria uma filha, ou filho de vinte anos, que foi criado por outro pai, lá em Santo André. Sim ela era de Santo André. 
Ontem fui almoçar com Letícia, há mais de 15 anos não estamos juntos. Ela já casou e depois descasou. Eu já casei também, e me separei. Nos damos bem. Acho que até mais do que quando éramos namorados. 
Não sei o que foi Melissa. Foi uma lua cheia, foi uma mulher que nunca cheguei a conhecer direito. Creio que Melissa tinha mais umas nove camadas, e eu só levantei uma. 
Por que não larguei Letícia e fiquei com Melissa? 
Eu tenho um amigo de infância, que também teve uma amante, e acabou optando pela namorada, hoje sua esposa. 
Mas ele também não sabe o porquê de não ter escolhido a amante. Ele lembra da amante chorando, quando ele disse que tinha escolhido pela namorada. 
Também por mais que eu me esforce, nunca entendi por que Hamlet não ficou com Ofélia?
Algum sexto sentido me fez deixar Melissa escapar. Pode ter sido algo que nos aconteceu numa vida passada, algo inconsciente. Ou talvez somente um encontro e desencontro.

Laura

Eram quatro atrizes. Elas ensaiavam no mesmo teatro que eu. O ensaio delas, eu acho que era até às 17 horas. Com um conhecido diretor bem das antigas. As 17:30h começava o meu. 
Como eu era um jovem diretor disciplinado e empenhado, eu chegava bem antes no teatro. E conseguia ver o final do ensaio delas. Eram quatro monólogos, apresentados um por vez. Cada texto tinha sido escrito por cada atriz, ou seja elas faziam os próprios textos. Hoje sei que eram apenas palavras ao léu. 
Mas na época eu estava encantado com Laura. Com o entusiasmo dela. Hoje eu sei que ela era ruim pra cassete. Mas na época... Aquilo era lindo demais. O texto falava de árvores, passarinhos, vento, tudo com uma pronuncia que trocava a letra g pelo r, e o r pelo g, mas pra mim... Aquilo era um charme na boca de Laura. 
Depois de uma semana da estreia fui lá, sozinho, assisti-las. Neste dia foi um outro Leo, um que era do elenco da Rede Globo, também foi, e elas ficaram bem nervosas. 
Depois do espetáculo Laura apareceu o bar do teatro. Estava desapontada com o pequeno público, 16 pessoas. Ali no bar brindamos um champanhe, eu a chamei para sair. Um outro dia. Ela aceitou, me deu um abraço. Ela era muito o meu tipo. 
Sempre fui completamente apaixonado por atrizes. Mas ao contrário do que pensam, nunca me envolvi muito com elas. A única atriz das quais já dirigi, e que eu assediei, acabei me casando. Sou assim menos por respeito, e mais por ter sido um menino bonitinho de 20 anos, que sonhava em ser ator, e já foi assediado por muita gente. Sempre que eu lembro disso, me identifico com as jovens atrizes. E nunca assedio. 
Dias depois Laura passou em casa. Ela era totalmente focada nela. Egocêntrica, vaidosa, e chata pra cassete. Mas mesmo assim, era de um charme absurdo. Primeiro fomos pegar umas fotos do espetáculo dela num fotógrafo. Sim outros tempos. 
Ela me perguntou se eu gostara das fotos. Sim, estão ótimas, eu disse. Pra mim fotos, não sendo escuras são sempre ótimas. 
Foi nosso primeiro desentendimento. Para ela as fotos não eram boas. Fomos jantar, num lugar bem descolado, do qual ela tinha permuta. Logo não gastei foi nada. Estávamos no carro dela, a conta era na produção do espetáculo dela, nem tudo estava perdido. Ainda. 
Ela mandou embrulhar uns croquetes fritos para viagem. Ok, sempre é bom levar a comida que sobra para casa. Artistas devem economizar. Mas não parecia ser o caso dela. Laura tinha um carro, bem caro. E um jeito, estilo de mulher, que o povo chama de : Patricinha. E convenhamos, croquetes devem ser comidos quentes. De lá para o Urbano, uma antiga balada que funcionava as noites de segunda feira. Quem lembra? Encontramos várias pessoas da classe teatral, acho que era uma festa de alguém. Enfim.. 
Ficamos bem bêbados, e lá quase com o sol nascendo, ela foi me deixar em casa. Cabe lembrar, casa dos meus pais na época. Morávamos toda a família. 
Mas ela subiu. Fomos para o quarto. Hoje eu sei que não só o espetáculo dela era uma porcaria, mas eu vejo hoje, que a minha atitude foi bem estranha. Carência ou sei lá o que, resolvi que não estava com pressa de transar naquela noite em especial. Dormimos de conchinha. 
Tínhamos a mesma idade. Laura e eu. De manhã tomamos café lá pelas onze, com a cozinheira da minha mãe oferecendo bolo de laranja para Laura. Servindo pão de queijo. O curioso é que Laura era super doce e simpática com a cozinheira da minha mãe. 
No dia seguinte eu telefonei pra ela. Laura disse que não nos veríamos mais. 
Eu quis saber o motivo. Você quer saber, ela perguntou. Depois alterou a voz e disse:
“Você nunca, mais nunca, nunca mais mesmo, fale da pele de uma mulher”. 
No começo, eu não tinha a menor ideia do que ela dizia. Depois num esforço tremendo, entendi, ou melhor, me lembrei.
Como ambos éramos de 1974, e nosso aniversário era no mesmo mês. Eu falei algo de que a pele mudava quando completávamos 30 anos. 
Alguém tinha acabado de me dizer isso. Mas eu estava falando de mim. E inclusive a pele dela era ótima. Mas como estávamos nos tocando, acho que ela achou que era alguma indireta. Um grande mal entendido. 
Por fim, Laura resolveu me dar uma outra chance. 
“Você tem algum texto com uma cena romântica? Preciso uma para um teste”. 
Perguntei se servia Shakespeare. Ela achou ótimo, e disse que passaria na minha casa dentro uma hora. 
Uma hora se passou, três horas se passaram, o celular dela desligado, cinco horas, um dia, três dias, meses, anos, década. Laura nunca apareceu. 
Laura tem uma das melhores frases que já ouvi:
“Não é porque dormimos juntos, é que vamos ter intimidade”. 
E literalmente foi isso. Dormimos juntos, porque nada aconteceu, fora dormirmos. 
Muitos anos depois, a vi no Bar Genesio na Vila Madalena. Ela estava com o marido. Sua pele, se vocês querem saber continuava igual. A desgraçada inclusive estava até mais bonita. Laura envelheceu bem. 
Eu estava na mesa da frente com amigos. Quando ela me encarava eu baixava os olhos. 
Dias depois me mandou uma mensagem, dizia que apesar destes anos todos, eu continuava um babaca. 
Acho que a coisa com Laura foi um puta de um mal entendido. 
Temos a mesma idade, a mesma altura, a mesma profissão, ambos somos chatos pra cassete, egocêntricos, bêbados, até a pele é parecida. 
Como dizia a minha terapeuta:
“Leo, você parece que quer namorar com você mesmo”.

Luzia


Acordei na casa de Luzia, era um dia de céu azul. Uma ruivinha que morava num apartamento na Vila Leopoldina. Cheio de livros, muitos de uma única editora, já que a amiga de Luzia, que dividia o apartamento com ela trabalhava nesta editora. Amiga esta que nunca cheguei a conhecer. 
Vesti a roupa, sai do quarto, Luzia já estava na sala tomando café e lendo jornal. Ela lia jornal igual homem. Isto é, com o jornal enfiado na cara e sem conversar com quem está na frente. 
Mas neste dia ela abaixou o jornal. Acho que tomei café preto e fui para a porta. Nos entreolhamos. Eu disse, até. Ela também disse. Até. E entrei no elevador. 
Eu tive a sensação de que nunca mais a veria. Tempos depois, ela me confessou que teve a mesma sensação, a de que nunca mais nos veríamos. Não foi o que aconteceu. 
Nos conhecemos no dia 31 de dezembro. De um ano qualquer, estávamos hospedados no mesmo quarto de uma casa. Explico:
Eu e meu amigo Rafa, fomos passar a virada de ano na Ilha Bela, na casa da nossa amiga Isabel. Os quartos da casa eram bem grandes, e num deles eu, Rafa, Isabel, Luzia e mais três amigas ficamos juntos. 
Foi uma festa para 100 pessoas, nem 99, nem 101, cem pessoas exatas. Todos amigos. Pra mim foi um reveillon que sempre vou lembrar. Eu acabara de terminar um relacionamento com uma menina bem mais nova.
Foi ótimo passar a virada com meus, amigos e amigas da minha idade. E não mais com garotos 15 anos mais novos do que eu. Que alívio! A casa ficava no alto da Ilha, e de lá víamos todo o litoral do continente. A festa foi envolta (ao redor) da piscina. 
Como naqueles filmes franceses, onde amigos celebram a vida juntos. Foi uma festa de muito bom gosto. 
Não sei o porquê, mas não conhecia Luzia. Tínhamos amigos em comum, mas não a conhecia. Naquela noite, antes de eu e Rafa chegarmos à tarde, ela disse que as amigas lhe contaram o seguinte:
Vão vir dois amigos, um é o Rafa, que é lindo, pegador, um charme só. O outro é o Leo. Luzia ao me ver, e também ver Rafa, ambos saindo do carro, imaginou, que eu era Rafa (Lindo, gostoso e pegador), e Rafa era o Leo. Pelo menos foi o que ela me disse. 
Gosto de mulher não se discute. Que frase mais idiota que escrevi agora! 
Conversamos das oito da noite, até umas dez e meia. Na escada do jardim. 
Não sei como fomos parar no quarto. Estávamos praticamente transando. Foi quando a primeira pessoa, outra amiga que estava no quarto entrou. 
Não se incomodem comigo, continuem fazendo o que vocês estavam fazendo antes. 
Como não se incomodar? Eu estava com uma menina, a qual conheci no mesmo dia, pelado numa cama, e agora eu iria ignorar a plateia e continuar?
Esperamos a amiga sair, e recomeçamos. Acontece que a amiga, lá fora na festa, contou o flagra que havia pego. E um por um, uma pessoa de cada vez, a toda hora entrava no quarto. Desarmávamos tudo, e esperávamos a pessoa sair. E novamente recomeçávamos. Depois de umas cinco interrupções, resolvemos transar no banheiro. 
Meia noite, transando no banheiro. Ótima maneira de começar o ano. 
Luzia definitivamente era mais inteligente do que eu, para um monte de coisas. Tipo geopolítica e realpolitik. Tinha um raciocínio britânico, mas uma safadeza bem latina. 
Usava óculos e jogava tênis. O esporte lhe deu coxas maravilhosas. Na época ela trabalhava numa ONG alemã que estudava política. 
O sexo era muito bom, mas às vezes Luzia ficava num mau humor, e entrávamos numa discussão, que quase sempre a minha falta de base, e a minha especialidade em discursos geniais, mas que na verdade são apenas... Nada, perto do dela um raciocínio embasado, esquemático e rebuscado.
Acho que sem o sexo, seria uma infinidade de assuntos, sobre poder, sociedade... O fato é que existem vários tipos de inteligência. 
Nunca acreditei em quantidade intelectual. E sim em qualidade intelectual. 
Este negócio de fulano é hiper inteligente! E daí? Todos somos inteligentes. A humanidade é inteligente. Uma pessoa destituída de inteligência é raríssimo. 
Mas o que me atraiu em Luzia, foi que ela sabia muito bem o que eu era. Mas não sabia como eu agiria. 
Luzia foi estudar em Buenos Aires, conheceu um diplomata e agora vive pelo mundo. 
O que eu aprendi com Luzia, é que talvez as mulheres tenham uma sabedoria da qual os homens debocham. 
É muito bom transar com pessoas inteligentes. 
Quando eu era garoto sempre repetia uma frase que ouvira:
“Qual é a mulher ideal? É aquela que vira pizza às quatro da manhã.”
Hoje eu sei que a mulher ideal, é a que nos faz rir, mesmo às quatro da manhã.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Mulheres que eu conheci.

Eu queria chamar este post de: “Mulheres interessantes”.
 Mas dai pensei. Interessantes para quem? Então vou fazer assim, chamar de: “Mulheres que eu conheci”.  Vou trocar os nomes de umas com as outras, assim, talvez só elas mesmas, se vierem a ler, saberão de quem falo. Afinal ninguém quer ser exposto, né?Mesmo porque, na verdade são mulheres que nem existem de fato, são construções em cima de mulheres de fato, mas sempre exagerando um ponto aqui, tirando um defeito acolá... Misturando lembranças, paixões, risadas e épocas:





1-    ISABELA.



 A primeira vez que vi Isabela, ela estava descalça com um vestidinho estampando, destes leves de verão, em cima de uma mesa de boteco nos jardins, a cantar Cartola em Francês.
 Morena jambo, depois descobri que era do Mato Grosso, daquele lá mais longe, o do “norte”, de uma tal Cuiabá. Ela dizia descender de índios. Como não conheço índios, na minha fantasia, ela me parecia alguém às vezes do Paquistão, às vezes do Sul da Espanha, tinha um rosto exótico, bem exótico. Sorria o tempo todo.
 Mas embora fosse bem doida e boêmia, Isabela acordava cedo. Era empreendedora. Seu forte era cozinha europeia.  Havia vivido em Paris. Ela sorria muito. Mas sua felicidade era um pouco como a do samba, um sorriso com uma melancolia.
 Era um equilíbrio entre mentalidade europeia, e a selvageria do Pantanal.








2-    JANAÍNA.



 Eu vi uma moleca na pista de dança. Ela dançava meio com os olhos fechados, como alguém que ouvi a música e imagina paisagens.
 Achei que ela, Janaína, tivesse uns 17 anos. Mas tinha 20. Dei uma carona de volta pra casa dela, e ela esqueceu o RG no meu carro. Dias depois marcamos um almoço para eu lhe devolver o documento.
 Janaína tinha os cabelos curtos, era bonita, mas o que chamava a atenção era o seu nariz. Lindo. Falamos de cocaína, pintura, ela era estudante de artes plásticas, e de mulheres. Janaína gostava muito de mulheres.
 O segundo encontro foi num bar na Rua Augusta. Ela tomava Cosmopolitan e eu cerveja e cachaça. Falamos da sua ex namorada. Era final de um feriado, fui deixa-la em casa, na porta ela me deu um beijo, dos melhores da minha vida, e me perguntou o porquê eu de não a ter levado para minha casa.
 No terceiro encontro, eu estraguei tudo. A coloquei na parede, a questionei deste negócio de ela gostar de mulheres. Perguntei onde eu ficava na estória. Enfim, o que era para ter sido uma curtição foi uma troca de gêneros onde a menina era eu. Mal tínhamos transado e eu querendo saber das intenções dela. Mas que nariz! Que perfil!
 Teríamos sido grandes amigos. Em outras circunstâncias. No fundo o que não deu certo, foi à diferença de idade.







3-    GABRIELA.



 Um casal, um amigo meu e sua namorada, resolveram me apresentar à irmã dela. Marcamos num bar, estes bares que já na época faziam drinks clássicos. Na verdade a ideia surgiu por sermos todos de ascendência Libanesa. E para ser sincero talvez isso fosse a única coisa que tínhamos em comum.
 No primeiro encontro correu tudo bem, a menina, não era lá muito alta, mas tão pouco baixa, eu é que tenho uma preferência pelas altas. Mas era muito bonita. Parecia muito mais uma Inglesa de comportamento, e também na pele, no cabelo, e uma francesa no estilo, do que o estereótipo da Libanesa.
 Gabriela nunca tivera uma calça jeans, segundo ela mesma. Ela criava vestidos de alta costura. Mas não tinha aquela afetação da moda. Era uma artista de verdade, se é que moda é arte. Mas ela era extremamente ambiciosa artisticamente. Levava sua profissão muito a sério. Mas sem perder a elegância, seus gestos, seus olhos, a maneira de falar, eram de uma mulher madura, que sabe o que quer.
 Aconteceu que ela ficou bem mais interessada em mim, do que eu nela. Acho que o negócio de não ter a calça jeans, não me caiu bem. Era muita sofisticação para mim. E me sentia mal vestido o tempo todo. Adoro champanhe, mas também quero tomar cerveja, ir à Vila madalena. E a verdade, embora muito gente ria disso, me considero um hippie.
 Sou muito mais anos 60, do que anos 50. E Gabriela era a consagração dos anos dourados. Eu era Tropicália, e ela JK. Eu era Woody Stock e ela Bossa Nova. Eu era Avenida Paulista e ela Copacabana Palace. 
 James Bond adoraria Gabriela. No final, das contas, eu fiquei no meu provincianismo e ela seguiu.
 Anos depois a encontrei no supermercado. A mesma elegância. Ela estava morando num dos prédios mais charmosos de São Paulo, um que eu amo. É porque eu sou anos Sessenta na alma, mas sou apaixonado pelos prédios paulistas dos anos 50.
 Demorei um tempão, mas acabei descobrindo, que sim, eu e Gabriela temos gostos em comum.








 4-    HELO.



 Franzisca era uma alemãzinha, que adorava capoeira, samba, praia, açaí e bicicleta. Estávamos já no segundo encontro, e eu sentia que algo estava travado.
 Tínhamos ido almoçar na Liberdade, era um sábado de calor. Depois acabamos numa festa na Vila Madalena. Franzisca impressionava tanto homens quanto mulheres. Era muito charmosa e carismática. Também uma alemãzinha, falando português com sotaque, e vestindo-se como uma carioca, atraiu muitos olhares na festa.   
 Um dos olhares foi de Helo. Uma mulher de 30 anos, um avião. Saca mulherão¿ Voz, corpo, maturidade, uma leoa.
 Acho que Helo se impressionou por eu estar com Franzisca. Tipo: “ Este Leo ai deve ser bom”. Ou talvez ela estivesse a fim do casal.
 O Fato é que dias depois, marcamos um encontro, eu e Helo.
 E a Alemã? Não sei, mas acho que eu não era o tipo dela.
 Helo e eu fomos encontrar uma turma bem divertida. Aniversário de um amigo gay, com muitos gays, que adoram as imitações de Helo. Todos riram um bocado com ela.
 Ela era do tipo mulher engraçada, tipo estas do Stand Up. Que vivem no limite da vulgaridade.
 Helo nunca deu nenhuma dentro comigo, mas seu discurso parecia tão honesto que eu não ligava.
 Primeiro disse que odiava Teatro. Helo era diretora de TV. Depois vir a descobrir que ela é irmã de uma amiga atriz. Atriz de teatro.
 Helo dizia que queria só sexo e nada mais. Que fora casada por oito longos anos, e agora queria se divertir. Estava numa fase de curtição.  Viemos pra casa, fizemos um amor intenso. E ela poucos minutos depois, disse que iria me deixar dormir tranquilo. Como ela quem estava de carro, só fiz foi acompanha-la até o carro.
 Bem vindo ao século 21 Leo.
 O que afinal Helo tem de interessante? Já disse, é um mulherão.  Melhor dizendo, Helo é um caso antropológico. Ela tem toda uma estética brasileira, ginga, sensualidade, lembra demais destas cantoras sapatas de MPB, demais.
 Ela é a famosa garota do Bar.
 A rainha do bar. E me fez um favor, ninguém acorda com a rainha do Bar. Seria muita pretensão da minha parte.


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5-    CAMILA.




  Liguei para minha amiga Suzana, convidado pra passar à tarde de sábado comigo. Ela disse que não poderia, mas a irmãzinha dela, Camila, estava louca por uma companhia para ir junto comprar um vestido de formatura da escola, do colegial.  
 Nesta época eu já passara dos 30. Conhecia Camila, porque a vira certa vez num jantar que Suzana fizera para os amigos. Na época do jantar, a jovem com agora 19 anos, tinha 15. Vestia uma jardineira jeans. E me lembro dela ter me chamado muito a atenção no meio daquelas 20 pessoas.
 Camila me serviu almoço e começou a falar como uma metralhadora. Era um doce. Fomos à galeria Ouro Fino comprar o vestido. Ao deixá-la em casa, depois de falarmos de teatro, artes, e montão de coisas mais.
 Quando ela desceu eu pensei: “Nossa! Nunca mais vou ficar com uma menina de 19 anos. Ainda mais porque eu tenho 32”.  
 Lá se vão quase dez anos. E eu achando que era um senhor.
 O encontro veio, fomos ao Bar Balcão, e a menina conhecia tanto rock clássico dos anos 60, e artistas plásticos dos anos 60. E tinha um All Star azul, uns peitos que depois vim a descobrir que faziam jus a propaganda da irmã Suzana sobre os mesmos. Minha irmã tem os peitos mais lindos que eu conheço. Ela dizia. Que por conta disso mais um pouco de álcool me apaixonei.
 Esta sim, bem alta. Mais do que eu. Tempos depois fomos para fazenda dela. Ela selou os cavalos e de posse de chapéu, me colocou em cima de um cavalo e fomos tocar gado. Foi a primeira vez que eu toquei gado na vida. E por enquanto a única.
 Depois Camila, tirou as selas lavou e alimentou os cavalos.  
 Nunca entendi bem Camila. Quem a visse na fazenda acharia que ela era quase um Vaqueiro. Mas me dizia que gostava mesmo era de Nova Iorque.
 A louca mais suave que eu já conheci.  Na manhã seguinte me levou dar milhos aos fofos carneirinhos.
 À noite, no jantar da fazenda elogiei a carne. Para minha surpresa, Camila me disse que eram os carneirinhos. Os mesmos que horas antes tínhamos dado milho para eles comerem.








6-    FERNANDA.



 Ela era morena de cabelos cacheados e olhos verdes. Mais velha que eu alguns anos, mas só na idade, não na aparência. Viera do interior, para cursar Direito em São Paulo.
 E me dizia que depois de refletir muito, tomara uma decisão. Iria fazer uma revolução para acabar com os Burgueses do mundo. Era rica de pai e mãe. Geralmente os comunistas são ricos.
 Me explicou o quanto as presas (presidiárias) eram exploradas, e mal tratadas. De como a mídia deveria ser cerceada. Me levou na casa de Espanhóis comunistas, células revolucionarias, discutíamos arte. Ela dizia que arte não deveria ser burguesa.  Deveria servir ao povo.
 O primeiro desentendimento foi em relação ao sexo. Eu transava como burguês, segundo ela. E isso não queria dizer que eu era machista.
 E sim que eu deveria gritar mais, aceitar fio terra, enfim... Desempenhar sei lá que papel, que personagem.
 Fora este pequeno desentendimento, o resto eu aceitava, porque ela era convincente.
 Mas acho que ela me achava um frouxo. Minha época de marxista, sempre foi muito frágil.
 Não me empolguei com a ideia de colocar tijolos em escolas do MST.
 Afinal nunca fui burguês. Sempre fui artista. Tempos atrás, soube que Fernanda agora está com a missão de acabar com o cigarro no mundo.
 Às vezes acho que ela é a reencarnação da Maria Bonita, ou da Olga Benário.







7-    JULIE.


 Uma Chinesinha- Norte Americana. Nascida em Taiwan, criada em Boston. Julie nos anos 90 era a traficante da faculdade onde eu morava em Boston. Ela reciclava as coisas. Na época eu nem entendia o que era aquilo. Afinal nem internet existia.
 Logo no começo ela explicou, eu tenho que ser má, se não, não me respeitam. Comigo ela nunca foi má.
 O primeiro encontro foi o dia das Bruxas. Fomos até Salém, no dia das bruxas. Muitas fogueiras, pessoas de preto, e uma maconha muito forte que ela me deu. Na volta eu ria muito no carro. Quer dizer, meus músculos riam, não havia graça nenhuma em nada. Ou se havia, era um outro código.
 Chegamos no dormitório feminino. Fazia muito frio. A menina que dividia o quarto com Julie estava fora da cidade. Logo ela me convidou para ficar.
 Fui para a outra cama, no que ela disse que se fosse para eu dormir na cama da colega, era melhor eu ir embora. Nos juntamos na mesma cama. A dela, com vista para o bosque. Eu ia no banheiro do dormitório cheio de meninas.
 Combinamos em fugir para Londres no dia de Ação de Graças, já que ela dizia que Chinês não comemorava esta data. Naqueles tempos, creio que ainda hoje, Boston- Londres era bem em conta. Menos que uma ponte área Rio- SP.
 Mas Julie acabou me dando o Bolo. O que também foi bom. Imagine ir para Londres com uma dealer?
 Acho que Julie foi uma das pessoas mais alternativas que já conheci. Tudo nela alternativo. O modo de encarar a vida, de curtir, de descobrir. Mas nada nela era politizada.
 Ela era visionária. E eu estava numa época de descobrir o mundo. Minha vida inteira eu quis ser polícia.
 Hoje penso, na minha fantasia, que Julie não era uma policial infiltrada.
 Isso explicaria o interesse em um Brasileiro, que dividia o quarto com um Colombiano. Este, por sua vez me dizia que sua família, estava no ramo de laboratórios farmacêuticos, lá na Colômbia.

 Foram muitas noites, dormindo no aquecimento, ouvindo Shakira, com vista para o gélido bosque, no quarto da chinesinha Julie. Ah! Os anos 90! 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Tipos de diretores de Teatro:

Existem infinitos estilos de diretores de teatro. Aqui apenas faço uma brincadeira. Colocando alguns tipos mais comuns, que fui conhecendo durante a minha trajetória.
 Em absoluto acredito que exista um jeito, regra ou fórmula de dirigir. Seja um diretor invisível, que de mais espaço para o texto aparecer, ou ainda um diretor com cores mais fortes, que atravesse o texto, tanto faz. Sou e sempre fui a favor da diversidade. Da possibilidade infinita. Dito isto, lá vão os tipos:




O INSEGURO:



 O diretor inseguro, já começa indeciso quanto ao texto que irá montar. Clássico ou contemporâneo? Texto nacional ou estrangeiro? Comédia ou drama?
 Como ele é inseguro, suas decisões são tomadas junto a outras pessoas. Ele pergunta o que o produtor acha, o que os atores acham. Chega até perguntar para sua esposa, para sua mãe e até para sogra.
 Ora se decide por Molière, ora resolve fazer teatro físico. A frase que mais diz durante os ensaios é: “O que vocês acham”?
 O diretor inseguro, deixa toda equipe insegura. O autor, se é vivo, fica inseguro. O produtor fica inseguro, o elenco fica inseguro. As vezes a própria plateia fica insegura.
 O diretor inseguro, deixa os técnicos inseguros. Será que é para dar o terceiro sinal já?
 O bilheteiro fica inseguro se cobrou certo, se era convite, ou inteira. O público, fica inseguro quanto ao lugar, a poltrona.
 Até o crítico fica inseguro, quanto a crítica. “Será que era ruim mesmo”?
 O cenógrafo nem se fale. “Acho que era pra ser um verde mais escuro ali”.
 A temporada toda, mesmo se forem meses, todos os dias, todos se perguntaram: “E se mudarmos ali”? Acho que aquela cena deve sair. Colocar mais luz no fundo. A música tava melhor quando era mais alto o volume.
 A atriz, que faz a japonesa, era melhor quando era a negra, e não esta loira. A negra tinha mais cara de coreana.
 Já para o pai dela, melhor o ator parar de ser gago. E tirar a barba. Já o policial, melhor se ele falar mais baixo, mais doce.
 O que? Não tem policial? Mas o crítico disse que aquele personagem ali, é na verdade um policial.
 O que? O crítico voltou atrás e deu mais estrela? É claro que eu gosto da atriz. Só não sei se ela é boa atriz. O que você acha? Você acha que eu troco ela? Trocar a roupa dela? Mas se já vai trocar o figurino, já troca o elenco também.
 Você acha que eu deveria ter feito o clássico de uma vez?
 Às vezes acho que é melhor mudar de Teatro. Ou deixar de ser sexta, sábado e domingo. Ser sábado, terça e domingo. O que você acha de mudar o título?
 O diretor inseguro não decide nem a cantina apoiadora que vão comemorar após a estreia. Se é a Piolim, ou a Planeta’s.




 O DORMINHOCO:


 Este tipo acredite ou não, é pontual. O diretor dorminhoco chega até antes, pois adora ficar conversando com os atores. O ensaio atrasa uma meia hora, as vezes até mais. Mas sempre termina no horário, nem um minuto a mais. Como um terapeuta encerrando a sessão.
 O diretor dorminhoco, tem sempre um excelente assistente. Destes mais sargentos. O diretor lhe dá toda autoridade de ensaiar com braço com forte. Anotar bem as marcas. Afiar a luz. Um assistente pouco criativo, mas executor, e autoritário com o elenco.
 O assistente passa um aquecimento bem puxado. Com vários exercícios físicos. Isso dá a impressão ao elenco que eles estão rendendo, ensaiando.
 Depois o diretor pega um caderno, uma caneta, um lápis, e começa a desenhar. O elenco terá a sensação de que ele está anotando coisas referentes ao ensaio, ao espetáculo. Mas não são notas que o diretor dorminhoco faz. E sim desenhos. Sua cabeça vai longe. Viaja.
 Desenha, desenha, e quando o assistente o questiona sobre o que fazer. Ele manda repassar a cena, ou escolhe outra para ensaiarem.
 Avisa que está indo tomar um café na padaria, que depois no fim do ensaio quer ver tudo passado. E sai. Volta dez minutos antes de acabar o ensaio.
 Ele está lá sempre sentado, calmo. Muitas vezes o diretor dorminhoco, tem dúvidas sobre a profissão que seguiu. Mas também como não estudou mais nada. E já tem alguns espetáculos na carreira, ele continua sempre em frente. No automático.
 Muitos críticos, teóricos e observadores de teatro, acreditam que este tipo de direção ausente, até pode acarretar um excelente espetáculo, quando feito por bons atores.
 Porque a verdade é que bons atores, sabem fazer as cenas. Mas bons atores também gostam de que sempre tenham alguém a observa-los. Coisa que fica a cargo do assistente sargento.
 Mas a verdade é que alguns dias antes da estreia, o diretor dorminhoco, acorda e passa a achar seu próprio espetáculo lindo. Fica levemente mais empolgado. Pois o este tipo, adora teatro, adora ser plateia, o que ele não gosta é de trabalhar, ensaiar e claro atuar.
 Eles são ótimos para formar novos diretores. Porque eu mesmo leitor, confesso, que a primeira assistência de direção que eu fiz, primeira e única, foi para um diretor dorminhoco. Ele me mandava repetir e repetir a cena com os atores exaustivamente, e saia.
 A única vez que ele levantou da poltrona, tomei até um susto. Ele estava atrás de um cinzeiro a poucos metros. Pegou o cinzeiro e voltou a ficar no seu mundo.
 Depois da estreia, o diretor dorminhoco, sai de férias. Ou dorme dois, as vezes até três dias seguidos. Pois está exausto.





 O CRIATIVO:


 Dizem que este tipo surgiu com a invenção da lâmpada. Lá pelos idos de 1880. Em Paris, e depois se difundiu pelo mundo. Antes poucos recursos eram disponibilizados numa apresentação de teatro. Poucos, mas suficientes.
 Texto, atores e plateia. Mas agora, com a lâmpada o céu era o limite. Aliás, dizem que o diretor em geral surgiu com a eletricidade. O estilo de direção. Mas isto é outra polêmica, para teóricos e historiadores.
 Ele agora, o diretor de teatro, pode deixar os atores no escuro, pode fazer a tudo amarelo, pôr do sol, tudo azul. Pode colocar música que quiser, enfim, fazer a atmosfera que quiser. Apagar e acender as luzes, o tempo todo. Até mexer no ar condicionado, ele pode.
 Claro que todos estes recursos, vieram para colaborar, para servir. O problema é quando o texto e os atores, ficam servindo os efeitos. 
 O diretor criativo, é o pesadelo dos autores. Porque bem da verdade ele é apaixonado pelo palco, e não por histórias (estórias).
 Ele se preocupa única exclusivamente com a equipe técnica. Iluminador, sonoplasta, cenógrafo, e muito, mas muito dinheiro no orçamento para gastar.
 Aqui vão três anões, ali duas loiras, perto da piscina, atrás do leão.
 Geralmente os criativos se cansam dos palcos Italianos convencionais. O edifício do teatro como conhecemos, o auditório com o palco.
 Preferem explodir o espaço cênico. Encenar a peça em Igrejas, em barcos, na fachada de prédios. Sim isso mesmo, na fachada, com atores pendurados como o Homem Aranha. Por que não? Vai ver quem quer.
 O texto? O texto é pretexto. Desde que o ponto de partida, seja um nome como Saramago, Tolstoy, Dostoyevsky, Machado de Assis, e as vezes um texto baseado em pintores, ou arquitetos, ou em chefes de cozinha, Picasso, ou Le Corbusier, Ferran Adria...  Em cineastas, em atrizes que já morreram, ou em qualquer coisa, artística ou não. Não importa. Pode ser baseado até neles mesmos, ou em uma notícia de jornal.
 Colocam os atores dando falas no escuro. Colocam um ator fazendo Shakespeare em grego contracenando com um ator alemão fazendo Nelson Rodrigues em japonês. Convidam celebridades para atuar, misturam vídeo, fazem cenas na rua.
 Colocam a plateia no palco, e o elenco na plateia. Às vezes acho que são para o teatro, o que arte conceitual é para as artes plásticas.
 Quando este tipo, criativo, tem de verdade uma personalidade forte, é seguro, pode sim acarretar um ótimo espetáculo. E as vezes até aparecer com uma forma narrativa interessante.
 Mas alguns aparecem com coisas que já foram feitas e refeitas há mais de cem anos. E vendem isso como inovação. Mas o que seria do mundo das artes convencional, sem os verdadeiramente criativos? Aliás, o que seria do mundo sem eles?
 Cabe lembrar que um destes diretores, que era outras coisas também, vereador, autor, teórico, era tão criativo, mas tão criativo, que fazia coisas sem dinheiro.
 Inventou o Teatro Invisível, o Teatro Fórum. Mas me acorre que Augusto Boal, fosse realmente um inventor, e não um criador.





 O BREGA: 


 O Diretor Brega, não tem muito segredo não. Ele tira toda forma de reflexão, polêmica, filosofia, sofisticação de um espetáculo. Ele simplesmente faz o famoso Teatrão. Ele possui um gosto duvidoso. Não é questão de fazer pizza, ou gastronomia refinada. Seria o famoso restaurante Paris 6, por exemplo. A função é agradar.
 Não que algo mais reflexivo, caprichado, não agrade tanto quanto.
 Alguns são bem resolvidos com apenas agradar o público em geral.
 O problema, se dá com os não verdadeiramente assumidos diretores bregas, que passam a querer ter uma imagem mais aceita pela opinião dita mais culta.
 E aí que se tornam mais bregas ainda. Pois muitas vezes são artesões que desejam parecer artistas. Mas um artista mais para o lado de um cantor sertanejo, astro de rock. Claro que as referências, serão Marco Nanini, Possi Neto, misturados com Tom Cruise e Suzana Vieira.
 O diretor Brega, é aquele indivíduo que não abrir mão de nada. No seu inconsciente ele quer ser como a rede Globo. Chique, com audiência, e ainda esbanjando cultura.
 Acontece que a Globo não faz teatro, tentou e quebrou a cara. Ou bem da verdade nunca quis. Nem tem nada a ver. Teatro não é indústria, propriamente dita. Se bem que os números financeiros dos atuais musicais, desmentem isso.
  Enfim, voltando, o cara quer ter tudo, beleza, dinheiro, Oscar de Hollywood, prestigio, e ainda ser um grande artista. Não dá. Pois pouquíssimas pessoas têm tudo. Se é que alguém tem tudo.
  O que eles fazem? Leis e mais leis Rouanets, correm atrás de atores famosos e assessores de imprensa que invariavelmente os acabam mandando para programas televisivos bregas, e frequentando estreias de espetáculos ditos mais artísticos, onde artistas fogem deles.
 De cinco em cinco em anos, arrumam uma enormidade de dinheiro, fazem um espetáculo caro, com elenco televisivo, um pé no musical, e seguem em frente.
 O espetáculo as vezes pode vir a ser até bom. Pois apesar de tudo, o diretor Brega, é sim um obstinado. Um lutador.
 Quem já não teve noites agradáveis com aquela menina brega, bem breguinha mesmo, mas com um sorriso lindo, e uma enorme vontade de vencer?
 Eu já tive. Desconfio as vezes que o teatro só não morre, por conta dos bregas. As vezes a peça toda é ruim, mas as vezes tem alguma cena, uma só que seja, tão brega, mas tão brega, que ela fica até verdadeira.
 É quando a alma deles é revelada.
 Agora ninguém, mas ninguém supera o coquetel de estreia de um diretor Brega. São os melhores.
 Porque para uma equipe brega, por mais que desejassem serem reconhecidos como artistas, o que define o sucesso pra eles, é sim, o lugar comum, uma casa cheia.
 E numa estreia a casa é sempre lotada. É muita felicidade. E muito champanhe.





 O TÉCNICO:


 Este tipo de diretor, é aquele prático. Objetivo. Ele pega o texto, destrincha ele todo. Quando reúne o elenco, ele lê cada personagem, para cada ator, que fará o personagem especifico.
 Define todos os gestos, o volume de cada fala, cada intenção, é extremamente matemático, metódico.
 A palavra que ele mais gosta é método. E é claro, ele tem o método dele. Que na verdade seria um método mais clássico desenvolvido para os dias atuais, para o ator contemporâneo. Mas é dele.
 O diretor Técnico, obviamente é professor. Já foi diversas vezes para Europa. Já morou em Moscou, em Londres e até estudou teatro oriental na Índia e no Japão. Ou pelo menos diz, que já fez tudo isso.
 Suas influências são Freud, Stanislavski, Lacan e Buda. Tudo parte do ator, e seu método. Até o cenógrafo tem que fazer os laboratórios do método. Porque tudo parte do ator, o cenário, o texto, o figurino, a luz, a direção, partem do ator.
 O ator é o centro do seu teatro. Aliás, centro do universo. Bonito, né? As atrizes jovens adoram.
 Deus é o método, e o método é Deus. E o ator sem ele, diretor técnico, não é nada. Pois ele, o diretor técnico, estudou com o discípulo do grande outro mestre.
 Ele possui a mágica que fará você, ator e atriz, serem grandes. Sem ele, e sem o método, vocês não são verdadeiros. Vocês não são nada.
 O diretor técnico cria então uma seita. Promete um fazer um teatro que nunca foi feito antes. Grita para o mundo que todos os outros teatros não estão certos. A não ser alguns trabalhos do Antunes, e do Grotowski.
 Geralmente este tipo de diretor, não sabe fazer comédia. E nem quer. Pois comédia não se encaixa nos seus laboratórios.
 Adora colocar atores andando para trás, esbugalhando os olhos. Em silêncio. Atores sentindo. Com desequilíbrio.
 Dizem que seus atores sentem muito. A plateia também sente. Sente arrependimento de estar lá.
 Muitos deles no Brasil colocam guardas chuvas em cena, em tentativa de copiar o mestre Antunes Filho, este realmente um diretor técnico. Técnico, mas genial.
 Por mais que o diretor técnico se torne uma caricatura dele mesmo, são eles que topam enfrentar a profunda busca no ator dentro dele mesmo.
 Acaba que o ator realmente sai valorizado do processo. O ruim é quando o ator não sai do processo.
 Muitos atores tendem a se apaixonar pelas teorias de teatro. Uma bobagem, pois teatro é prático e físico. Mas acaba que muitos atores se apaixonam também pelo seu mestre, o diretor Técnico. E não poucas vezes se tornam fanáticos, como em qualquer seita.
 A estreia geralmente é sem plateia. Pois o diretor técnico está em busca de um teatro puro.
 E as plateias nunca são puras, pois não estão preparadas para o seu teatro. Na verdade, os atores também não estão.