segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O dia que me queiras.


Julieta havia cinco anos deixara a cidade de Rosário para viver em Buenos Aires. Eram os anos 20. E a Argentina um país dos sonhos. Próspero e em rápida transformação. Seus subúrbios eram às vezes miseráveis. Formado por pessoas que vinham do interior como Julieta, imigrantes Europeus e árabes.
 Sebastian era estivador do porto. Ganhou seu violão aos 15 anos de idade. Um tio um pouco mais rico, alfaiate lhe dera. No cais do porto começou nas horas livres tocar com os Italianos, alemães. Era uma miscelânea de estilos.
 Julieta era linda. Seus cabelos ondulados vermelhos, olhos verdes e a pele branca. Um dia ela vê Sebastian tocando no bairro da Boca. Ela não era mais daqueles lados. Mudara-se para o centro rico.
 No começo ela trabalhou num prostíbulo mediano. Mas uma cafetina logo a levou para o melhor cabaré Portenho de então.
 Não se sabe quando foi, mas um dos jovens Alvear, família mais rica de então, se apaixonou por ela e resolveu fazê-la esposa. O casamento seria em breve, numa estância. Toda a sociedade Argentina estaria presente. Santiago Alvear era um playboy muito bonito. Mas seus três talentos eram só estes: Ouro, beleza e simpatia.
 Sebastian sabia que tinha talento. Era um compositor de música popular. Aquele ritmo novo, o Tango. Não dominava a música clássica, os gêneros Europeus. Aliás, nunca havia visto uma Ópera. Gostava de ver as comédias populares no teatro. E o cinema americano mudo. Mudo claro.
 Certa vez ouvira que o Tango era um pensamento triste que se dançava. Não entendeu. Para ele o Tango era vida, não tinha nada de triste.
 Mas lá estava Julieta. Fascinada com a música. O motorista de Santiago a esperava para levá-la a San Telmo onde almoçaria com Santiago e um casal francês que estava na cidade.
 Estava lá visitando uma antiga amiga. Também prostituta. Sebastian viu que a moça não lhe tirava os olhos de cima. E a chamou para dançar.
 Meses depois ele recebe um convite para tocar no casamento de Julieta e Santiago Alvear. Era uma enorme orquestra na estância mais bela da Argentina. Cerca de 40 quilômetros da capital.
 Neste dia Sebastian olhou a noiva e teve ódio do mundo. Por que ele amaria uma rainha, se ele não era um rei? Os colegas lhe disseram na mesma noite que ele realmente progredia no Tango.
 Passaram-se 10 anos sem que ele soubesse de Julieta. Ele, Sebastian, se casara com Soledad, uma lavadeira do seu bairro. Como começou a beber e sair muito na boemia, acabou demitido do emprego. Soledad era quem segurava a casa.
 Certo dia recebe o convite para dar aulas de violão a Martin Alvear. Filho de Julieta. Ela diz que desde a noite do seu casamento não tirara Sebastian da cabeça.
 Disse que em Paris aonde chegara a viver três anos se sentia bem e saia muito. Mas ali em Buenos Aires onde todos sabiam do seu passado, ela raramente colocava os pés para fora.
 Julieta aos 30 ficara ainda mais interessante. Mais segura, mais mulher. Sebastian entre o intervalo de uma aula e outra, lhe confessa ter composto meia dúzia de músicas para ela. Tornaram-se amantes. Encontravam-se num hotel.
 Combinam o dia em que fugiriam para Europa. Ele seria um músico de Tango em Paris. Lugar este que o Tango era muito mais admirado.
 Fez a mala, escreveu uma carta a Soledad explicando tudo. Passou no banco sacou a poupança da esposa. Com as passagens na mão esperou já dentro do navio por Julieta que não apareceu.
 Ficou vinte anos em Paris, mas veio a guerra e ele retornou a Buenos Aires. Tudo estava mudado. Havia novos instrumentos para o Tango. Novos compositores. Os Italianos já não eram Italianos e sim Argentinos.
 Foi convidado para tocar em programas de rádio. Comeu o churrasco Argentino. Chorou no cemitério que Soledad estava enterrada. Sim ela morrera de desgosto.
 Nunca recebera uma carta de Julieta. Contaram-lhe ainda em Paris que ela tinha uma dezena de amantes músicos. Que ela gostava era de se envolver com compositores, mas não era mais do que isso.
 Ele estava o que, louco? Achou que ela largaria de um homem como Santiango Alvear para seguir a vida com um músico miserável?
 Sebastian já no final dos anos 60, bebendo numa recepção, depois de um show no teatro Colón, percebe uma senhora a se aproximar. Algo lhe é familiar. Era ela Julieta.
 “Magnífico! Bravo Sebastian!”
 Ele quer saber de tudo. Por que ela nunca respondera a nenhuma carta. Por que não fugira com ele?
 Então vem a explicação:
 “Sebastian, meus ouvidos sempre foram excelentes, bem como meu instinto. Me apaixonei por ti. Mas se eu tivesse te acompanhado, quanto tempo nossa paixão duraria? E depois com tudo isto você se tornou um dos maiores compositores de todos os tempos. Eu não poderia privar o mundo disto”.
 Se despediram, e ao voltar caminhando para casa, Sebastian vê dois jovens namorando na rua. E se lembra de uma frase que ouvira quarenta anos anres:
 “O Tango é um pensamento triste que se baila”.