quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Mas se o Mauro pode...

Trinta anos atrás o jovem pai leva seu filho de cinco anos de idade tomar um banana-split na lanchonete Frevinho.


“Come tudo, pega mais chantili. Você sabe o que é split em inglês?”

“Não.”

“É misturad... Quer dizer misturada é shake. É dividida, banana dividida.”

“E banana como é?”

“Banana é do Brasil, é banana mesmo.”

“Mas banana veio da Índia.”

Pai pega a conta.

“Quanto é dez por cento dessa conta?”

Garoto olha a conta.

“Eu já te ensinei.”

“É dividir em dez e somar os valores.”

“Isso. E quanto é?”

“É dividir...”

“E a raiz quadrada, que eu também já te ensinei.”.

“Pai qual a diferença entre frevinho e sambinha?”

“Não se distraia. O seu irmão caçula já faz raiz quadrada. Você sabia que meus pais não me ensinavam nada?”.

“Claro, porque não estudaram. Eram imigrantes libaneses.”

“Quem te contou isso?”

“Você pai.”

Dois mil e dez. Sábado, onze e meia da manhã. Telefone toca.

“Alo.”

“Leo seu pai e eu estamos te esperando pra almoçar!”

“Calma mãe não é nem meio dia.”

“Mas nós acordamos às seis da manhã!”

“Seis horas da manhã, eu tava indo dormir. Bêbado.”

Saio correndo pela rua. Celular toca.

“Onde você está?”

“A dois quarteirões chegando.”

“Vou por na mesa.”

Casa dos pais.

“Vá chamar seu pai. Está na mesa.”

“Já fui está no computador. Quis me ensinar uns programas novos e nem deu bola pro almoço.”

Vendo a mesa.

“Carne de novo mãe!”

“É peixe, não está vendo.”

“E peixe não é carne?”

Surge meu pai com um sorriso na cara e uma fita métrica. Não leitor meu pai não é engenheiro. Começa deliberadamente medir a minha circunferência abdominal.

“Sabe quantos centímetros você está acima do recomendado?”

Meu pai é endocrinologista.

Inicia-se então um almoço de família. Meu irmão mais velho não comparece, tem a sua própria, mulher e filhos. O caçula vive em Nova York. Então começam as cobranças de quando vou casar. Emagrecer. Enfim ser como muitos e muitos dos filhos de conhecidos, que trabalham em multinacionais, são casados com mulheres maravilhosas e magras, ganham fortunas e principalmente falam mais inglês do que português.

“Imagina agora está velho pra casar na igreja e dar festa.”

O problema é que nem português eu sei direito. O resto sobre ser esse personagem, no qual vez ou outra meus pais me presenteiam com figurinos ideais a ele, roupas que nem a nova direita me aceitaria bem o resto eu nunca serei nesta vida.

Há trinta anos minha mãe me acordava sábado e me levava passear entrando de boutique em boutique nos jardins. Ela sempre após olhar as roupas dizia:

“Depois eu volto sem ele.” E apontava pra mim. Minha mãe sempre foi a favor das justificativas. Verdade que eu gostava mais de ir ver lojas com ela, do que as banana-splits acompanhadas de aulas científicas do meu pai.

Olhar aquelas mulheres lindas, roupas coloridas e arquitetura às vezes de primeira.

“Mãe não pode jogar papel de bala na rua.”

“Quem jogou papel de bala na rua?”

“Você mãe. Eu vi.”

“Então você é louco.”

Desde que eu fiz vinte anos, minha mãe arrumou uma frase. “Sei lá eu menino, você já tem mais de trinta anos.”

Certa vez lá pelos meus vinte, uma namorada me questionou se eu era circuncidado. Recorri a minha querida mãe.

“Mãe eu sou circuncisado, circuncidado?”

“Sei lá eu meu filho! Você já tem mais de trinta anos e eu é que vou saber!”

Quando ela ler isso, vai ficar furiosa comigo:

“Você já tem mais de trinta anos e fica aí escrevendo da mamãenzinha e do pai! Vá trabalhar como o filho da... Na sua idade eu já...”.

“Mas mãe se o Mauro Rasi escrevia sobre os pais. Se ele que era um dos grandes autores e diretores de teatro do Brasil...”.

“Ah não meu filho! Teatro não! Você já tem mais de trinta anos!”