quinta-feira, 31 de março de 2011

A calcinha azul.


 “Você já ouviu que quando fazemos 30 a nossa pele muda?”
  Perguntei para ela enquanto nos beijávamos no sofá da sala na casa dos meus pais.
  Eu conhecera Mel, vamos chamá-la de Melissa, no teatro. Explico, usávamos o mesmo teatro para ensaiar. Ela ensaiava o espetáculo dela mais cedo. E eu o meu mais tarde. Impossível não se apaixonar por ela. Tanto que comecei a chegar mais cedo e lá do fundo da platéia assistir ao final do ensaio dela.
 Depois fui ver sua peça pronta e no final não sei de onde criei coragem para chamá-la para sair. Para minha surpresa ela topou na hora. 
 Foi ela quem me buscou em casa.
 Ambos tínhamos 29 anos e faríamos em pouco tempo os temidos 30. Ela que escolheu o restaurante e ela que pediu meu prato. Acho que fui eu que paguei conta. Não lembro, mas deve ter sido. Depois ela resolveu que iríamos ao “Urbano”, uma balada da época.
 Como você notou leitor, ela é que mandava. Por mim eu estava adorando. Achava ela muita areia para mim. Depois foi me deixar em casa e subiu.
 Foi uma noite maravilhosa. De manhã eu saio do quarto e trago alguns guias de cultura, dos inúmeros jornais que sempre assinamos, não é a toa que eu e meus irmãos temos este vício de ler jornais, um inclusive até os escreve. Mas voltemos.
 Fascinou-me ela ver tudo o que iria acontecer em Sampa, shows, peças, filmes e exposições. Será que eu tinha encontrado uma alma gêmea? Se tivesse que descrever na época como eu gostaria que fosse uma namorada era só descrever Melissa, ela era perfeita.
 Saímos do quarto e tomamos café da manhã, na cozinha. As empregadas da minha mãe também se impressionaram com o bom humor da menina, sua linda tatuagem que a Luciana que trabalhava em casa adorou e mostrou as dela para Mel também. Enfim uma perfeita harmonia. Depois do bolo de laranja e café ela foi embora.
 Eu na minha ansiedade liguei para ela no mesmo dia. E ouvi as seguintes frases:
 “Nossa vibe não bateu.”
 “Por quê?”
 “Olha só te dou um conselho nunca mais fale para uma mulher sobre pele de trinta.”
 Vi que era inútil. E meses depois tentei de novo. Ela achou ótimo eu ter ligado e perguntou se eu não tinha nenhuma cena de teatro para ela fazer um teste. Deveria ser uma cena romântica. Eu disse que tinha e fui escrever uma para ela ir buscar a noite. Combinamos umas nove. Deu dez, onze, uma e duas da manhã e ela não apareceu Nem nunca mais apareceu.
 Claro que durante estes sete anos eu a vi muito. Nunca nos cumprimentemos. E eis que um dia o Face-book começa a me sugerir ela como amiga. Claro são 142 amigos em comum.
 Ela nunca me aceitava. Resolvi mandar uma mensagem oculta.
 “Por que você não me aceita. Você tem 1600 amigos?”
 Ela continuou sem me aceitar e nunca respondeu.
 E eis que alguns dias depois, para dizer a verdade ontem. Eu saio com as minhas melhores amigas para beber no Genésio e ela a Mel senta exatamente na minha frente. Me dá uma encarada e eu, como ela mesmo veio a dizer depois, desvio os olhos. Claro eu tenho medo dela. Uma mulher que sempre me tratou tão mal, com indiferença. 
 Depois do Genésio eu e as três mosqueteiras fomos ainda ao bar Secreto.
 Imagine leitor o que eu fiz ao chegar em casa? Vomitei? Não. Escrevi para Mel. Bêbado e de madrugada.
 Disse que não entendia como e por que ela sempre me tratou tão mal e embora tenha dormido na minha cama, não me adicionava no Face-Book?
 Desta vez ela respondeu. Lembrou-me que dormiu na minha cama, mas nunca chegamos a vias de fato. Como se eu não lembrasse. E recordava de eu ter dito a tal frase sobre a pele que muda quando fazemos 30. Entre outras cretinices e grosserias minhas.
 Nossa que coisa longa. Foi quando eu pensei que se eu pudesse voltar no tempo eu nunca teria dito aquilo. Porque aquilo foi algo que compartilhei porque eu também iria fazer 30 anos dali a pouco.
 Vocês sabem o que é lembrar de uma noite sete anos depois? Lembrar tudo? Os diálogos. O tênis dela, a tatuagem, a pele branca, os peitos maravilhosos, a risada, ela dançando no Urbano e principalmente da calcinha azul.
 Aquela calcinha que eu não pedi para ela tirar. Porque eu achei que tínhamos a eternidade para tirar a calcinha azul. Pra que a pressa?
 Quando eu escuto pessoas dizendo sobre a promiscuidade masculina, ou de como os homens são insensíveis, durante anos eu lembrava da Mel e pensava: Esta pessoa que diz isso ainda não viveu o suficiente. Ou não conhece mesmo a natureza humana. E quem conhece essa natureza humana?
 Depois da troca insistente de mensagens ela Mel, hoje me relembrou a história da pele de 30. E disse que sempre acreditou que eu naquela noite tinha tirado da cara dela, debochado das suas imperfeições. O que deixara ela triste. Eu?
Mel era tudo o que eu poderia querer. E digo mais ela não mudou muito. Acho que nada. Continua, inteligente, alternativa, charmosa, estilosa e principalmente linda e sedutora.
 Como acreditar que atrás de um mulherão forte existe uma menininha insegura? A gente sempre tem uma baixa alto-estima.
 Ela resolveu finalmente hoje me aceitar no face-book, talvez por se livrar das minhas mensagens, talvez porque se deu conta de que realmente eu fui de verdade apaixonado por ela.
 Um trauma de sete anos que me fez evitar atrizes. E que com certeza ainda me fará tremer quando eu me deparar novamente com uma calcinha azul e uma pele branquinha. Que não será nunca, pois o mesmo quadro não pode ser pintado uma segunda vez. E máquinas do tempo não existem.