sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Você não queria se esconder... Capítulo 2

SEGUNDO QUADRO: (Mesma sala da casa de Marina. Algumas semanas depois. Juliana entra cantando, Marina está em cena sentada em uma poltrona).




MARINA- Nossa que alegria. Deve ser bom ficar o dia todo em casa sem por o pé na rua!



JULIANA- (para de cantar , mas não se deixa abalar pelas provocações de Marina). Se ao menos você tivesse uma t.v. Como alguém pode viver sem uma tv?



MARINA- É o caso de se acostumar. Quando você pegar o hábito de não ter, não conseguirá mais assistir.



JULIANA- Será? (Pausa). Marina quando é que você vai fazer outro bolo de cenoura com chocolate?



MARINA- Assim você irá engordar. O médico...



JULIANA- Fábio, ele se chama Fábio.



MARINA- Eu sei. Fábio.



JULIANO- Ele é bem interessante.



MARINA- Então o médico, dr. Fábio disse que você já esta recuperada, mas também quantos dias você já está aqui? Quer dizer a quantas semanas?



JULIANA- Quase um mês, pra sua sorte. Alguém pra te fazer companhia. Marina? (silêncio). Eu acho que o dr. Fábio te paquera. (Marina fecha a cara, Juliana ri). Já rolou alguma coisa?



MARINA- Não é da sua conta.



JULIANA- Nossa que amargura!



MARINA- Juliana. Eu tenho que te dizer uma coisa.



JULIANA- Pode falar. Eu sou muito bagunceira?



MARINA- Na verdade eu também sou. Não é isso. Daqui a pouco vai chegar um aluno é bom você estar quieta lá dentro. Com essa cantoria, logo, logo alguém desconfia. Se ainda cantasse bem.



JULIANA- Eu queria poder sair, para ver gente. Nem o seu aluno eu posso ver. Que droga o único cara que veio aqui foi o médico mas este é paquera sua. Queria poder ir comprar umas roupas pra você marina. Quem é que compra as suas roupas? (Juliana ri).



MARINA- Para uma marxista você é bem materialista heim, Juliana?



JULIANA-(Fingindo achar graça). Há! Há! Há! Só estou querendo... (Silêncio). Me fala de novo do Sartre.



MARINA- (Se animando um pouco). Que é que você quer saber?



JULIANA- Sobre aquilo... Dele só ter se preocupado com política aos 30 anos.



MARINA- Não é que ele fosse um alienado. Ele era professor de filosofia na província e queria ser ficcionista. Romancista e dramaturgo. Mas um fato fez com que ele tomasse uma posição, como você mesma diz.



JULIANA- Um fato? Uma posição.



MARINA- Sim. A França fora invadida pelos alemães. Ou você era a favor dos invasores ou contra. Um colaboracionista ou um resistente.



JULIANA- Marina você se arrepende de ter tomado a decisão de me proteger?



MARINA- (Mudando de assunto). Como é que você conheceu ele?



JULIANA- Têm certeza de que quer falar disto?



MARINA- Juliana, você já está na minha responsabilidade a mais de três semanas. Infelizmente, você está a par por conta disso de todas as minhas intimidades... Não que o Pedro não tenha querido falar de você ou sobre você. Mas ambos estão na luta armada, então... E depois no dia ao contrário de hoje eu não quis saber.



JULIANA- Foi por causa de você, Marina.



MARINA- O que?



JULIANA- Vamos lá. Eu havia acabado de entrar na faculdade. Conheci uma menina super engajada, ela e outras são suas fãs. Viviam te citando. Um dia me chamaram, disseram que haveria uma palestra sua seguida de um debate, lá na PUC. Você ia debater com um filosofo francês convidado. Jenileupen, se não me engano.



MARINA- Eu lembro deste dia.



JULIANA- Foi lá que eu o vi. Eu e minhas amigas parecíamos tontas, ficávamos rindo, todas nós impressionadas com o Pedro. No começo ele não percebia. No intervalo fomos tomar um café, um amigo da minha amiga estava falando com o Pedro, então abordamos os dois. Quando dei por mim já estávamos nos beijando.



MARINA- Então aquele beijo, foi o primeiro? Que tola que eu fui. Eu vi vocês se beijando. Já esperava por aquilo, quer dizer que um dia iria acontecer. O Pedro é lindo, sedutor, razoavelmente inteligente...



JULIANA- Razoavelmente?



MARINA- (seca). Razoavelmente sim. Sempre achei que teria uma relação aberta. Mas a verdade é que não consegui, fiquei perdida e decidi, não velo mais, com certeza foi quando vocês começaram a sair. Agora tudo fica claro.



JULIANA- E quando foi que vocês se reencontraram? Quero dizer...



MARINA- Não importa! (Pausa). E a palestra você gostou? O que você achou?



JULIANA- (Sem graça). Só lembro de te achar muito jovem. A mulher mais inteligente que já ouvi falar. A sala toda em silêncio ouvindo. Eu não sabia que o Pedro era o seu namorado.



MARINA- E mudaria alguma coisa?



JULIANA- Mudaria. (Marina faz uma pausa. Muda o olhar e diz num tom sério).



MARINA- Eles entraram em contato comigo.



JULIANA- Mas por que você não me disse? Quando?



MARINA- Foi hoje, é o que eu estou tentando te dizer.



JULIANA- Então eles sabem onde estou?



MARINA- Sabem.



JULIANA- Eles vem me buscar?



MARINA- Em breve. Disseram que o Pedro está na lista dos presos que vão ser trocados pelo embaixador americano.



JULIANA- Como é que é? (Juliana fica extremamente feliz). Eu vou ver o Pedro?



MARINA- Vão te enviar pra França. Ele segue para o México e depois te encontrara lá, em Paris. (Campainha). É meu aluno, depois conversamos. (Marina vai sair).



JULIANA- (Feliz). Precisamos fazer um bolo de cenoura com chocolate pra comemorar. (Juliana percebe que falou bobagem) Marina , eu sinto muito.

(Saem as duas).

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