domingo, 27 de fevereiro de 2011

ele e ela.


 Conheceram-se no metro de Paris. Ele viu aquela menina linda e sozinha, que parecia perdida folhando um guia turístico. Ela percebeu aquele moço atraente a observando. Ele se aproximou e falou em árabe. Ela respondeu em inglês que seu árabe era ruim. Ele, como todo árabe que é sempre curioso, perguntou de onde ela era.
 Ela como toda menina judia que fica sem jeito de responder, assim... Tão rápido, disse meio com receio: “Israelense”. Ele por um segundo ficou sério. Depois sorriram juntos. E ele continuou curioso, ela parecia uma libanesa típica. Os olhos com os longos cílios, e aquele olhar meio perdido que ao mesmo tempo encara fundo o interlocutor, o nariz, o tom da pele. “Mas você é árabe?”
 “Meus pais são da sua terra ela respondeu”.
 “Libaneses?”
 “Sim.”
 Desceram ele e ela juntos na estação de Saint Michel e três horas depois bebiam na margem do Rio Sena um vinho e se beijavam em frente à catedral de Notre Dame. Ele mulçumano e ela judia.
 No dia seguinte ele a convidou para jantar num chinês. Ela aceitou e no terceiro dia estavam namorando. Ela acabara de chegar de Londres. Ele conhecia Paris desde criança. Ela estudava artes plásticas e ele letras.
 Duas semanas depois estavam morando juntos. Ela quis saber como era o Líbano. Ele contou histórias parecidas com as da avó dela. As praias de Beirute com as montanhas cobertas de neve atrás. Os cedros que há milênios viram os Fenícios saírem com seus barcos. Os macedônicos conquistarem Bybolus. Os Romanos construírem Balbeck. Saladim recuar dos cruzados. Depois os bizantinos, os islâmicos.
 Ela chorou ao ouvir do vale do Becka e seus vinhedos. Sua avó querida tinha tanta saudade daquela terra.
 Um dia quando ela chegou em casa, a bandeira de Israel que ela guardava na mala estava pendurada na parede. Ela sabia o quanto aquele gesto era uma prova de amor. Mas ela retirou a bandeira e colocou um pôster do Matisse no lugar. Bem em cima do piano dele.
 “Aqui nesta casa somos eu e você.” Ela disse.
 Chegaram à conclusão de que as avós cozinhavam a mesma comida. E ele perguntou ao pai por telefone se o pai conhecia a família dela. Sim, a irmã do pai, sua tia fora amiga da tia dela quando as duas eram garotas em Beirute. O pai apesar de liberal não gostou do filho se envolver com ela.
 Ele lia livros budistas. E ela a biografia de São Francisco de Assis.  
 Um dia ele foi a uma festa, ela ficou em casa, precisava estudar. Um Italiano nessa noite perguntou pela sua maravilhosa irmã. “Mas eu não tenho irmã.” O italiano esperto como todo italiano logo percebeu a gafe e se retirou.
 Realmente eram muito parecidos ele e ela. Os parisienses mais sensíveis acreditavam tratar-se, o casal,  de  libaneses cristãos. Ou no máximo irmãos Argentinos.
 Foi o melhor ano da vida dos dois. Iriam passar algumas semanas com suas famílias e retornariam para casa, em Paris. Para se casarem.
 Um acontecimento imprevisível fez com que ela fosse chamada ao norte de Israel para ajudar seu país.
 Conversaram pelo skype. Ele estava a menos de 200 quilômetros em Beirute.
 “Feliz ano novo cristão ela disse.”
 “Feliz ano novo cristão”. Ele respondeu e depois riram.
 Ela pediu que ele tomasse cuidado e evitasse passar por qualquer ponte. Ele disse que o seu bairro era mais seguro que a Europa.
 Ela colocou o uniforme por cima da sua camiseta Gap. E tomou seu café do Starbucks.  Ele colocou o cachecol da Zara que ela lhe dera. Depois com a estrela de David dela no bolso para protegê-lo seguiu no Audi da família para uma balada.
 Ela entrou no seu turno. Era responsável como muitas meninas pelo rádio do exercito.
 Ele estava na noite de Beirute. Considerada a melhor noite do mundo, claro quando se tem dinheiro. Na pista e já bêbado sentiu sua perna queimando. Com o som da pista não ouvira o barulho dos caças. Depois não sentiu mais nada.
 Ela só ouviu a sirene antimíssil e depois não ouviu mais nada, não teve tempo de correr.
 Ela tinha vinte e dois e ele vinte e quatro.  

 Explicações:

 A primeira vez que fui a Beirute, há uns 12 anos, parecia uma cidade arrasada por um meteoro, ou terremoto. Ela estava saindo da Guerra civil. Voltei há uma semana e começo a concordar com o poeta Khalil Gibran:
 “Beirute mil vezes destruída, mil vezes reconstruída”.
 Minha bisa avó morreu no navio a caminho do Brasil. Nunca se soube ao certo a causa da morte. Seu corpo foi jogado ao mar na costa da África. Ela não tinha vinte anos.
 Meu avô, seu irmão e irmã chegaram muito crianças ao porto de Santos aonde meu bisa avô João Chacra, homem muito bonito, esperava por eles sem saber que a esposa morrera. Meu avô começou a trabalhar com oito anos e meu pai talvez tenha sido em milênios no nosso ramo dos Chacra o primeiro a conseguir se formar numa universidade. Sendo que a universidade Americana de Beirute é de 1864.
 Meu avô Adib Chacra, diferente da minha avó, nunca voltou ao Líbano. Gostava de arroz e feijão e se considerava Brasileiro. Dizia para o meu pai que era bom fazer negócio com Judeus, pois é um povo muito honesto.
 Sempre tive uma relação de tristeza com o Líbano. De pena dele. Não me considero Libanês, nem o poderia, não o sou. Tristeza por que sempre estão destruindo Beirute. Por outro lado um pequeno país de três milhões e meio de habitantes que sobrevive no meio de uma miscelânea cultural e bélica, sendo que ele, o Líbano passou por todos os períodos da história da humanidade, merece um olhar atento. Não poucas vezes acontecimentos dos mais sofisticados acontecem lá. Mesmo assim existe miséria e intolerância.
 Em 2006 eu e minha namorada na época que também é descendente de libaneses, fomos a uma manifestação na Praça da Sé para o fim dos bombardeios Israelenses sobre o Líbano.
 Ao chegar lá, alguns manifestantes nos cercaram na escadaria. Demorei em entender o que estava acontecendo. Queriam saber quem éramos. Uma menina se aproximou e disse para os outros:
 “Ele e ela são os únicos cristãos aqui.”
 E realmente éramos. As dezenas de outras pessoas em frente à Catedral metropolitana eram mulçumanas. Foi aí que eu entendi. O Líbano é tão cristão, quanto islâmico, quanto judeu.
 Acredito que num curto espaço de tempo vai estar na moda ser Árabe. Ou ainda árabe vai estar na moda. Seja árabe, islâmico, judeu, cristão, ateu ou até árabe budista. Porque o que faz uma pessoa ser árabe não é a religião. É antes de tudo a língua, a curiosidade, o olhar e principalmente, acreditem ou não, a fraternidade. Vale! 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Vinte anos.


 Bruno estava decidido iria terminar o namoro. Só não sabia se antes do francês ou depois. Conhecera Gabi no cursinho. Magra, alta e linda. Todos eram apaixonados por ela, inclusive os professores e até algumas professoras. 
 Um dia ela lhe disse que ele deveria ter um estilo, faltava isso nele. Estilo? Mas estilo é pra gente com grana e alta. Eu sou duro e baixinho, foi o que ele pensou. 
 "Veja eu, por exemplo. Eu sou uma Roqueira da Daslu. Entendeu? Esse é o meu estilo." Ela declarou.
 "Eu sou um cara que gosta de carro, de cerveja e futebol." Ele se defendeu.
 "Mas você nem tem carro, usa o do seu irmão." Ela contra atacou. 
 Meses depois, bêbado de sono, ele vê Gabi entrar na sala de aula, completamente mudada. Cabelo fashion, esmaltes fortes, colares e roupas modernetes, não era mais uma roqueira e sim uma budista-contemporânea, como ela mesma se definiu. Depois vieram as tatuagens. O sexo também mudou, Gabi dizia que ele era menino e não fazia nada direito. Ficou mais burocrático também. 
 Conheceu então Marcela. Uma mina muito simpática, que sentava atrás dele. Corinthiana adorava uma cerveja e um sambão. Gostava de carros e principalmente caminhões. 
 Um dia ele levou Marcela pra casa. Depois de um dogão ela abriu o jogo:
 "Quer saber acho a sua mina meio sem bunda." 
 Meu Deus! Foi aí que ele se deu conta, Marcela era um amigo. Marcela tinha um puta estilo. Algo under-ground. Mas era um amigo. 
 Era de tarde um dia de verão. O porteiro talvez tivesse avisado a empregada que ele ia subir. Mas naqueles tempos as coisas eram menos paranóicas. Será? 
 Gabi pega de surpresa o recebeu na porta.
 "Olha Gabi eu andei pensando... O problema é comigo não com você... Deixa eu entrar." Tentou forçar a porta. Mas Gabi segurou.
 "Depois a gente conversa. Você não tinha aula de francês agora?" 
 Quando ela ia empurrando a porta, ele vê o Mário vindo sem camisa. Ma o que o Mário seu amigo estaria fazendo na casa da sua namorada de tarde? Vindo dos quartos e sem camisa? 
 "Depois a gente a conversa." Ela disse isso e fechou a porta. 
 Hoje dezesseis anos depois vi Gabi num restaurante sofisticado dos jardins. Ela estava de shorts jeans e uma bonita camisa. Segurava uma bolsa bem cara e continuava bem apresentável. Mas muito magra. Não havia estilo nenhum, nem nada que não a fizesse uma balsaca alienada, vazia,  com um toque de perua elitista. 
 Aos vinte anos todos olhavam pra ela. Hoje todos devem olhar e imaginar que menina linda deve ter sido aos vinte. 
 Daquele tempo de cursinho vejo muito a Marcela. Ela sempre me dá um oi discreto. Ela é umas das principais formadoras de opinião em moda do país. 
 Mário está praticamente careca e com dois filhos. Já o Bruno, de dois em dois anos, eu o encontrava com diferentes novas namoradas de vinte. Não o vejo faz tempo. 
 Certa vez nós cinco fomos para a Bahia. Já tínhamos vinte anos e cada um numa faculdade diferente. Conhecêramos-nos no cursinho. 
 Sonhávamos com um Brasil de esquerda. E quatro de nós sonhavam com Gabi. 
 Enquanto ela discutia com a jovem hostess  de vinte anos eu me aproximei. Ela me deu oi, me olhou de cima pra baixo, depois se virou e junto com uma amiga falavam ao celular e discutiam com a hostess. 
 Gabi não me reconheceu. Cheguei em casa me olhei no espelho e também não me reconheci. 
 Onde está aquele jovem de vinte anos que disse naquele verão na Bahia que seria diretor de cinema? Que mudaria o Brasil? Transformaria o mundo. Será que era só mais um bêbado? 
 Abro então o facebook e lá está a mensagem de Gabi:
 "Você Leonardo continua o mesmo."
 "O mesmo?" Eu respondo a menssagem.
 ”O mesmo convencido. As minhas amigas te acharam um gatinho. Eu fiquei até nervosa, quase desmaiei. Você não mudou nada, me fez lembrar até daquele verão na Bahia que eu ficava com aqueles dois horrorosos só pra ver se você me notava. E você sempre escorregando... Até budista eu já fui pra ver se te agradava!!! Até roqueira. Lembra? Enfim adorei te ver. Quando quiser tomar um café, me ligue 9632-4892. 
 E a propósito você sabia que o Marcelão agora manda na moda do Brasil? Podíamos juntar todos de novo, né? Beijo e adorei te ver. Pena que vc... Beijo sabonete!”
 O que eu concluo que talvez eu não fosse tão revolucionário aos vinte anos. E que embora não soubesse não me faltava nada. Estilo nenhum.