Conheceram-se no metro de Paris. Ele viu aquela menina linda e sozinha, que parecia perdida folhando um guia turístico. Ela percebeu aquele moço atraente a observando. Ele se aproximou e falou em árabe. Ela respondeu em inglês que seu árabe era ruim. Ele, como todo árabe que é sempre curioso, perguntou de onde ela era.
Ela como toda menina judia que fica sem jeito de responder, assim... Tão rápido, disse meio com receio: “Israelense”. Ele por um segundo ficou sério. Depois sorriram juntos. E ele continuou curioso, ela parecia uma libanesa típica. Os olhos com os longos cílios, e aquele olhar meio perdido que ao mesmo tempo encara fundo o interlocutor, o nariz, o tom da pele. “Mas você é árabe?”
“Meus pais são da sua terra ela respondeu”.
“Libaneses?”
“Sim.”
Desceram ele e ela juntos na estação de Saint Michel e três horas depois bebiam na margem do Rio Sena um vinho e se beijavam em frente à catedral de Notre Dame. Ele mulçumano e ela judia.
No dia seguinte ele a convidou para jantar num chinês. Ela aceitou e no terceiro dia estavam namorando. Ela acabara de chegar de Londres. Ele conhecia Paris desde criança. Ela estudava artes plásticas e ele letras.
Duas semanas depois estavam morando juntos. Ela quis saber como era o Líbano. Ele contou histórias parecidas com as da avó dela. As praias de Beirute com as montanhas cobertas de neve atrás. Os cedros que há milênios viram os Fenícios saírem com seus barcos. Os macedônicos conquistarem Bybolus. Os Romanos construírem Balbeck. Saladim recuar dos cruzados. Depois os bizantinos, os islâmicos.
Ela chorou ao ouvir do vale do Becka e seus vinhedos. Sua avó querida tinha tanta saudade daquela terra.
Um dia quando ela chegou em casa, a bandeira de Israel que ela guardava na mala estava pendurada na parede. Ela sabia o quanto aquele gesto era uma prova de amor. Mas ela retirou a bandeira e colocou um pôster do Matisse no lugar. Bem em cima do piano dele.
“Aqui nesta casa somos eu e você.” Ela disse.
Chegaram à conclusão de que as avós cozinhavam a mesma comida. E ele perguntou ao pai por telefone se o pai conhecia a família dela. Sim, a irmã do pai, sua tia fora amiga da tia dela quando as duas eram garotas em Beirute. O pai apesar de liberal não gostou do filho se envolver com ela.
Ele lia livros budistas. E ela a biografia de São Francisco de Assis.
Um dia ele foi a uma festa, ela ficou em casa, precisava estudar. Um Italiano nessa noite perguntou pela sua maravilhosa irmã. “Mas eu não tenho irmã.” O italiano esperto como todo italiano logo percebeu a gafe e se retirou.
Realmente eram muito parecidos ele e ela. Os parisienses mais sensíveis acreditavam tratar-se, o casal, de libaneses cristãos. Ou no máximo irmãos Argentinos.
Foi o melhor ano da vida dos dois. Iriam passar algumas semanas com suas famílias e retornariam para casa, em Paris. Para se casarem.
Um acontecimento imprevisível fez com que ela fosse chamada ao norte de Israel para ajudar seu país.
Conversaram pelo skype. Ele estava a menos de 200 quilômetros em Beirute.
“Feliz ano novo cristão ela disse.”
“Feliz ano novo cristão”. Ele respondeu e depois riram.
Ela pediu que ele tomasse cuidado e evitasse passar por qualquer ponte. Ele disse que o seu bairro era mais seguro que a Europa.
Ela colocou o uniforme por cima da sua camiseta Gap. E tomou seu café do Starbucks. Ele colocou o cachecol da Zara que ela lhe dera. Depois com a estrela de David dela no bolso para protegê-lo seguiu no Audi da família para uma balada.
Ela entrou no seu turno. Era responsável como muitas meninas pelo rádio do exercito.
Ele estava na noite de Beirute. Considerada a melhor noite do mundo, claro quando se tem dinheiro. Na pista e já bêbado sentiu sua perna queimando. Com o som da pista não ouvira o barulho dos caças. Depois não sentiu mais nada.
Ela só ouviu a sirene antimíssil e depois não ouviu mais nada, não teve tempo de correr.
Ela tinha vinte e dois e ele vinte e quatro.
Explicações:
A primeira vez que fui a Beirute, há uns 12 anos, parecia uma cidade arrasada por um meteoro, ou terremoto. Ela estava saindo da Guerra civil. Voltei há uma semana e começo a concordar com o poeta Khalil Gibran:
“Beirute mil vezes destruída, mil vezes reconstruída”.
Minha bisa avó morreu no navio a caminho do Brasil. Nunca se soube ao certo a causa da morte. Seu corpo foi jogado ao mar na costa da África. Ela não tinha vinte anos.
Meu avô, seu irmão e irmã chegaram muito crianças ao porto de Santos aonde meu bisa avô João Chacra, homem muito bonito, esperava por eles sem saber que a esposa morrera. Meu avô começou a trabalhar com oito anos e meu pai talvez tenha sido em milênios no nosso ramo dos Chacra o primeiro a conseguir se formar numa universidade. Sendo que a universidade Americana de Beirute é de 1864.
Meu avô Adib Chacra, diferente da minha avó, nunca voltou ao Líbano. Gostava de arroz e feijão e se considerava Brasileiro. Dizia para o meu pai que era bom fazer negócio com Judeus, pois é um povo muito honesto.
Sempre tive uma relação de tristeza com o Líbano. De pena dele. Não me considero Libanês, nem o poderia, não o sou. Tristeza por que sempre estão destruindo Beirute. Por outro lado um pequeno país de três milhões e meio de habitantes que sobrevive no meio de uma miscelânea cultural e bélica, sendo que ele, o Líbano passou por todos os períodos da história da humanidade, merece um olhar atento. Não poucas vezes acontecimentos dos mais sofisticados acontecem lá. Mesmo assim existe miséria e intolerância.
Em 2006 eu e minha namorada na época que também é descendente de libaneses, fomos a uma manifestação na Praça da Sé para o fim dos bombardeios Israelenses sobre o Líbano.
Ao chegar lá, alguns manifestantes nos cercaram na escadaria. Demorei em entender o que estava acontecendo. Queriam saber quem éramos. Uma menina se aproximou e disse para os outros:
“Ele e ela são os únicos cristãos aqui.”
E realmente éramos. As dezenas de outras pessoas em frente à Catedral metropolitana eram mulçumanas. Foi aí que eu entendi. O Líbano é tão cristão, quanto islâmico, quanto judeu.
Acredito que num curto espaço de tempo vai estar na moda ser Árabe. Ou ainda árabe vai estar na moda. Seja árabe, islâmico, judeu, cristão, ateu ou até árabe budista. Porque o que faz uma pessoa ser árabe não é a religião. É antes de tudo a língua, a curiosidade, o olhar e principalmente, acreditem ou não, a fraternidade. Vale!
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