Ontem eu fui visitar um grande amigo de vinte anos que acabou de ter uma filha que se chama Paulinha. Cheguei bem na hora do jantar. Ele estava com a mulher, à sogra e a Paulinha num berço.
Perguntaram-me o que eu achava da menina. Se ela não tinha o nariz e os olhos do meu amigo e bochecha da mãe?
Fiquei lá imaginando se não se trocam as crianças em maternidades como fazem às vezes em chapelarias.
Sentamos para jantar e depois toca o meu celular.
Era ela. Mais de dez anos depois. Fico sempre feliz em ouvir a voz dela. Há algum tempo não nos falávamos. Não acho que um relacionamento de amor acabe por completo. E antes que isso fique filosófico demais vamos ao ponto.
Qual é o ponto mesmo? Eu não sei o que me faz nostálgico.
Seria talvez aquele menino que ela dizia ter se apaixonado, por não trocar a mesma calça nunca? Por não cortar as unhas e não tomar banho? Por ser um desocupado que acreditava que seria um grande ator de teatro? Ou seria por aquela menina apaixonada por mim e por arte? Qual dos dois eu sinto falta?
Acho que dei sorte. Até hoje quando vejo uma linda menina de 20 anos, eu penso: Nossa! A minha primeira namorada era ainda mais linda e mais estilosa. Era não. É.
Meu amigo está com a mulher dele há dezesseis anos. Tem a minha idade e se eu estivesse com a minha primeira namorada estaríamos provavelmente com isso também.
Eu tive muitas outras namoradas e ele sempre à mesma. Temos a exatamente mesma idade eu e ele.
Será que se eu tivesse passado no teste do CPT do Antunes a minha vida seria outra? Para o leitor que não sabe, tanto hoje como há dez anos, trabalhar com o diretor Antunes Filho, era um sonho e uma ambição para os jovens atores.
Onde eu estaria se eu tivesse passado no teste? De uma coisa eu sei com certeza. Eu não teria este blog e nem seria dramaturgo. Seria sim um ator realizado.
Mas ela não me abandonou. Ela diz que fui eu que a abandonei muito antes. Mulheres...
E se nós nos conhecemos hoje? Eu e ela. Será que iríamos nos apaixonar? Minha opinião é que sim. E se o Antunes montasse um texto meu hoje? Daria certo? Seria igual à emoção de ter passado no CPT?
Agora em qual circunstancias eu poderia conhecê-la? Como?
Será que se eu lesse Dom Quixote hoje, eu gostaria do livro? Será que se eu assistisse Antunes Filho hoje eu gostaria? Será que já gostei de Antunes?
Nesta época há mais de dez anos eu tinha esta primeira namorada. Mas tinha também uma melhor amiga. Uma atriz. Ficávamos para cima e para baixo. E para todos os lados. Quando eu não estava com a namorada eu estava com a melhor amiga.
Ela, a amiga, me levava assistir ao grupo TAPA. E deste eu sempre gostei, hoje e ontem.
Um dia eu e amiga brigamos. Éramos da mesma classe na escola de Teatro. Como não existe ex-amiga, concluo que estamos brigados até hoje. Um dia nós ficaremos de bem.
Agora o que é uma primeira namorada? No fundo uma professora, uma amiga, um obstáculo. Eu tive sorte.
Mas meu amigo eu acredito, mais sorte ainda. Casou com a primeira namorada.
“Eu não vou mais namorar você.”
Estávamos na cama dela. Eu ri. Nunca até hoje uma mulher foi tão apaixonada. Tão visceral. Tão ciumenta. Tão sensível. Tão violenta. Tão generosa. E tão corajosa.
Sim ela já tinha outro. Sofri. Agradeci. Não tenho nenhum ressentimento. Tenho saudades daqueles tempos. Mas tenho a alegria de ter deixado passar tudo isso.
Só não sabia que três outras primeiras namoradas viriam depois da primeira.
Confuso leitor? Digo, está confuso isto, leitor? Não é não. É um eterno retorno. Mudam-se os olhos, o nariz, a boca, a voz, mas ela está lá. Sempre a primeira.
E nos damos conta de que não aprendemos nada. Não apanhamos o suficiente. E achamos que nunca amamos tão intensamente.
E um dia sem querer não sei de onde você chamará uma pelo nome da outra.
E vai ter frio na barriga. E vai fazer as mesmas perguntas. E ouvirá as mesmas reclamações e discutirá a relação como se fosse a sua primeira relação.
E um dia desses sairá com a sua primeira namorada, que para mim é ainda uma menininha e ouvirá dela:
“Leo você não mudou nada.”
“E isso é bom ou ruim?” Pergunto.
E ela: “Nada. Não mudou nada. Absolutamente nada."
Que gracinha esse post, Leo!
ResponderExcluirUm dos meus preferidos, certeza! :)
Continue escrevendo...
Beijo