segunda-feira, 30 de maio de 2011

Mulher ideal.


 Jovem, linda e fiel. Quer dizer só jovem e linda. Porque fidelidade está fora de moda. Quer dizer só linda, porque jovem está muito na moda. Quer dizer só mulher, porque linda é relativo. Ou melhor, só ideal porque mulher dá muito trabalho.
 Vamos lá: Mais ou menos da minha altura, um tanto quanto de esquerda, um nariz parecido com o meu, artista...
 “Espera um pouco, esta aí é você.”
 Foi o que disse a minha psicóloga ao ouvir a minha descrição de mulher ideal.
 “Você quer namorar você?”
 Na verdade era uma lésbiquinha que eu saía na época. Há uns quinze anos atrás. A descrição que eu fazia era a dela, da menina, que naqueles tempos ainda não tinha saído do armário. Ou tinha?  Mas a doutora estava tão eufórica com a descoberta, que deixei rolar e finge que ela tinha acertado. Deixei uma psicóloga feliz. "Você quer namorar com você." Repetia.  
 Mas desde então eu observo as mulheres que me atraem e notei um padrão. O padrão é o de não existir padrão algum. É isso mesmo.
 No momento estou interessado numa menina brasileira que mora na Europa e numa européia que mora no Brasil.
 O leitor vai dizer que achou um padrão aí. Apesar de tudo elas têm algo em comum, são estrangeiras. Mesmo a brasileira é estrangeira na Europa. No que eu digo: Pura coincidência.  
 Nenhuma das duas sabe que eu estou interessado. Outro padrão? Não senhor. Porque isto é padrão do meu comportamento e não das minhas preferências.    
 A mulher ideal é aquela que você se interessa e percebe que ela também se interessou. Quanto mais você se interessa, mais ela se interessa também.
 Peguei a lésbiquinha em casa. Vamos parar com este termo politicamente incorreto e a chamarmos de Carla. Ela disse que tinha um aniversário e lá fomos nós.
 Era uma casa no Pacaembu. E só havia mulheres na festa. Eu tinha vinte anos e estava muito feliz. Rodeado por mulheres.
 Perguntei para a aniversariante se a senhora mais velha era a mãe dela.
 “Aquela senhora ali é sua mãe?”
 “Não! Aquela é a Silvia minha namorada.”
 Foi aí então que as meninas começaram a se jogar na piscina. Algumas se beijavam. Mas o meu caso com a Carla ia bem. Achei legal ela ter tantas amigas sapatonas, como se dizia na época. Nossa eu ia ter coisas para contar para a doutora psicóloga.
 A mulher ideal é aquela da qual você não sabe algumas particularidades dela.
 “Leo vamos no jogo do São Paulo quarta com as meninas?” Me convidava Carla.
 “Jo jo jogo de fu futebol?”
 “Ué ficou gago?”
 “Desculpa Carla, mas não!”
 “Você não é são paulino?”
 "Não." Eu era corintiano, quer dizer continuo sendo. E continuo detestando são paulinas, corintianos e jogos de futebol.
 Carla me disse que eu era um homem ideal, não se metia no futebol dela com as amigas. Tinha bom gosto para mulheres. Era um cara meigo, sensível e com poucos pelos.
 “Você está achando que eu sou algum objeto?” Um dia estourei.
 “Não Leo. Não vá ficar bravinho. Só estou dizendo que te acho bonitinho, fofinho e te amo.”
 Eu tinha virado um bibelô daquela Carla. E ela julgava estar com o rapaz ideal. Ela tinha um bom emprego num banco e me pagava jantares, comprava roupas. Mas eu me sentia assim um tanto sem liberdade. Sem independência.
 Aí começou que ela saía para jogar pôquer com as amigas três vezes por semana. Não ligava para saber como eu estava. Enfim começou a perder o carinho, não discutia mais a relação. Terminei. Mesmo gostando dela um pouquinho ainda.
 Nunca tive nenhuma outra mulher parecida com ela. Com a Carla. Já havia deixado a terapia há tempos, por isso à doutora psicóloga não teve contribuição nenhuma na minha decisão.
 Enfim, acho que a mulher ideal, é aquela que você se dá bem no sexo. Muito bem, todos os dias. Pelo menos no começo. É aquela que você considera seu melhor amigo. É a que te faz rir, que você quer contar várias coisas. Que você morre de saudades. Que te faz sentir emoções que você não sente com nenhuma outra.
 Na verdade é muito fácil dizer o que é a mulher ideal e não precisava desse texto todo não.
 A mulher ideal é a que você ama e que te ama também. Pronto. Valeu. 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O assédio.


 Meu amigo Thomas me liga:
 “Assediei uma personagem de Camilo Castelo Branco!”
 “Você o que? São três da manhã.” Eu digo.
 “Desce que eu estou passando.”
  Fomos para um bar e ele me conta tudo.
 “Uma atriz foi em casa, fazer uma leitura de um texto meu. Um amigo indicou. Ela é talentosa, inteligente, pura, livre e boa de coração. Sabe uma pessoa boa? Uma personagem romântica? Uma pessoa que faz tudo correto, e todos querem se aproveitar dela? Uma menina dedicada, que não sabe o quanto é linda. Uma menina... Uma menina... Sei lá uma personagem de melodrama romântico, sabe?” Ele pergunta.
 “Mas por que Camilo Castelo Branco? E não Júlio Dinis? Ou ainda Alexandre Dumas?”
 “Não sei. Só sei que eu a assediei.”
 “E como foi este assédio? Grave? Você tentou abusar dela?” Eu querendo detalhes.
 “Não. Eu escrevi um e-mail.”
 “Escreveu o que?”
 “Débora, sabe ontem quando você disse que quando vai há um espetáculo de dança ou ainda de teatro e você tem vontade de levantar da platéia e se jogar lá. De fazer. Então Débora esta é a mesma sensação que eu tenho quando te vejo.” Vira-se para mim. “Não é grave?”
 “Olha Thomas, grave... Grave, eu não diria. É cafona. É uma cantada ruim. Mas não é assédio.”
 “Não.”
 “Andy Warhol já dizia: Estamos nisso também pelo sexo.”
 Thomas de repente fica aliviado, bebe o chope e me encara com um sorriso.
 “Sábio o Andy Warhol.” Depois fecha a cara e se vira de novo para mim. “Onde você leu isso do Andy Warhol?”
 Eu não me lembrava mais. Nem se era do Andy, nem se era verdade. Me deu foi um sono.
 “É mesmo. Eu lembrei! É do Andy mesmo.” Disse o Thomas.
 Me levantei e fui pagar a conta. A menina do caixa estava com uma maquiagem muito bem feita. Cabelos presos e lindos olhos azuis. Quer dizer verdes. Lindos. Então eu digo.
 “Estes olhos lindos são de verdade?” Ela balança a cabeça, não sorri e responde.
 “São”.
 “Parabéns.” Por fim eu falo. Depois percebo que ela embora tenha se contido por fora, ela amou o elogio por dentro.
 Minha sorte foi ela não me perguntar:
 “E este Thomas é de verdade ou é um personagem que você inventou?”
 Não, ele não é de verdade. Eu inventei. Fui eu que escrevi aquilo para atriz. E provavelmente ela não é a pequena pastora das “Pupilas do senhor reitor.” Nem é menina, é uma mulher séria e determinada.
 Chegando ao carro Thomas me disse:
 “Leo se você pretende ser um grande dramaturgo vá se acostumando. As atrizes não vão se apaixonar por você. E os personagens são tão delas quanto seu.” No que eu me defendo:
 “Thomas a cantada seria muito boa se fosse dentro de uma peça.”
 DEBÓRA- Quando eu vou ao teatro ou a um espetáculo de dança, me dá uma vontade de levantar e me juntar a eles.
 ROBERTO- E eu quando vejo a tua boca Débi, me dá uma vontade de.... (Débora beija Roberto.)
 Thomas depois de ouvir.
 “Posso te perguntar uma coisa Leo?”
 “Claro Thomas.”
 “Você já pensou em escrever comédias?”
 “O tempo todo.” 

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O lado italiano delas.


 Meu pai não me ensinou nada sobre a arte da sedução de mulheres. Esta arte milenar que os italianos são mestres. Claro meu pai não é italiano, mas meu avô materno era.
 “Meu neto veja bem, tem uma freirinha que eu estou de olho.”
 Meu avô morava em frente a uma igreja católica, como um bom italiano.
 “Ela, a freirinha, é parecida com a sua prima, minha neta. Um pouco mais rechonchuda.”
 “Sei vô...”
 “Então onde é que compra a tal da camisinha?”
 “Olha vô, eu mesmo não sei nem o tamanho que eu uso.”
 “Ah! Tem este negócio de tamanho? Bom.” E deu de ombros.
 Verdade é que tanto se fala da pizza e do spaguetti contribuições da Itália pelo mundo, que esquecemos de dizer que a arte da conquista também se espalhou.
 Difundiu-se tanto que mesmo por aqui em terras brasileiras não só os homens a dominam, mas também as mulheres que eu ando saindo.
 Elas aprenderam a cozinhar uma deliciosa massa. Perguntam do que gostamos na cama. Escolhem um vinho. Elas nos ligam no dia seguinte. Tanto que ultimamente elas andam me lembrando meu avô. É.
 Mas o que eu queria mesmo falar aqui agora, como o próprio título da crônica diz é o lado italiano delas. Das italianas. Que são umas injustiçadas, porque os homens italianos têm uma fama de conquistadores e sedutores pelo mundo e para elas sobra o que?
 Eu estava no Fórum Romano que são as ruínas do antigo império Romano. Os banheiros ficam ao ar livre. São pequenas construções entre árvores que tentam ser as mais discretas possíveis. Em frente ao banheiro feminino umas dez jovenzinhas universitárias conversavam algo relacionado à Van Gogh. Sei disso porque a única palavra que entendi foi essa, Van Gohg.
 Então a vejo de longe. Eu mesmo esperava o banheiro masculino ser liberado. E estava até sem pressa porque aquelas italianinhas eram bem bonitinhas, descoladas e sofisticadinhas.
 Mas ela não se movia. Ela tinha a mesma idade das outras italianinhas. Mas esta era chinesinha.
 Ela ao mesmo tempo queria perguntar sobre o banheiro, se era uma fila e tal e ao mesmo tempo pedia desesperadamente um contato visual com uma das italianinhas. Definitivamente o povo italiano é o mais extrovertido do mundo. Um italiano não sabe o que significa timidez, por outro lado um italiano, não faz questão absoluta em se comunicar bem.
 Mas por um instante vi que uma das italianas percebeu a chinesa. Acho que a italiana pensou: “Minha avozinha tem orgulho enorme do nosso país, mas estes chineses do outro lado do mundo, estes bárbaros vão mandar em tudo. E com certeza esta chinesa nunca ouviu falar no Império Romano.”   
 E a chinesa por sua vez: “Nossa minha avó nunca saiu da China, nem minha mãe e nem ninguém da minha família veio tão longe. Veja os narizes destas meninas. É algo grande e bonito. Mas nossas roupas são as mesmas. Aliás, estas roupas são feitas na China. Mas estes narizes destas tais italianas são tão lindos.”
 Eu tentei olhar para a chinesa e poder falar que eu também era de longe. Que eu não era romano. Que eu sabia o que era ser de um país gigante e mesmo assim ser desprezado.
 Ela fazia o caminho inverso de Marco Pólo. Enfrentar aquelas meninas da sua idade que tinham aqueles narizes grandes e poderosos era um esforço gigantesco. Pensou em desistir do banheiro.
 A italianinha engoliu todo o orgulho encarou a chinesinha e perguntou num inglês todo cheio de ginga e com aquele excesso de gestos pontuais dos italianos, se era o banheiro que a outra procurava. E antes que a chinesa pudesse responder à italiana se apressou em dizer que ela a chinesa poderia passar na frente delas. Que elas estavam só fazendo hora.
 A chinesinha tirou forças sabe-se lá de onde e disse: “Thank you”.  Na verdade ela não entendera absolutamente nada do que a italiana dissera. Nem ela nem eu. Mas uma italiana é sempre tão expressiva com os gestos que ela a chinesinha foi passando pela roda das meninas.
 Parou na minha frente e eu abri caminho. Ela sorriu e me disse: “ Grazie.” E entrou no banheiro.
 As meninas italianas se animaram e começaram a falar comigo em italiano. Deveria ser algo a respeito da chinesinha que era linda. Eu sorria enquanto um menino italiano saia do banheiro e me liberava o acesso.
 Não sei se fui eu que fantasiei tudo e a atração pelos narizes das meninas italianas era, e é uma coisa minha. E não da chinesa. Elas tinham o meu nariz, a minha cor, a minha afetação gestual, meu jeito malandro, cafajeste, debochado e feliz.
 Outras meninas chinesas vieram atrás da chinesinha que saiu do banheiro num movimento leve e encontrou com as outras que riam e saíram alegres para tirar fotos pelo antigo e milenar fórum romano.
 Quando eu saio do banheiro não havia nem mais chinesas e nem mais italianas. Um vento frio soprou e parecia que se encerraria a visitação as ruínas.
 Restava ir jantar num bom restaurante sozinho e comer um spaguetti ao pesto quem sabe.
 Que vergonha se meu avô me visse nesta miséria humana. E que inveja os Romanos antigos teriam de mim. Eles viram leões, gladiadores, feiticeiros, corridas de bigornas e até o grande circo. Por outro lado nunca puderam ver um narizinho de uma chinesinha.
 E tão pouco o incrível charme de uma italiana de calça jeans e tênis All Star.
 “Scuzzi!”
 Olho para trás e lá estão elas as italianas. Perguntam-me se eu sei a que horas fechava a exposição do Van Gohg?
 “Van Gogh? I just love him.”
 Eu disse, enquanto as três italianas riam de um jeito sacaninha igual meu avô me ensinara.     
 “Love?” Disse a mais baixa de um jeito muito, mas muito sarcástico.
 Tchau bella. 

domingo, 8 de maio de 2011

Meu lado mais que gay.


Minha estréia profissional no teatro se deu como iluminador. Eu era o técnico que iluminava o espetáculo, ou ainda o operador de luz. Ao meu lado na cabine, ficava a operadora de som. Hoje, aliás, excelente diretora de teatro.
 Ocorre que certo dia, casa lotada, lá pro meio do espetáculo, o contra-regra entra na cabine e diz que a atriz que fazia a personagem da velha senhora havia desmaiado. Mas que ele tinha ordem de mandar continuarmos, porém que não estranhássemos nada que pudesse ser diferente em cena.
 Diferente? Lembrei disso esta semana que passou. Eu bebia com uma amiga que mora no Rio e outra menina que trabalha com ela. Tomamos muitos chopes e cachaças e lá pelas tantas as duas me xingaram de homem.
 “Ah você diz isso porque é homem. Você faz isso porque é homem e age como um homem.”
 Pra mim não existe ofensa maior do que me chamar de homem.
 “Mas eu sou tão sensível e feminino! Eu sou diferente de um homem heterossexual chato.”
 Daí a minha amiga lembrou que a minha toalha continuava intacta e que logo fazia já dois dias que eu não tomava banho.
 “Claro é porque eu tenho ido à praia. Então pra que banho?” Argumentei.
 “E você não escova também os dentes antes de dormir.” Ela ainda somou mais esta característica. “Hetero e hippie!”
 “E desde quando você se tornou tão mulher assim?” Minha amiga não gostou da grosseria. E baixou o olhar.

 O contra-regra volta e diz: “Ela morreu! A atriz que faz a velha senhora morreu. Mas o espetáculo vai até o fim.”

 Chegando ao apartamento minha amiga e eu, ambos em silencio. Eu servia-me ainda de outra dose de cachaça, e ela quebrou a paz:
 “Desde quando eu não sou mulher?”

 O piano da temporada era lindo. Até hoje escuto a música tema na cabeça. Também foi uma temporada toda. E chega à hora final da peça, o grande monólogo da velha senhora. Dou a luz e ninguém entra.

 “Eu quis dizer que você está parecendo uma daquelas mulheres do interior.”
 “Leo eu sou mulher.”
 Eu adoro e amo muito a minha amiga. Mas ela é tão mulher quanto eu sou homem.

 Uma jovem atriz do elenco entra em cena. Era uma menina que depois vim, a saber, que ela assim como eu de tanto ouvir, dia após dia o monólogo já o sabia de cor.  
 Não havia diferença naquela menina e na atriz mais velha. Claro que uma distancia de anos. Acontece... Acontece que ambas eram mulheres. Assim como eu sou tão homem quanto um homem gay. Nem mais e nem menos.  

 No dia seguinte jantávamos eu, a minha amiga e mais quatro amigos homens e gays na casa de um deles em Copacabana. Foi o dia em que o STF aprovou a união estável homoafetiva por unanimidade. Um deles, dos amigos tocou na notícia que os deixara felizes. Mas logo mudaram de assunto.

 Com certeza fui eu quem ficou mais emocionado com este acontecimento. Eu até chorei. Porque eu tenho este meu lado. Este meu lado que é mais que gay.