sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Nova antiga Praça. Para sempre Roosevelt.


Antes de conhecer o Teatro do Satyros localizado na Praça Roosevelt eu conheci o
N.Ex.T. , um tetro próximo dali na Rua Rego Freitas. Na época o N.Ex.T. tinha outra proposta. Lá acontecia o Terça Insana, quando este espetáculo ainda era um tanto quanto off.
 Mas no fim tanto o Satyros quanto o N.Ex.T. têm mais ou menos a mesma configuração. Um bar na frente e um pequeno auditório nos fundos.
 A minha memória mais antiga da Praça Roosevelt foi quando meus pais me levaram num antigo cine clube que ficava onde hoje é o Teatro do Ator. Assistimos ao “Carteiro e o Poeta”. Acho que eram os anos 80. Lembro que gostei muito lugar.
 Meu pai sempre foi um pioneiro e garimpeiro cultural. Ele frequentava o Teatro de Arena nos anos 60, também ali perto. Outro dia descobriu um novo cine clube, acho que se chama “Matilha”, ali mesmo na Rego Freitas, galeria de arte na frente e cinema aos fundos.
 Mas voltando. Há uma década, o Satyros aportava na Praça Roosevelt. O lugar tem prédios que me lembram os de Buenos Aires.
 No começo ficávamos bebendo nos Satyros e depois também nos Parlapatões. Antes e após as apresentações de teatro.
 Eu achava a rua que separa os teatros e bares da Praça propriamente dita, uma fronteira do mundo encantado. De um lado a ficção da dramaturgia, feita com a luz do palco e os atores, do outro aquele lugar sinistro, com árvores antigas, construções que lembravam ruínas futuristas, nunca tínhamos a visão do todo da praça, pois a praça ficava elevada em relação aos teatros e bares.
 Terça feira passada fui à praça. Ver de perto a famosa e esperada revitalização. Não amei. Me lembrou vagamente o concreto do Memorial da América Latina.
 O lugar agora tem a mesma intensidade de luz à noite quanto de dia. Claro que para uma metrópole que sofre com o pesadelo da violência e das precárias condições dos aparelhos urbanos, a população sai ganhando.
 O lugar estava lotado, pela primeira vez vi mais gente na praça do que nos bares.
 Acontece que para mim, que era um frequentador que ia uma vez a cada duas semanas, quando não estava eu mesmo em cartaz, o pesadelo sumiu, mas sumiu também parte de um sonho.
 Aquele lugar sombrio, sinistro, fantástico, um bosque mágico e perigoso no centro de São Paulo, deu lugar a um horizonte que me lembra as orlas de Santos, Recife, Caraguatatuba... Só não há o mar no final. 
 E com isso tenho a certeza que aquele lugar nunca foi o que foi, por conta só da arquitetura e do urbanismo.
 Aquela praça é o que é por conta das pessoas. Por conta do acaso de juntar uma rua com prédios Portenhos, teatros alternativos, como o La Mama de NY, que não tem o mesmo charme do Satyros. Com o circo dos Parlapatões, com as atrizes gatinhas andando lado a lado com as garotas de programa bonitinhas.
 Com pessoas de todo o Brasil, com influencia, de arquitetos como Rino Levi, Niemeyer e  Artacho Jurado.
 Eu queria que algum Paulistano parecido em alma, como o Nova Yourquino Wil Eisner, autor da Avenida Dropsie, contasse todas as décadas da Praça da Roosevelt. Seus movimentos, sua arquitetura, e principalmente os personagens. Sonhadores, boêmios, prostitutas, viciados, poetas, descolados, moderninhos, políticos, curadores, dramaturgos, roqueiros, sambistas e belas moças.
 Que venha uma nova década, que venham outros jovens. Quero que daqui uns vinte, ou trinta anos, eu volte a Praça Roosevelt e veja jovens curtindo a noite, sem pressa de ir para casa, para ter acordar cedo no dia seguinte.  
 Vou lembrar das minhas noitadas. Lembrar do encantamento. E imaginar que na praça existam seres mágicos e segredos escondidos. Mesmo porque as mudas plantadas hoje serão árvores fortes, enormes e cheias de histórias para contar neste dia.
 Quem sabe neste dia, um texto meu, seja montado por um grupo destes jovens.  
 E que depois da apresentação, iremos ao Planeta`s jantar, na Rua Augusta e voltaremos para Praça, para beber. Beber até o sol nascer. Viva!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Testemunho de um arrastão.


Estávamos ainda aguardando os pratos. Eu e minha namorada, jantávamos num restaurante Árabe descolado na Vila Madalena. Eu a havia buscado no trabalho, uma produtora de vídeo, bem perto da Rua Girassol, onde agora nos encontrávamos.
 Era uma noite feliz. Não tínhamos brigado, a paixão estava rolando no ar. Nos entendíamos tão bem. Vi uma conhecida na mesa ao lado. Ela parecia estar num encontro. Dei um oi de longe.
 Como nossa mesa era na porta, e outra mesa ficara vaga, os garçons gentilmente nos ofereceram trocar de mesa. No caminho para nova mesa, agora encostada na parede, parei alguns segundos, para conversar um pouco com a minha velha conhecida. Noite calma. O lugar tem uma atmosfera que mistura oriente com Vila Madalena, de um jeito contemporâneo.
 Em filmes, ou mesmo no circo e no teatro, as atrações são anunciadas. Um arrastão, um assalto, são uma cena, com começo meio e fim. Independente do estilo. Causa tensão.
 Mesmo quando se é só uma foto, ou um pedaço de cena, a platéia, ou o espectador tem de entender, que um personagem está roubando o outro.
 Foram só três minutos. Sem anuncio, sem trama, sem líder, sem organização alguma.
 O que eu senti? Posso afirmar que não foi síndrome de Estocolmo. Sei lá o que as pessoas sentem. Mas pra mim... Como dizer?
 Eu posso reproduzir este três minutos. A posição em que eu fiquei. Tudo o que eu pensei. Onde estava cada mão, pé. O que eu sussurrei para a namorada. Enfim tudo. Tudo o que eu vi e ouvi. As cores, as vozes... Mas como somos ensinados desde cedo para não reconhecer rostos e eu fiquei olhado para o meu prato vazio, logo não me é possível reconhecer ninguém.
 De tanto ler e ouvir sobre arrastões, não demora tanto tempo para sacar que você está fazendo parte de um. Como vítima.
 Não sei se é treinamento do Teatro. Mesmo porque até no teatro dizem que eu sou muito calmo. E acho que quanto maior o perigo mais calmo eu fico.
 Acontece que antes de entrar em cena, nos preparamos. Mesmo para um stand-up, ou show de palhaço. E se não rirem? E se não baterem palma? Bom, se não baterem palma eu não vou morrer por isso, correto?
 Andar de avião, praticar um esporte radical... Mas para tudo isso há um preparo, nada é assim de surpresa. Por maior que seja a adrenalina, já estamos aquecidos.
 O que eu quero dizer, e isto é algo muito particular. É que quando acabou o assalto e aqueles cerca de oito ou dez homens armados se foram, ficou uma sensação de quero mais.
 Já ouvi que jogadores de cassino são viciados na emoção de quando os dados ainda não pararam.
 Bombeiros, policiais, assaltante de bancos, soldados, eles têm esta emoção. Uma mistura de medo e prazer. Final de Copa do mundo, olimpíadas e resultado do vestibular são alguns exemplos.  
 Nestas horas ficamos totalmente livres. Esquecemos se estamos bem vestidos. Esquecemos nossa doença, nossa dor de amor, dívidas e até a eleição.
 Uma vez quando sofri um sequestro relâmpago, achei que iam me matar, e senti pena de mim, porque estava escrevendo uma peça de teatro e não poderia terminá-la.
 Mas dizer isso ao seu assassino:
 “Veja bem, você não pode me matar porque ainda não terminei de escrever a minha peça de teatro. Ela pode ser uma obra prima da dramaturgia nacional.”
 Acho que não é um bom argumento.
 Não acho que existam duas versões, para caracterizar um arrastão. Uma de esquerda e outra de direita. Sem maniqueísmo. Existe uma só. Quem pega em armas para realizar um ato banal dentro da democracia, é porque gosta dessa sensação.
 Acredito que seja muito mais forte que qualquer droga. Porque vem do nosso próprio corpo. Vicia. Liberta.
 Ruim é a expectativa. “Será que vão me assaltar se eu parar no sinal vermelho?”
 Durante é até um alívio. “Pronto finalmente aconteceu.”  
 Não gosto de pensar como sociólogo, porque eu não sou, nem tenho acesso a pesquisas ou a trabalhos sobre comportamentos sociais e tal.
 Mas querer substituir esporte, lazer e cultura pela violência, é uma tarefa muito árdua.
 Para não dizerem que sou um louco, digo que sexo ainda é bem melhor do que jogar entre a vida e a morte. Mas que essa adrenalina de um arrastão, é muito melhor do que um medinho controlado de parque de diversões e filminhos de terror. Ah! Isso é. 
 Não desejo que me aconteça de novo. Foi uma lição. Para eu entender que nem tudo é racional.
 Bom e para terminar, sou sim a favor de excluir um cidadão que ameaça outros com uma arma, do convívio da sociedade.
 Ainda mais quando eles são desconhecidos entre eles. Vítima e criminoso. Eu sempre estarei do lado da vítima.
O assalto acabou. Eu e minha namorada jantamos. Comida maravilhosa. No caminho para o carro, cruzamos com um grupo de Portugueses moderninhos bebendo vinho e rindo na calçada.
 Para a surpresa da minha namorada, eu contei ao grupo sobre o assalto, o arrastão, a um quarteirão dali. Eles se solidarizaram conosco e ainda nos chamaram pra ir a Mercearia São Pedro beber.
 Foi quando o Leo civilizado voltou e pediu para o Leo bárbaro sair. O curioso é que o Leo bárbaro é calmo, contido, frio, dissimulado, coordenado, rápido e feroz.
 Já o Leo civilizado é histriônico, comunicativo, afetado... Uma noite linda, luar e a tranquilidade da Vila. Nem mais sinal do pequeno exército mercenário que o destino nos colocou frente a frente.
 Era dia de São Francisco de Assis.