Luciano entrou assim, por acaso, numa
livraria. Estava com o dia livre. Olhava as prateleiras, pegava alguns livros,
via por alguns segundos e os devolvia. Pela janela, um dia nublado e frio.
Não
percebeu a menina se aproximar.
“Posso ajudar?”
Não
podia acreditar naquele anjo de pele branquinha e grandes olhos verdes. Pediu
um livro do Rubens Fonseca.
“Você
quer dizer Rubem?”
“Eu
nunca sei se é Rubens ou Rubem.” Ele riu dele mesmo. Então ela sorriu e disse:
“É
Rubem. Eu lembro porque o meu pai também é Rubem.”
Ele passou
a frequentar a livraria. A estudante de psicologia e vendedora, Claudinha,
sempre estava lá. Numa outra tarde, outro dia livre de Luciano, aliás, os dias
livres de Luciano eram bem frequentes, ele pediu um Mário Vargas Llosa que
ficava bem no alto.
Claudinha, era Claudinha, pois era baixinha.
Teve de subir na escada e Luciano pode ver aquele pedaço das costas da menina
próximo a bunda, aquele que vemos quando uma menina levanta os braços.
Ele
ficou obcecado por aquele pedaço de costas branca. Voltou só três semanas
depois, já que era verão e ele acabou indo viajar para a praia. Queria contar
sobre o Mário Vargas Llosa. E qual não foi a sua surpresa ao ver a livraria
fechada. Iriam construir um prédio no local. É o que um dos engenheiros que
estava lá lhe disse.
“Mas e
a Claudinha?”
O
engenheiro disse que não sabia de nenhuma Claudinha. E que também não tinha o
telefone do antigo dono da livraria.
Passaram-se
vinte anos. Luciano agora era um advogado, sócio de escritório renomado.
Foi para
um bar beber num fim de expediente. Pediu uma caipirinha de cachaça mesmo. Outro
sócio passou no mesmo instante em que ele fazia o pedido. E comentou aquilo com
um gesto de deboche:
“Cachacinha
né Doutor Luciano?” Gargalhou e seguiu para outra mesa.
Aquilo
o aborreceu demais. Mas escondeu a raiva. O celular toca, é sua namorada
recente, Eduarda.
Ela
aparece com uma amiga. Claudinha. A mesma Claudinha, agora psicóloga. Ficam os três
na mesa conversando e bebendo. Passam-se horas. Eduarda olha pela janela e diz:
“Adoro
este prédio.”
“Sabe
que ai era uma livraria antes?” Pergunta Luciano.
“Claro
que eu sei, eu lembro quando a Claudinha trabalhava nela”.
“Você
trabalhou na livraria que tinha aqui, Claudinha?”
“Dois
anos.”
“Espera
que eu vou lembrar o nome dela.”
“Livraria
Tavares.” Disse Claudinha. “Trabalhei dois anos nela.”
“Então
com certeza você me atendeu muito.”
Claudinha olhou bem para Luciano.
“Com
certeza sim.”
“Quanta
coisa que já existiu em São Paulo.” Suspirou Eduarda.
“Quantas
vidas e histórias.” Completou Luciano.
“Atendi
tanta gente nesta livraria.”
Neste
momento Luciano reconheceu Claudinha.
“Mas
agora eu estou te reconhecendo.”
“Eu
também to vendo que você não é estranho.”
“Das
aulas de francês, lembra?”
“Claro,
naquela escola de línguas. Nossa! Lá se vão muitos anos. Uns cem?” Ri.
“Acho
que oito.” Concluiu Luciano. “Nós falávamos de Mário Vargas Llosa.”
Claudinha não se lembrava disso, mas
concordou.
“Bem,
tenho que ir.”
Claudinha levantou-se e quando foi pegar a
bolsa, Luciano pode ver um pedaço branquinho de suas costas. Ficou fascinado
com aquilo.
Luciano e Eduarda não deram certo. Terminaram
dias depois.
Ele
acabou casando com uma sócia do escritório, que as terças e quintas, faz
terapia com uma psicóloga. A doutora Cláudia.
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