terça-feira, 29 de julho de 2014

A vizinha.

A primeira vez que eu a vi foi no elevador. Ela estava toda atrapalhada, com um carrinho de bebê. Ela não sorriu. Mas seu rosto tinha algo de simpático mesmo sem sorrir. Ela era linda, com uma boca carnuda, os olhos tristes, não era alta, e tão pouco baixa. Branca, bem branca, mas com os cabelos pretos. Talvez uma mistura de germânicos com latinos. Magra, porém com formas bem definidas.
 Ela puxou o carrinho para me dar mais espaço no elevador. Algo desnecessário, pois havia espaço suficiente. Evitou me olhar, e não sei se percebeu que eu através do espelho fiquei a observando.
 Eu havia mudado a pouco para este prédio em São Paulo. Um prédio de classe alta, mas por ser dois por andar muitos vizinhos eram casais jovens. Jovens porem ricos. O que era o meu caso, e com certeza o caso dela.
 Dias depois a vi na garagem, desta vez com uma babá, o mesmo carrinho e seu marido. Um cara alto, bem vestido, bonito, cabelos curtos. Do tipo que trabalha em uma grande empresa, e tem um cargo elevado. Ou seja, eram ricos, jovens e pelo carro, tinham muito sucesso. Um carro daqueles carros grandões que valem bem mais cem mil reais.
 Fiquei intrigado. Como seria a vida daquela mulher? Morando num condomínio circundado por favelas, e miséria. E ela passava os dias com o filho, esperando o marido chegar do escritório para a cozinheira servir o jantar.
 Um dia de frio, muito frio, resolvi ir à sauna do condomínio. Sauna masculina. Quando entrei dois homens já estavam lá dentro. Um era o marido da minha jovem vizinha. O outro um colega do escritório talvez? Outro condômino? Comecei a escutar a conversa deles.
 Meu vizinho reclamava sobre a religião da minha vizinha. Que estava o incomodando. E ele não sabia como ela educaria seu filho.
 Então minha vizinha deveria ser Judia. Foi o que eu pensei. Uma linda Judia.
 Me meti na conversa. Perguntei:
 “Sua mulher é Judia?”
 Achei que talvez os dois me achassem meio entrão, abusado. Tipo: “Quem te chamou para a conversa?”
 Mas não, ao contrário, foram solidários. Afinal como você pode ficar num espaço pequeno, e fechado, sem ouvir o que os outros dois frequentadores conversavam?
 Os dois se mostraram muito simpáticos e me disseram que não, ela não era Judia, e sim evangélica. Uma fanática.
 Muita coisa se explicou então. Uma rica evangélica. Por isso havia casado cedo. Em com certeza aquele fora o seu único homem.
 Eles me convidaram para beber nas espreguiçadeiras, já fora da sauna. Havia um garçom que nos trazia cervejas e aperitivos. Os dois riram quando contei que tivera uma ex namorada, que era budista, mas também gostava de astrologia, numerologia, cabala, umbanda, espiritismo, daime, tarô...  Eles riram muito.
 Depois de um tempo, inventei qualquer desculpa e me fui. Mas tive tempo de descobrir que Álvaro, meu vizinho de 28 anos, trabalhava num banco americano. Seu amigo, Carlos, também nosso vizinho, era um advogado, tinha 30 anos e era solteiro.
 Um dia consegui desenvolver uma conversa com ela, de novo nos encontramos no elevador. Consegui dizer que eu era do interior, trabalhava num jornal e escrevera um romance.
 “Um romance? Quero ler.”
 “Vou te enviar um”.
 Esta estúpida conversa foi bem rápida. Foi a primeira vez que a vi sorrir. Talvez ela quisesse conversar mais. Porém fechei a porta como se estivesse com pressa e o elevador seguiu para cima.
 Comecei a planejar um jeito de atraí-la. Mas minha consciência dizia que eu deveria ficar longe de uma mulher cada.
 Comecei a sair com uma garota do jornal. Uma repórter, e acabei me esquecendo da vizinha por um tempo. O porteiro disse que ela agradecera o romance e que ela estava lendo. Ótimo, mantenha-me informado. O porteiro piscou, deu uma risadinha e disse:
 “Pode deixar. Te informo já, eles estão mudando semana que vem”.
 “Pra onde?”
 O porteiro então me disse que Álvaro havia sido transferido para os Estado Unidos. E Dona Laura iria viajar na frente.
 “A empregada deles, me disse que ela viaja manhã.” Disse o porteiro.
 Foi quando eu soube o nome dela. Laura.
 E lá se vão cinco anos. E eu nunca mais soube dela.  Acontece que ontem eu a vi. No supermercado.
 “Oi Laura”.
 Ela desta vez deu um grande sorriso.
 “Você é o cara que me deu um livro pra ler?”
 “Eu mesmo”.
 “Adorei o livro”.
 Íamos engatar uma conversa, quando um homem surgiu e a chamou.
 “Tenho que ir. Bom te ver”.
 Ela empurrou o carrinho de supermercado até o homem, e saíram abraçados pelo corredor. Pude ver ele ainda dando um beijo nela.
 Segundos depois, eu reconheci o homem que nem me cumprimentara. Era o cara da sauna. Não o Álvaro, mas o outro, o Carlos. Nosso vizinho.



segunda-feira, 21 de julho de 2014

Mulher de 40 anos.

 Lucia estava ansiosa. Alguma coisa em Pedro a incomodava. A  emocionava. Algum desejo. Ela nem sabia o que era. Afinal Pedro tinha 25 anos.
 Por que ela contrataria um estagiário para seu escritório, se ela mesma estava querendo largar a Arquitetura?   
 Marcaram uma conversa num café, perto da casa dele. Ela estacionou o carro e ele que morava a um quarteirão foi a pé. Chegaram juntos.
 Ela se encantou com o sorriso dele. E Pedro parecia muito mais maduro e centrado, do que quando se conheceram na festa de uma amiga em comum.
 Falaram muito sobre arquitetura. Lucia sentia que sua voz, seus gestos, seus músculos estavam presos. E Pedro pelo contrário se soltava. Aquilo tudo começou a fazer muito bem pra ela. Aquilo tudo o que? Num determinado momento Pedro perguntou se Lucia, que era casada, não tinha vontade de sair com outras pessoas.
 Lucia, que tinha 40 anos, sete de casada, e estava de saco cheio do marido, só faltou se jogar em cima de Pedro. Mas ao invés disso, ela se saiu com essa:
 “Nós temos de abrir mão de algumas coisas, para ter outras”.
 Pedro concordou. Mas onde ela tinha tirado esta coisa puritana? Ela já tivera amantes, e uns dois casinhos. Mas não eram estagiários. Se arrependeu. Mas depois, achou que o rapaz estava só puxando papo, e nada tinha a ver especificamente com ela.
 Deve ser algo com as meninhas da academia, da balada.
 Pedro foi até o balcão pegar um salgado. Nossa que gato!
 Passaram a se encontrar todos os dias no escritório. Almoçavam juntos. A outra sócia, Cláudia, distante, estava sempre atrás da filha, por isso ia buscá-la na escola e não almoçava com os dois.
 Lucia voltou a gostar de arquitetura. Passaram-se dois meses, o agora efetivado arquiteto, começou a dizer de uma hora para outra que achava pessoas mais velhas charmosas. Pronto. Ela pensou. É a deixa.
 Apaixonou-se loucamente pelo assistente Pedro. Tudo o que ela fazia ele elogiava. Seus trabalhos, suas roupas, seu gosto musical.
 “Como você é culta Lu, aprendo tanto com você”.
 Iam a exposições, e uma tarde eles foram até ao cinema. Ela agora estava em forma. Regimão.
 Um dia após ter uma briga com marido, decidiu que ia partir para cima do rapaz. Dane-se, só se vive uma vez mesmo na vida.
 No dia seguinte, veio à revelação. Pedro confessou que estava apaixonado por uma arquiteta de 40 anos, casada. E esperou a reação de Lúcia. Esta fez um charme, deu um gole de suco, suspirou, levantou as sobrancelhas, e agiu como se já soubesse.
 “Eu sei.” Ela disse.
 O rapaz então ficou surpreso.
 “Mas a Cláudia disse que eu não poderia te contar de jeito nenhum”.

 Então naquela tarde Lucia soube. Toda aquela conversa de mulher mais velha, aquela vontade em agradar, não era outra coisa, se não porque Pedro estava tendo um caso com uma mulher casada. Era com Cláudia sua sócia, uma mulher de 40 anos. 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

A encomenda.

 A encomenda.

 Me pediram um texto sobre o lendário hotel Maksoud Plaza. O que me fez lembrar de que eu não sou um jornalista.
 Mas quem se importa. Se os contratantes não se importam, não será você leitor, que me exigirá credenciais legais, para exercer a profissão de comunicador de noticias.
 Contudo, como este texto, não fornecerá notícia alguma, tão pouco, trata-se de um texto com a precisão histórica, nem há pesquisa, e também ao que tudo indica, não há ficção tão pouco. Não tem nada? Dirá então o leitor. Tem sim.  Quer dizer sempre há ficção. Principalmente na publicidade.
 A publicidade tem mais ficção do que a própria ficção. Já reparou?
 Voltemos para o hotel. O Maksoud Plaza.
 Eu poderia dizer que é um lugar decadente, mas que já representou o que houve de melhor na sociedade moderna Paulistana.
Ai me sobraria o que? Que o hotel tem um estilo anos setenta de Nova York?
 Falar sobre o seu dono? Sempre há um dono, um empreendedor notável, que dá alma ao estabelecimento.  Falar sobre os funcionários antigos e suas vidinhas medíocres? Hospedes notáveis, o famoso: Traçar perfis.
Ah! O Maksoud...
 São Paulo já teve várias épocas a arquiteturas: Os bandeirantes, os quatrocentões, os imigrantes, migrantes... Que de tão antigos parecem estes sim ficção.
 Uns caçavam índios, eram índios, sei lá eu.
 Os outros sei lá eu por que vieram. Dizem que vieram nas tais caravelas, plantar café e ter escravos.
 Os outros para serem escravos e depois para substituírem os escravos. Contruir industrias, comércios e hotéis de luxo.
 Mas ontem fui na Pizzaria Camelo, lá estavam os bandeirantes, os quatrocentões, os italianos, os Sírios- Libaneses, os Nordestinos, nesta mistura de não sabermos mais quem é Português e quem não é.
 Inclusive comi Strogonoff. A pizzaria ao contrário não é decadente. Aliás, não é nada. Sem personalidade. Talvez por isso tantos se identifiquem. Têm tanto nada no mundo. Mas o Stogonoff estava bom e serviço também. Agora Arquitetura?
 Meu amigo mesmo disse:
 “Não tem nada de extraordinário nesta pizzaria, e, no entanto... Sempre cheia”.
 As pessoas vão lá, comem e se vão. E nada acontece.
 Ah mais o Hotel Maksoud! Este sim. Lá tem tudo. Aconteceu tudo.
 Leitor quer uma dica?
 Vá assistir ao filme o “Grande Hotel Budapeste”.
 Está tudo ali.
 Gustave, o protagonista, como é descrito pelo Lobby Boy do hotel:
 “Ele era de uma época, que quando ele nasceu, esta mesma época, já não existia mais”.
 Eu acho que o Maksoud Plaza tem muito disso. Quando o hotel foi inaugurado ele já representava uma época que não existia mais.
 Feliz nove de julho, para todos!

 I me icomenda ai uma Pizza, lindinho! Que me vou leva pra casa meu!