A primeira vez que eu a vi foi no elevador.
Ela estava toda atrapalhada, com um carrinho de bebê. Ela não sorriu. Mas seu
rosto tinha algo de simpático mesmo sem sorrir. Ela era linda, com uma boca
carnuda, os olhos tristes, não era alta, e tão pouco baixa. Branca, bem branca,
mas com os cabelos pretos. Talvez uma mistura de germânicos com latinos. Magra,
porém com formas bem definidas.
Ela
puxou o carrinho para me dar mais espaço no elevador. Algo desnecessário, pois
havia espaço suficiente. Evitou me olhar, e não sei se percebeu que eu através
do espelho fiquei a observando.
Eu
havia mudado a pouco para este prédio em São Paulo. Um prédio de classe alta,
mas por ser dois por andar muitos vizinhos eram casais jovens. Jovens porem
ricos. O que era o meu caso, e com certeza o caso dela.
Dias
depois a vi na garagem, desta vez com uma babá, o mesmo carrinho e seu marido.
Um cara alto, bem vestido, bonito, cabelos curtos. Do tipo que trabalha em uma
grande empresa, e tem um cargo elevado. Ou seja, eram ricos, jovens e pelo
carro, tinham muito sucesso. Um carro daqueles carros grandões que valem bem
mais cem mil reais.
Fiquei intrigado. Como seria a vida daquela
mulher? Morando num condomínio circundado por favelas, e miséria. E ela passava
os dias com o filho, esperando o marido chegar do escritório para a cozinheira
servir o jantar.
Um
dia de frio, muito frio, resolvi ir à sauna do condomínio. Sauna masculina.
Quando entrei dois homens já estavam lá dentro. Um era o marido da minha jovem
vizinha. O outro um colega do escritório talvez? Outro condômino? Comecei a
escutar a conversa deles.
Meu
vizinho reclamava sobre a religião da minha vizinha. Que estava o incomodando.
E ele não sabia como ela educaria seu filho.
Então minha vizinha deveria ser Judia. Foi o
que eu pensei. Uma linda Judia.
Me
meti na conversa. Perguntei:
“Sua
mulher é Judia?”
Achei que talvez os dois me achassem meio
entrão, abusado. Tipo: “Quem te chamou para a conversa?”
Mas
não, ao contrário, foram solidários. Afinal como você pode ficar num espaço pequeno,
e fechado, sem ouvir o que os outros dois frequentadores conversavam?
Os
dois se mostraram muito simpáticos e me disseram que não, ela não era Judia, e
sim evangélica. Uma fanática.
Muita coisa se explicou então. Uma rica
evangélica. Por isso havia casado cedo. Em com certeza aquele fora o seu único
homem.
Eles
me convidaram para beber nas espreguiçadeiras, já fora da sauna. Havia um
garçom que nos trazia cervejas e aperitivos. Os dois riram quando contei que tivera
uma ex namorada, que era budista, mas também gostava de astrologia,
numerologia, cabala, umbanda, espiritismo, daime, tarô... Eles riram muito.
Depois de um tempo, inventei qualquer desculpa
e me fui. Mas tive tempo de descobrir que Álvaro, meu vizinho de 28 anos, trabalhava
num banco americano. Seu amigo, Carlos, também nosso vizinho, era um advogado,
tinha 30 anos e era solteiro.
Um
dia consegui desenvolver uma conversa com ela, de novo nos encontramos no elevador.
Consegui dizer que eu era do interior, trabalhava num jornal e escrevera um
romance.
“Um
romance? Quero ler.”
“Vou
te enviar um”.
Esta
estúpida conversa foi bem rápida. Foi a primeira vez que a vi sorrir. Talvez
ela quisesse conversar mais. Porém fechei a porta como se estivesse com pressa
e o elevador seguiu para cima.
Comecei a planejar um jeito de atraí-la. Mas minha
consciência dizia que eu deveria ficar longe de uma mulher cada.
Comecei a sair com uma garota do jornal. Uma
repórter, e acabei me esquecendo da vizinha por um tempo. O porteiro disse que
ela agradecera o romance e que ela estava lendo. Ótimo, mantenha-me informado.
O porteiro piscou, deu uma risadinha e disse:
“Pode
deixar. Te informo já, eles estão mudando semana que vem”.
“Pra
onde?”
O
porteiro então me disse que Álvaro havia sido transferido para os Estado
Unidos. E Dona Laura iria viajar na frente.
“A
empregada deles, me disse que ela viaja manhã.” Disse o porteiro.
Foi
quando eu soube o nome dela. Laura.
E lá
se vão cinco anos. E eu nunca mais soube dela.
Acontece que ontem eu a vi. No supermercado.
“Oi
Laura”.
Ela
desta vez deu um grande sorriso.
“Você
é o cara que me deu um livro pra ler?”
“Eu
mesmo”.
“Adorei
o livro”.
Íamos
engatar uma conversa, quando um homem surgiu e a chamou.
“Tenho
que ir. Bom te ver”.
Ela
empurrou o carrinho de supermercado até o homem, e saíram abraçados pelo
corredor. Pude ver ele ainda dando um beijo nela.
Segundos depois, eu reconheci o homem que nem
me cumprimentara. Era o cara da sauna. Não o Álvaro, mas o outro, o Carlos. Nosso
vizinho.
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