-Luz na platéia! Para o ensaio!
Pediu o diretor. –Me desculpe, mas essa moça é muito gordinha pra fazer a Branca de Neve.
Eu como assistente e amigo da atriz argumentei que ela iria emagrecer até a estréia.
-Ok. Manda continuar. E eu:
-Continuem! Pouco depois o nosso experiente diretor manda parar novamente.
-Mas Leo, a menina é uma anã.
E novamente eu lutei pela colega e disse que os atores que fariam os anões ficariam de joelhos na montagem.
-Fiquem de joelhos. E um dos atores:
-Já estamos de joelhos. E o diretor:
-Mas eles já estão de joelhos e ela continua mais baixa que eles.
Veio-me a solução, sapatos de saltos altíssimos.
-Ok manda continuar.
-Continuem! Gritei também da platéia naquele enorme teatro à tarde.
Passados alguns minutos em que o nosso experiente diretor hora olhava para o palco, hora olhava para mim, olhava o palco, olhava para mim e falava baixo consigo mesmo. Até que ele se virou:
-Mas Leo... A moça vai fazer a Branca de Neve?
-Sim. Eu disse.
-Branca como a Neve?
-Isso.
Foi aí que mesmo eu me dei conta. Antes mesmo de o derretido diretor manifestar a sua descoberta, o produtor avança pelo teatro e grita:
-Mas a moça é negra!
A premiada figurinista, e cenógrafa, que também assistia ao ensaio e era japonesa tomou as dores e disse que a Branca de Neve não era do Disney, ou só dele era antes de tudo dos irmãos Grimm. E podia ter a forma que eles quisessem.
Às vezes eu acho que até Napoleão Bonaparte seria recusado para fazer ele mesmo no teatro. O argumento: Baixinho.
Imagino alguém dizendo a Roberto Gomes Bolanos que o texto dele é bom, mas que irão chamar um garoto de oito anos para fazer o Chaves. Ou ainda alguém falar para o Buster Keaton que ele era bonito demais pra ser um clown.
Foi numa noite de sábado, eu e ela estávamos indecisos sobre o que fazer. Ela pediu uma comédia. Dava tempo, uns vinte minutos para irmos ver: “Amigas, Pero no Mucho”. Uma comédia que havia anos estava em cartaz e eu por conta de preconceito ainda não tinha assistido. Pensava que uma comédia sobre quatro amigas, feito por quatro atores homens seria uma bobagem sem igual. Ledo engano.
Casa lotada. Chegamos em cima da hora eu e ela. Pegamos um lugar no galinheiro, lá onde à turma chama de balcão, a famosa segunda classe do teatro.
Ela estava linda de vestido solto e para minha surpresa também amou a peça.
No dia seguinte eu estava só na platéia e dessa vez ela é quem estava no palco, interpretando ela mesma. Uma das maiores cantoras do Brasil. E era preciso muito talento para interpretar ela mesmo.
Alias no palco é preciso muito talento. Existem pessoas tão excepcionais que nos fazem crer, que mesmo quando são negras ou latinas, de que elas são sim Brancas de Neves. Pra quem conhece o Dzi Croquettes então.
Pessoas que mesmo altas são anãs e mesmo anãs são gigantes. Afinal esse é o jogo, esse é o palco. Por exemplo. Esquecemos que aquela cantora, não é uma Deusa sobrenatural, feiticeira, fada, bruxa, princesa e rainha. É uma menina, meiga, às vezes tímida e às vezes uma amiga. Pero no mucho. Lamentavelmente.
“Se um diretor e uma atriz resolverem de que em determinada cena a atriz deva ficar nua, a platéia vai achar que ela nunca esteve tão bem vestida”. Ziembinski.
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