segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Maria Califórnia

Era o seu primeiro dia. Alias era o primeiro trabalho também da jovem garçonete. Ela cursava faculdade e dava esse passo em direção a sua independência. Livrar-se-ia em breve de seus pais e conquistaria o mundo. O gerente um rapaz, um pouco menos jovem, porém bonito como ela não se impressionara quando ela dissera que já havia morado na Europa e que alem do inglês, falava um pouco de francês.


Eis que em uma mesa ela vê a sua primeira oportunidade rumo a uma carreira de sucesso. Ela identifica um cliente famoso. Um escritor. Ela corre até o gerente, um tanto quanto emocionada por logo no seu primeiro momento profissional da vida ter uma atitude tão competente.

O gerente olha para o casal famoso, mas só vê um homem triste e uma mulher contida ambos bem clássicos e caretas. Diria até uns nerds.

-Tem certeza? Pergunta o gerente.

-Absoluta. Seu nome é Marshall Smello. Escreveu “Maria Califórnia”. Aquele romance cult dos anos oitenta. Você sabe qual né? Aquele que influenciou o Kurt Cobain.

-Claro. Respondeu o gerente disfarçando a sua falta de cultura tanto pop quanto literária.

O gerente mandou o jantar de cortesia, ofereceu uma garrafa de vinho e a equipe foi até lá tirar fotografias com a celebridade.

O casal desde o início não compreendeu muita coisa. O cliente estava meio desconfiado, era um tanto pessimista. A esposa já tontinha com o vinho lhe disse para se acalmar. Finalmente o seu trabalho era reconhecido. Até que o homem não se conteve e perguntou ao gerente:

-Afinal o senhor me desculpe...

-Pois não. Disse o gerente já feliz em ter a posse da foto.

-Eu tenho uma memória fraca. Quem aqui é meu paciente?

-Paciente?

-Sim porque dos animais eu nunca esqueço, mas dos donos... Às vezes o senhor sabe.

O gerente, achando que era uma pegadinha falou que era fã dos livros do homem. Esse percebeu que algo não ia bem e insistiu na história dos pacientes.

-Mas eu tenho uma clínica veterinária. Disse o homem.

O experiente gerente sorriu e disse uma mentira gentil.

-Mas eu não levo a Iolanda sempre lá.

O veterinário sem graça fingiu lembrar-se de Iolanda e o casal agradeceu e dizendo que iriam retribuir com Iolanda, fosse quem fosse e seguiram embora. Foi a primeira vez que a mulher se orgulhou do marido. Cortesia num restaurante sofisticado. Mal pisaram na rua e ela telefonou para a irmã.

Já o gerente furioso dirigiu-se a novata agressivamente pedindo explicações.

- Mas eu o vi.

-O veterinário?

-No programa do Edney Silvestre. Nisso ela vê ninguém menos do que Ney Matogrosso em outra mesa logo ali ao lado.

Ela aponta e diz: - Ney Matogrosso!

O gerente não se contendo a manda embora pra casa.

Já o cliente que fora confundido com o cantor pergunta ao gerente o que estava acontecendo. O gerente já tão atordoado resolve usar a sinceridade com o cliente.

-Me desculpe senhor, mas foi o primeiro e último dia dela aqui e entre muitas confusões ela confundiu o senhor... Imagine que louca, com o Ney Matogrosso. O cliente não riu. Aliás, ele e seu acompanhante fecharam à cara.

O gerente se afastou. Ficou com uma ponta de dúvida. Não é que aquele homem normal era parecido com Ney Matogrosso. Mas e os paetês? As plumas e as asas de borboleta? Imagine claro que não era. Pelo sim pelo não o cliente foi embora depois de ter pagado com cartão de crédito. O nome no cartão? Era outro, mas também foi o acompanhante quem pagou.

Duas semanas depois o veterinário volta ao restaurante. Dessa vez com os cabelos despenteados, a barba mal feita e acompanhado não mais pela esposa e sim por uma garota de vinte anos. Pediu logo uma garrafa de uísque. Ele e a menina riam num tom alto e se beijavam. O veterinário, hora ficava em pé, hora abraçava a moça e gesticulava as mãos e falava e falava. O gerente se aproximou e perguntou da clínica.

-Que clínica meu querido? Que clínica? Tome uma conosco.

-Mas o senhor não é veterinário.

Dessa vez a garota acompanhante respondeu:

- Ele é o famoso Marshall Smello, o autor de “Maria Califórnia”.

- E o veterinário? Perguntou o já assombrado gerente. E a menina:

- Aquele é o outro. Marshall escreve seus romances psicografando.

Foi então que o belo gerente entendeu menos ainda. Porém aprendeu que às vezes subestimamos um estagiário. Devia desculpas aquela menina, ex-garçonete.

No dia seguinte pregou a foto do veterinário na parede junto das outras celebridades. E junto do chefe criaram a sobremesa: Panquecas de frutas com recheio de Marshall Smello.

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