Ícaro
Ícaro treinava no Circo Escola Picadeiro. Ele viera do interior do Paraná para estudar. A sua humilde família que o queria ver doutor, não sabia que ele trocara a faculdade de comunicação por estágio de malabarismo com fogos nos faróis.
Nem só de circo vive o homem, por isso o nosso trapezista trabalhava por pelo menos três dias da semana em um restaurante descolado dos Jardins, próximo à Avenida Paulista.
Depois de passarem pela porta giratória e sentarem, as três meninas ricas, bonitas e charmosas, esperavam para serem atendidas. Ícaro, que era o garçom da praça de mesas mal podia acreditar: Gabriela Chavez sentada ali; levou três cardápios para as três falantes amigas e fez o pedido de bebidas.
— Eu quero uma diet coke com gelo.
— Me traz uma água sem gás.
— Tem Campari?
— Vamos tomar um Proseco?
Foi o que propôs Carla às outras duas, que nem olharam para o garçom Ícaro, tão entusiasmadas que estavam com o papo.
Quando Ícaro ia colocando as bebidas sobre a mesa, arriscou:
— E aí, jogando muito futebol?
Gabriela o olhou com uma carinha do tipo: “O que está acontecendo?” Era um reflexo dela depois de tantas cantadas. Ícaro recuou e fingiu que foi buscar alguma coisa, e prometeu a si mesmo não falar mais nada até elas irem embora.
Carla o achou uma gracinha, no que Flavinha que era super influenciável concordou. Já a Chavez não o aprovou, ainda mais quando viu que o entrão ganhara a confiança das amigas, que decidiram convidá-lo para a festa de aniversário de Flavinha que seria no dia seguinte.
Ícaro contou então que a vira na Bahia. Que jogaram futebol juntos.
Durante essa rápida conversa, as outras duas se divertiam em flertar com o garçom, na saída disseram que a sua presença era realmente exigida na festa.
Ele foi e sozinho. Quando chegou e viu que o número batia com o prédio à sua frente, quis dar meia volta. Era um desses edifícios palacianos com seguranças de terno na porta. Caiu em si e se perguntou o que ele, um rapaz da província, faria ali em uma festa onde não conheceria ninguém e que fora convidado por três garotas bêbadas? Deu meia volta para ir embora, mas lembrou-se do rosto de Gabriela. Percebeu que estava apaixonado e riu. Ícaro criou tal segurança que durou até apertar a campainha, mas aí já era tarde demais.
Abriram à porta e o apartamento estava repleto de jovens endinheirados. Ele realmente não tem nem um conhecido e obviamente não sabia para onde ir e por isso agarrou a primeira taça de vinho branco que passou. Por sorte sua aflição não durou tanto; Carla, assim que o viu apresentou-o a todos.
Carla não demorou nem quinze minutos para ver que Ícaro não tirava os olhos de Gabriela Chavez que estava sentada em um divã em outra ponta do salão e nem o havia cumprimentado.
— Vá até lá falar com ela; aquele que está lá é um só mais um e ela não está nem aí para ele. Mas também não se iluda, pois ela também não está nem aí para você.
Dizendo isso ela passou a conversar com Pedro Paulo e Ícaro pediu licença e foi se lançar à Chavez.
— Oi, Gabriela
A menina não se levantou deixando os rapazes aos quais apresentou um ao outro, e como ela não se lembrava do nome de Ícaro disse apenas “um cara que esteve na Bahia com a gente”; depois ficou em pé e retirou-se. Tanto Ícaro quanto Antonio, esse era o nome do outro conquistador, não se sentiram desconfortáveis com a situação e tornaram-se até cúmplices.
— Ela é linda, não é? — perguntou Antonio a Ícaro.
Antonio sorria, mas Ícaro baixara a cabeça e foi ver a vista do terraço e de lá pôde ver o Circo Escola Picadeiro mais o Morumbi todo que ficava do outro lado do rio Pinheiros.
— Parou de chover?
Era Gabriela que veio a ter ao seu lado.
— Eu estava no mesmo ônibus no qual você foi de Salvador à Lucrécia. Sentei-me no fundo e vi a hora em que você entrou. Depois te vi na vila à noite com seu irmão, não sei por que eu achei que vocês namorassem. No dia seguinte eu e um amigo palhaço também treinamos algumas acrobacias na praia e ele, seu irmão, acho que se chama Cris, não é? Aproximou-se e quis aprender uns truques de malabarismo. Eu pensei “estou ensinando o homem mais sortudo do mundo a fazer malabarismo”. Aí ele me disse que era músico e logo fomos jogar futebol... Foi quando você apareceu de biquíni e eu tive a certeza de que você é a mulher mais linda que já vi...
— Ai, Por que você não fala alguma coisa que eu não saiba hein?
E depois de um silêncio:
— A Carla não vai arrumar ninguém para namorar e a culpa é minha. Todos os caras se aproximam dela querendo me comer e não ela.
— Mas não é o meu caso menina, eu sou virgem. Ícaro disse isso e no mesmo instante se arrependeu, contorcendo os olhos. Gabriela viu que foi sincero e ia brincar dizendo que nem ela era, mas achou melhor ficar quieta e ficou por cinco longos segundos.
— Você tem cara mesmo.
— De virgem?
— Não, de coragem.
— É o olhar que nós temos no circo, é como se tivéssemos umas olheiras escuras embaixo dos olhos e que apesar de parecer maquiagem não é.
— Afinal você é palhaço ou trapezista?
— Eu sou o Tony de Suares que é o palhaço que imita errado os trapezistas.
— Você acha que eu jeito para palhaça?
— Não. Você é bonita demais para ser uma.
Gabriela que estava sorrindo fechou de novo a cara e já ia entrar para a sala.
— Olha, eu me esforço para não dizer que você é linda, mas não estou conseguindo, OK? Mas se você não gosta de elogios eu também não gosto de desprezo e não é só porque você é rica e bonita e eu feio e pobre que vou me desmerecer, pois apesar disso eu tenho outros talentos também.
Gabriela, que parecia brava, começou a rir de repente de Ícaro, depois ficou má e como fora provocada, revidou.
— Vamos ver o que acontece então se eu te der um beijo agora e você recusá-lo, por mim nem vou ligar.
Puxou Ícaro e meteu-lhe a língua dentro da boca, e para sua surpresa foi o melhor beijo da sua vida até então, e depois que eles se soltaram ela saiu atrás de água, dizendo:
— Nossa que vertigem! Fiquei arrepiada!
Ícaro, já sozinho no terraço, olhou para o céu e disse:
— Eu nunca duvidei que você existisse!
Logo em seguida Gabriela voltou trazendo água.
— Com quem é que você está falando? Vem aqui terminar, seu virgenzinho.
O leitor me perguntará se essa conversa de que Ícaro era invicto é real. Só respondo que foi assim que me contaram, se é verdadeira ou não como Gabriela perceberia. O que posso dizer seguindo uma lógica torta, é que sendo a caçula de três grandes e fortes irmãos, dessa vez com Ícaro a garotinha do papai se sentiu a dominadora.
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