sábado, 13 de novembro de 2010

Dóris

O GLADIADOR E A LEOA.




Gladiador entra em cena. Está perturbado. Anda de um lado para o outro.



 Gladiador- Para o público. Não vou mais botar o pé no Coliseo, nunca mais. Eu particularmente não me sinto velho. Um cabelo branco aqui outro ali. Tudo ia muito bem até este negócio de super interpretação, de vivenciar as lutas. Na minha vã opinião, um gladiador deve lutar e vencer seus oponentes. Se a platéia não acha as lutas cênicas interessante o suficiente que vá ao teatro. Foi exatamente isso que eu disse ao meu chefe o produtor de lutas. Ele olhou bem nos meus olhos e deu um sorriso.

 Produtor. "Mas é isso mesmo que ia agora te propor".

Gladiador sem entender. "Propor?"

"Propor. Acho que tem tudo a ver".

"Tudo a ver o que?"

"Teatro".

"Mas eu nunca nem fui ao teatro, quer dizer, nunca fui com freqüência. Prefiro o circo. O que é que você quer dize com tudo isso?"

"Meu querido há anos você entra na arena encara os leões e os mata"

"Mas eu não sou pago pra isso?"

"Claro que não. Se eu quisesse que alguém só matasse os leões eu contrataria um açougueiro. As pessoas vêm ao Coliseo para ver espetáculos e não leões cansados e amedrontados. E sim as terríveis feras da áfrica"

"Só que se eu demonstrar medo corro o risco é dos leões é ficarem muito valentes. E você sabe como esse meio é fofoqueiro se um leão percebe algo já conta pra leãozada toda"

" Só estou dizendo que arrumei um professor de teatro que vai te ajudar a sentir medo dos leões".

 Eu bem da verdade até aquele momento nunca havia é sentido nada pelos leões. Nem dó, nem medo, nem amizade. Eu nunca fui muito de me relacionar com eles não. Afinal no fundo eu tinha é de matá-los e eles, os leões, sabiam disso. Mas depois de uns meses tendo aula com um ator eis que volto ao Coliseo em um domingo de casa cheia..



Para a minha surpresa neste dia aconteceu algo de extraordinário. Já na arena depois de terem aberto as portas dos leões, o sol batia nos meus olhos e vi uma criatura ao longe. Eu podia ver só o contorno do leão a platéia estava calada e havia um jeito diferente desta leão andar... Um andar lânguido sensual foi quando percebi que não era um leão e sim uma leoa. Mas isto não era ético! Nunca haviam me posto pra lutar contra uma fêmea. O programa dizia que eu enfrentaria uma perigosa criatura. Bem o programa não mentira aquela leoa me deu uma olhada e a minha espada caiu. Era um olhar assim meigo, daquela leoa que nem adulta era então, uma quase adulta uma adolescente. Então eu de repente... Eu me... Apaixonei como nunca havia me apaixonado antes. São coisas que nós não planejemos na vida. Quando eu imaginei que nesta altura da vida eu ia me apaixonar por uma colega de trabalho. A desgraçada naquele dia parecia ter também se apaixonado, combinamos ali mesmo para desespero da platéia um jantar naquela mesma noite numa churrascaria cristã.



Ela se chamava Dóris. Tinha lá suas manias, que logo descobri, pois ela foi morar na minha casa. Adorava compras principalmente bolsas e artes plásticas. Dóris me convenceu em fazer um curso com ela de história das artes plásticas, um curso de dez aulas desde do Egito antigo até as pinturas modernas romanas. Eu como estava disponível mesmo, havia sido mandado embora do Coliseo, também depois daquele vexame eu e Dóris nos beijando e o público jogando tomates. Dez anos de uma carreira de gladiador encerrados por alguns instantes. Acho que tudo começou com as aulas de teatro, acho que fui me tornando mais sensível. Como eu estava apaixonado não me importava mais com nada deixei de freqüentar os eventos e as rodas sociais dos gladiadores e cada vez mais Dóris me levava para o mundo das artes, dos descolados. As pessoas em geral se chocavam muito quando nos viam juntos, não tanto por Dóris ser uma Leoa, afinal nós estamos em Roma, mas pela diferença de idade. Mas não a galera das artes. Nossa turma. Nunca me senti tão à vontade junto dos artistas. Só que alguns meses depois ela começou a agir estranhamente, havia se tornado vegetariana e dava desculpas para não transarmos mais, eu comecei a imaginar que havia outro na história, e eu tinha razão havia, uma outra, uma Leoa.



Dóris me abandonou, veio com aquela velha história o problema é comigo, você é legal e tal. Passei a beber e a sair todas as noites, até fiz um papel no teatro, uma ponta numa comédia eu fazia um gladiador, não tinha fala, mas adorava. Um dia um produtor amigo meu disse que Dóris estava namorando uma Leoa que trabalhava no Coliseo, era uma campeã invíquita. Pedi a ele que me colocasse pra lutar com ela, e ele colocou.



Outra tarde de domingo o Coliseo lotado. Minha cabeça doía, a cachaça dava voltas no meu estomago e quase morri de medo ao ver o tamanho da leoa que entrou. Foi outro vexame tentei me agüentar ao máximo, mas ela me derrubou e nocauteou em instantes, quando pedi água e abri os olhos foi que vi Dóris na platéia. Ela ria e abraçava o produtor lhe dando beijinhos. Canalha ele a havia roubado da Leoa. Essa Leoa gigantesca e eu, ambos abandonados por Dóris, saímos para tomar umas cervejas. Trocamos confissões e ambos falamos mal de Dóris, depois resolvemos montar uma dupla e nos apresentar juntos, em teatro talvez. Essa dupla nunca aconteceu.



Agora estou aqui e me decidi, não volto mais ao Coliseo. Vou fazer teatro. Ser um ator trágico, daqueles que vive com os olhos vermelhos e fazem personagens que tem um conflito misterioso e estão sempre amargurados e são irresistivelmente sensuais. Aí não vai ter Dóris resista. A verdade é que as fêmeas não gostam de bufões, nem de gladiadores. Elas se apaixonam por atores trágicos, de olhos vermelhos, amargurados, dopados e de falas gritadas. E os Bufões e gladiadores por sua vez se apaixonam por feras perigosas, lindíssimas e com cérebros de Leoas.

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