segunda-feira, 6 de junho de 2011

A cachorra.


 Eu tive uma namorada, Adriana, que me batia. Sim. Ela era muito ciumenta. Mas esta não era a sua única característica. Ela também gostava de animais. De cachorros. Seus lindos olhinhos verdes não podiam ver nem saber de nenhum sofrimento de animais fossem eles domésticos ou selvagens.
 Sofria, ao ver um cachorro abandonado. Fazia-me parar no meio da estrada para pegar um cão no acostamento. E me batia. Ouvia meus recados no celular, me vigiava o tempo todo.
 Para os cachorros aqueles olhinhos verdes cheio de água, e aquele narizinho que pareciam um mangá japonês, eram só carinho e afeto.
 Para mim era porrada mesmo, ela praticava boxe, às vezes praticava em mim. Certo dia um mendigo que andava próximo a Faap começou a vender dois filhotinhos de vira-latas.
 “Leo pelo amor de Deus vamos pagar o que ele pede! Este homem é um alcoólatra veja como ele trata estas duas criaturinhas? Ele as deixa dentro de uma caixa de sapato, e eles passam frio, fome, sede.”
  Levamos então os dois filhotes para praia, para Juquehy. No meu restaurante um garçon o Gil se entusiasmou quando soube que Adrina havia dado um dos filhotes para um cliente. Um americano músico de jazz.
 “Sobrou uma fêmea, você a quer?”
 Gil olhava aquela patricinha da Faap, com olhos verdes e um nariz arrebitado e imaginou que estava fazendo um grande negócio. Era um sujeito malandro que trabalhava no meu restaurante durante o fim de semana e estudava em Santos durante a semana onde era casado.
 Quando vinha para Juquehy ficava num lugar misto de pousada com pensão. E já pensava por quanto ele venderia aquele filhote em Santos.
 “Que raça que é?”
 Quis saber Gil já pegando a cachorrinha das mãos de Adriana.
 “Raça?” Exclamou um cozinheiro.
 “Isso aí é um tomba lata!” E todos em volta riram de Gil.
 No dia seguinte, a mulher do músico Americano veio trazer o filhotinho macho de volta. Depois deu uns gritos com Adriana e foi-se embora. Por sorte conseguimos rapidamente um novo lar, com o fornecedor de bebidas.
 “Minha filhinha vai adorar, como é que chama?”
 “Chama Leo.” Ria Dri.
 E seguimos para São Paulo. Livres de dois filhotes. Missão cumprida, nós arrumáramos dois lares para dois cães órfãos.
 E não é que já em São Paulo alguém liga para a Adriana e diz que a cachorrinha tinha sido vista no meio da praia.
 “Agora já é tarde, três da madrugada. Amanhã a gente vê isso.” Tentei.
 Mas Adriana com cachorros é doce, mas com quem os maltrata, sai de baixo. Ela conseguiu o telefone da pensão do garçon Gil e ligou. Atendeu a dona da pensão. Uma senhora de uns cinqüenta e poucos anos.
 “Alo.”
 “O Gil está?”
 “Sim. Deve estar no quarto.”
 Gil já tinha alertado a dona da pensão sobre sua mulher santista. Se ela ligar diga que depois eu retorno.
 “E a cachorra está no quarto?!” Perguntou Adriana já bem alterada.
 “Mas não tem cachorra nenhuma no quarto não, o moça.” A dona da pousada pensou estar acalmando Adriana, mas isso soou o oposto para a protetora dos bichos.
 “Como que a cachorra não está?”
 “Não está.”
 “Mas a senhora foi ver se ela realmente não está?”
 “Olha moça, o Gil é um homem correto, e ele nunca trouxe nenhuma cachorra para cá.”
 “Como que não levou?! Então cadê a cachorra? Eu mato este Gil! A senhora vá até o quarto já e veja se a cachorra está lá!”
 “Olha moça, agora você me cansou! Eu já disse que não há nenhuma cachorra e nem nunca ouve. E já está muito tarde, por isso se a senhora não se importa eu vou desligar o telefone.”
 “Vai desligar nada! E a senhora vai presa junto com o Gil!”
 “Presa eu? Você tinha é que mandar prender é a cachorra e não eu!”
 “Prender a cachorra? Tá louca?!” Ninguém toca nesta cachorra que eu vou buscá-la!”  
 “Mas se eu estou dizendo que não há cachorra!”
 “A senhora é cúmplice deste bandido!”
 “Ah não! Agora foi demais. Boa noite.” E desligou o telefone.
 “A filha da mãe desligou o telefone e tirou do gancho!!! Culpa sua Leo!”
 "Culpa minha nada. Você não explicou e ela deve ter achado que tratava-se de uma cachorra."
 "Mas trata-se de uma cachorra! Seu burro! Imbecil!"
 "Mas não uma cachorra mulher!"
 "Claro que não!" De repente Adriana abaixou os braços. Acho que tinha caído a ficha. Deu de ombros e fingiu que não entendia.
 "Leo sua besta!" 
 Nossa! Como eu apanhei aquela noite. Justo eu que sempre fora fiel. Que gastara uma grana comprando os dois cachorrinhos órfãos.
 Matilde, este é o nome daquela filhotinha de vira-lata foi encontrada em Barra do Sahy, uma praia a seis quilômetros de Juquehy. Gil foi levado do restaurante um dia pela delegacia das mulheres e nunca mais voltou. Parece que tinha quebrado o dedo da namorada.
 Adriana já faz uns oito anos me deixou. Ficamos eu e ela.
 Matilde, que está aqui deitada no chão junto dos meus pés enquanto eu escrevo esta crônica. E hoje vai dormir na minha cama que está frio pacas.
 Adriana se casou. Mas até hoje vez ou outra me liga.
 “Como ela está? Você está cuidando bem dela?”
 Na verdade Matilde cuida bem mais de mim do que eu dela. Mas eu lá sou louco de dizer isso para a Adriana?
“Ela está ótima. Pergunta sempre quando você vai vir visitá-la.”
“Manda um beijo e diz que eu vou sim em breve.”
“Matilde! Mamãe diz que vem te ver em breve. Mandou outro, Adriana.”
 O ser humano às vezes é tão doido. Bom, vou levar a Matilde para passear. Tchau. Fomos.  

Um comentário:

  1. Hehe. É... o ser humano é meio esquisito mesmo. E a Matilde está com quantos anos? :)

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