sábado, 11 de agosto de 2012

Meu pai e o barulho do vento.


 Não entendo o porquê desta atual insistência de alguns, em querer que as mulheres realizem o parto em casa.
 Eu não tenho nenhum trauma em ter nascido num hospital. Se eu pudesse voltar atrás e ter escolhido, ou ainda a possibilidade de escolher, optaria por nascer num lugar como a praia de Ipanema.
 Ou ainda na Avenida Paulista, num palco de teatro, em qualquer lugar público. Mas nascer em casa? Pra que? Pra mim o nascimento é uma festa, um mundo que se abre, e tem de ser já logo em casa?
 Afinal nascemos jovens, e jovens querem ir pra rua. Não é?
 Mas a crônica era sobre o meu pai.
 O telefone toca:
 “Leo amanhã você pode vir tomar café da manhã aqui em casa. Seu irmão chega de Nova York, venha umas sete, sete e meia.”
 “Mas pai eu estou num show de música, sete e meia é muito cedo, não pode ser mais tarde?”
 “Não, não pode. Você tem que aprender a acordar cedo!”
 “Será que existe algum curso para mim? Acho que estou velho para o exército.”
 “Velho? Você é um adolescente! Sete e quarenta e cinco então.”
 Quando eu nasci meu pai foi para a Argentina no mesmo dia. Ele diz que até hoje não entende porque e como ele pode ter ido para Argentina no dia em que eu nasci.
 Por mim... Nem me lembro, sem traumas. Meu pai vem junto com a minha mãe. Sempre os vejo juntos, quando eu os conheci eles já eram casados, de maneira que sempre foram os pais.
 E há quem insista que os pais devam ser um homem e uma mulher. Milk já dizia que seus pais eram héteros.
 A única coisa que eu e meu pai temos em comum é o sobrenome Chacra. Tanto ele quanto minha mãe, são de personalidades muito distintas da minha. Aliás, todas as pessoas que eu conheço têm personalidades diferentes da minha. Eu acho.
 Pra mim meu pai tem muito de Kubrick, sabe aquele 2001, o filme?
 Eu tenho inveja dele por ele ter vivido os anos 60. Verdade é que ele foi só plateia nos anos 60. Suas grandes realizações, que não foram poucas vieram depois.
 E no fundo eu acho que meu pai hoje é mais interessante do que o Caetano Veloso e do que o Chico Buarque, eles tem a mesma idade. Nos anos 60 meu pai era plateia.
 Mas não é que ele lembra de tudo daquele tempo. Mas também ele lembra de tudo sempre.
 O show era uma banda de garotos chamada 66. Faziam um som de música pop clássica, rock e MPB clássica com um toque atual. O vocalista era um menino e no meio do show ele convidou:
 “Agora vou chamar ao palco o cara que me pôs no mundo”.
 E eis que um cinquentão com cara de anos 80 sobe no palco e toca junto com a banda. O pai do vocalista. Jeitão anos 80 e o filho jeitão anos 60.
 Meu pai conta que até os quatro anos eu nem olhava pra ele. Um dia no carro eu vim por trás e dei um abraço no pescoço dele. Eu tinha quatro anos. Se eu lembro?
 Eu lembro de um ser enorme e com barba que me dava medo. Eu quero que o Freud se dane. Eu nunca tive problema nenhum com meu pai, nem com minha mãe.
 A verdade mesmo é que meu pai não era plateia nos anos 60. Ele estava fazendo o que o meu irmão chama de ponto de virada, e meu pai chama de sair da inércia.
 Ele era o primeiro Chacra da nossa linhagem a quebrar o barulho do vento. Explico.
 Durante as três viagens em que fiz para a vila de onde os Chacra vieram do Líbano, eu notei que se ouve o barulho do vento. Também é uma vila minúscula nas montanhas. Nossos ancestrais passaram milênios ouvindo o barulho do vento. E só. Como a cena dos macacos em 2001 que jogam um pau de madeira que no ar se transforma em uma nave espacial. 
  Meu pai passou os anos 40, 50, 60, 70, 80, 90... Sem nunca ter notado o barulho do vento.
 “Já falei Leo, fecha a janela e liga o ar condicionado. O que? Barulho do vento? Eu tenho que chegar logo, tenho muito trabalho pra fazer.”
 “Mas pai hoje é domingo.”
 “Então Leo! Que horas que eu vou conseguir terminar isto na semana. Eu não tenho tempo durante a semana!”
 Assim como meu pai nunca subiu pra tocar comigo num show, acho deveras improvável eu também subir num palco um dia, pra tocar com o meu filho.
 “Leo, cabeça precisa exercitar. É que nem músculo que precisa de exercício.”
 “Afinal o que você foi fazer na Argentina no dia em que eu nasci?”
 “Eu não lembro o que era exatamente. Só lembro que era trabalho. Me deu uma saudade de você.”




4 comentários:

  1. Um amor cheio de traumas mas, um grande Amor.

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  2. Meu pai fazia muito barulho. O dia e a noite inteira.
    E quando eu ligo pra ele, que continua barulhento, do som da guitarra e da voz dele, escuto o mesmo som adolescente de sempre. De uma pai que me trouxe ao mundo, adolescente. Eu fui a platéia do meu pai. E ainda acabo sendo.

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