quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Os sonhadores.


 Aceitaria a sugestão dos pais. Passaria uns meses na Europa. Na Itália. Foi um livro de turismo com uma foto de uma italiana num vestido de verão com os cabelos voando ao vento. Atrás uma rua com prédios antigos, mesas nas calçadas, motocas passando.
 Aqui no Brasil com seus 19 anos ele não era nenhum sucesso. Mas na Itália ele conseguiria “pegar” um monte de gatas. Seria o lugar ideal. Passar o verão estudando italiano, na Itália.
 Todos diziam que ela era linda, uma boca carnuda sensual, seios fartos, bunda, ela estava decidida, faria um book de modelo. A noite ela se imaginava desfilando.  Conheceria o mundo, a Itália, que ela tanto sonhava.
 Ele depois decidiria que carreira seguir, pensava em ser arquiteto, talvez economista. Ela seria modelo fotográfica, foi o que recomendaram. Hoje uma menina precisa ter mais de um metro e oitenta. Pelo menos, para fazer moda. Ela tinha um e sessenta. E era quase gorda. Quase. Mas um rosto lindo, modelo fotográfica. É.
 Era um dia realmente quente e de sol. Ela tomava um sorvete numa praça em algum lugar de Roma.
 Ele viu ali uma chance. Abordou a menina num inglês amador. A garota contou que era do Texas. Nunca ouvira falar de São José do Rio Preto, muito menos de São José do Black River, a “Califórnia” Brasileira.
 Combinaram um cinema, no outro dia foram a um museu, almoçaram. E o verão acabou.
 Ele resolveu estender a temporada e se mudou para o quarto dela. Ela morava numa pensão de americanos. 
 Ele compra uma máquina fotográfica usada. Começa a tirar fotos nas tardes livres. Roma era um cenário sem fim.
 Ela começou um curso de gastronomia. Acabou num restaurante. Na cozinha, na parte de sobremesas.
 Ele foi estudar fotografia. Conheceu uma modelo magrela e alta. Uma alemã. 
 Ela fugiu com um chefe espanhol. Dez anos se passaram.
 Ele tomava um sorvete em uma praça em algum lugar de Barcelona. Ela passa com uma menina de uns três anos. Se reencontram. Saem, vão à praia, ao teatro, ao parque.
  O marido dela volta de Portugal. Eles fogem para o Marrocos. O marido vai atrás. No hotel em Casablanca ele dispara a arma e mata os dois na piscina.
 Ela suspira. Abre os olhos e continua ouvindo aquele garoto brasileiro, contando de como será seu filme. Sim ele é diretor de cinema, ainda não fez nada, mas é.
 Quem sabe ela não seria uma estrela na próxima temporada de Cannes?
 Quem sabe? Sonhos são incrivelmente superiores e mais interessantes que a realidade. Nem sempre.
 E hoje? Ele quer saber. Alugam uma moto e saem em direção ao sul. Grécia, Istambul, Beirute...
 Sonhar definitivamente é um talento. Sol, praia, vinho, história, arte, e 20 poucos anos. 
 Entram numa igreja de mil anos e fingem casar. Saem e bebem, vão até a praia e dormem na praia. Agora são casados. O sol forte, o céu azul, o Mediterrâneo verde, verde como eles. 
 O mar sorri, ele já viu tantos casais jovens. Mas também já viu tanta guerra, tanta gente morrer afogada. 
 Mas hoje é verão. E Rio Preto está longe, lá para os lados do Texas. 
 Os dois correm pela praia, sem protetor solar, sem lenço e sem documento. 

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