segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Priscila

Patrícia, uma amiga que mora fora do Brasil, estava em São Paulo e marcou com uns amigos no Bar Filial, na Vila Madalena. Quando cheguei lá haviam cinco meninas na mesa com a Pati, e nenhum homem. Todas param de falar e ficaram me olhando. Lembro bem, eu vestia calça jeans, camiseta e um moletom cinza de capuz. 
Não sei se por maldade, ou distração, Pati me sai com esta: “Este é o Leo Chacra (pequena pausa) ele é palhaço”. Bom ela não mentiu. Eu fui palhaço. De rua, de circo, de teatro e de cinema. Mas não espere apresentar alguém assim, e querer indiferença, dos outros em relação a isso. Principalmente num bar. 
A verdade é que quatro delas, das meninas depois de sorrisos, e olhando um cara que se esforça muito mais para parecer policia, do que palhaço, com voz grave e olhar profundo, este cara pode ser taxado de mala, bobo, mas de modo algum palhaço. 
Mas uma delas de nome Priscila, enquanto as outras retomaram a conversa, e as fofocas, esta Priscila com brincos enormes de argolas, uma boca com lábios grandes, muito sensuais, olhos grandes, nariz grandes, parecia uma mistura de miss latina com lobo mau, continuava a me interrogar como uma polícia. 
“Você tem grupo de teatro?” 
“Você faz é palhaço doutores da alegria?” 
Ela parecia divertir muito com aquilo tudo. Depois vim a descobrir que sua irmã mais velha, Teresa é que era amiga de Pati, estando Priscila quase tão deslocada quanto eu. 
Para encerrar a conversa, perguntei o que ela fazia. Foi bem um corte. Tipo, e você mocinha do mundo corporativo que merda de multinacional você trabalha? Já se divertiu bastante tirando o rapaz aqui. Sou artista e daí? Vai me condenar pelo horário que eu acordo e blá, blá, blá... 
“Eu sou cantora.”
A resposta dela me derrubou totalmente. Eu esperava qualquer coisa. Menos um: “Sou cantora”.
Eu nunca tinha visto alguém se dizer cantora. Bem da verdade já havia jantado com uma cantora Americana, mas tinha sido depois a ter conhecido num show no mesmo hotel em Santiago que eu estava. Enfim...
Nunca dei para a música. Meu ouvido é péssimo. Também, meus pais na minha infância não costumavam colocar nada pra tocar. 
O único na minha família, que ouvia música, era o meu avô surdo. Grande ABC FM. Sim, eu tinha um avô surdo, e uma avó diabética doceira. 
E lá estava eu na frente de uma cantora. Sambista. Não bastasse ser cantora era sambista. Quando a sambista, de boca sensual, brincos de argolas gigantes, se levantou, vestindo um shorts justo para ir embora, o palhaço do Leo pediu o telefone. 
Pensei comigo: “Nossa vou comer muito esta cantora!”
E foi o que aconteceu. Lá fomos nós eu e Priscila para Minas Gerais, conhecer Lavras onde ela nasceu, a Catedral da cidade, o clube onde ela jogara vôlei. As cachoeiras de Carrancas, as delícias de Tiradentes, e tudo isso num calor infernal. Porque cantora profissional não pode ficar no ar condicionado. 
Priscila me ensinou que os Mineiros são misteriosos, porque Minas sempre tem uma curva logo a frente, e nunca sabemos o que vai acontecer. 
E de Minas fomos para o Rio, para ela cantar na Lapa. Ficamos num hotel em que a janela abria um dedo, e nada de ar, porque cantora... Mas a languidez compensava o calor. 
Priscila me ensinou que os Beatles nem são tão bons, e que gênio é o João Gilberto e um tal de João Donato, ou coisa que o valha. Por mim garota, o que você disser ta bom. 
Chegou a me perguntar se eu também não achava Nara Leão desafinada.
“Agora que você mencionou, acho sim.” Quis saber o que eu achava de Zeca Pagodinho. Na dúvida do que responder, disse que o achava lamentavelmente ruim. 
Errei feio. “Nossa eu amo! Ele me lembra muito meu pai.”
Tudo ia muito bem, as mil maravilhas. Priscila apesar de parecer tímida e sempre fechada, é uma das pessoas que em dois, digo a dois, conta piadas absurdamente engraçadas. 
A sogra me adorava, o padrasto, a cunhada, todos. 
Ela apesar de morar em Higienópolis e na infância ter tido chover para ir para escola, Priscila tinha uma atração gigante pela Favela. Adorava experiências simples. 
Até ai tudo bem, eu sou um camaleão me adapto a tudo, e estava descobrindo o Samba, o Brasil. 
Até que num dia de carnaval, num bar no Rio, ela pediu para eu cantar. Cantei. Escolhi Adoniran Barbosa. Priscila me interrompia a todo instante, pedia que eu cantasse sério. Mas eu estava dando o melhor de mim. 
Foi ai que a ficha da Cantora caiu. Priscila naquele instante se dera conta, aquele Leo, era realmente um palhaço. 
Disse que iria comprar cigarros, e nunca mais voltou.

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