segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Melissa

Até hoje não sei como fui parar em uma faculdade de Arquitetura. Sem vocação ou talento, cai lá dentro. Muito por conta de querer ser igual ao meu pai, que não era arquiteto, e sim médico, mas médico também é um profissional liberal. São atividades parecidas. Meus pais falavam algo do gênero. Já me planejavam até uma pós no exterior. 
A arquitetura era um meio termo entre eu e os meus pais. Um arranjo. Nós te sustentamos e você enquanto isso faz uma faculdade. 
“Depois que você se formar, você pode ser artista se quiser”. Até ai, eles estavam certos. Eu poderia ser artista se eu quisesse. Mas a verdade é que eu nunca quis. 
Mas fiquei um ano e meio cursando arquitetura. Por que?
Porque era um lugar cheio, lotado de mulheres interessantes, sensíveis, e homens que não eram chatos suficientes para serem engenheiros, e nem fúteis o suficiente para serem decoradores. 
Foi lá que eu conheci Melissa. Ela passava horas desenhando, horas e horas. Eu nunca tive saco pra escrever um poema. Também nunca tive saco para desenhar. A não ser navios piratas, castelos, árvores e figuras que lembram Kandinsky com Miró, e o prédio do Banespa em várias versões. Estas eram, e continuam sendo minhas especialidades. 
Melissa lembrava Júlia Roberts. Linda, tímida, linda, tímida, linda e tímida. É tudo que eu sabia sobre Melissa. Linda e tímida. 
Eu ficava dando em cima dela, aquelas cantadas de italianos, o dia todo. Nunca passou pela minha cabeça que a menina estava ficando interessada. Como eu tinha namorada, nunca a tinha convidado para sair. 
Mas minha namorada, vamos chamá-la de Letícia, certo feriado, brigou comigo e viajou para Bahia com as amigas. 
Foi à deixa para eu levar Melissa para praia. Comecei a perceber que Melissa era bem interessante, e ainda mais bonita do que eu reparara. 
Naqueles tempos eu lia Hamlet e relia. Foi uma noite de lua cheia, na praia, eu chamava Melissa de Ofélia. Ela tinha uma pele branca, um gosto diferente de tudo que já provei. Era meiga, mas ao mesmo tempo mágica. 
Outro dia fiquei pensando, porque não fiquei com Melissa. Porque não troquei Letícia por ela? Na volta do feriado, Letícia disse que queria voltar. E Melissa dizia que a menstruação não descera. 
E eu tinha uns 20 e poucos. 
Aquela estória toda, de Melissa amante e Letícia namorada. Eu nunca consegui enganar ninguém. Contei para Letícia. Acabei largando a faculdade. Não nasci para ser arquiteto. 
Melissa, dias depois, disse que finalmente a menstruação viera. 
Saímos para comemorar. Tomamos uma cerveja na prainha da Avenida Paulista com a Rua Joaquim Eugenio de Lima. 
Descobri que Melissa era casada. E nunca mais nos vimos. 
Até hoje penso que talvez ela possa ter ficado grávida, hoje eu teria uma filha, ou filho de vinte anos, que foi criado por outro pai, lá em Santo André. Sim ela era de Santo André. 
Ontem fui almoçar com Letícia, há mais de 15 anos não estamos juntos. Ela já casou e depois descasou. Eu já casei também, e me separei. Nos damos bem. Acho que até mais do que quando éramos namorados. 
Não sei o que foi Melissa. Foi uma lua cheia, foi uma mulher que nunca cheguei a conhecer direito. Creio que Melissa tinha mais umas nove camadas, e eu só levantei uma. 
Por que não larguei Letícia e fiquei com Melissa? 
Eu tenho um amigo de infância, que também teve uma amante, e acabou optando pela namorada, hoje sua esposa. 
Mas ele também não sabe o porquê de não ter escolhido a amante. Ele lembra da amante chorando, quando ele disse que tinha escolhido pela namorada. 
Também por mais que eu me esforce, nunca entendi por que Hamlet não ficou com Ofélia?
Algum sexto sentido me fez deixar Melissa escapar. Pode ter sido algo que nos aconteceu numa vida passada, algo inconsciente. Ou talvez somente um encontro e desencontro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário