segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Laura

Eram quatro atrizes. Elas ensaiavam no mesmo teatro que eu. O ensaio delas, eu acho que era até às 17 horas. Com um conhecido diretor bem das antigas. As 17:30h começava o meu. 
Como eu era um jovem diretor disciplinado e empenhado, eu chegava bem antes no teatro. E conseguia ver o final do ensaio delas. Eram quatro monólogos, apresentados um por vez. Cada texto tinha sido escrito por cada atriz, ou seja elas faziam os próprios textos. Hoje sei que eram apenas palavras ao léu. 
Mas na época eu estava encantado com Laura. Com o entusiasmo dela. Hoje eu sei que ela era ruim pra cassete. Mas na época... Aquilo era lindo demais. O texto falava de árvores, passarinhos, vento, tudo com uma pronuncia que trocava a letra g pelo r, e o r pelo g, mas pra mim... Aquilo era um charme na boca de Laura. 
Depois de uma semana da estreia fui lá, sozinho, assisti-las. Neste dia foi um outro Leo, um que era do elenco da Rede Globo, também foi, e elas ficaram bem nervosas. 
Depois do espetáculo Laura apareceu o bar do teatro. Estava desapontada com o pequeno público, 16 pessoas. Ali no bar brindamos um champanhe, eu a chamei para sair. Um outro dia. Ela aceitou, me deu um abraço. Ela era muito o meu tipo. 
Sempre fui completamente apaixonado por atrizes. Mas ao contrário do que pensam, nunca me envolvi muito com elas. A única atriz das quais já dirigi, e que eu assediei, acabei me casando. Sou assim menos por respeito, e mais por ter sido um menino bonitinho de 20 anos, que sonhava em ser ator, e já foi assediado por muita gente. Sempre que eu lembro disso, me identifico com as jovens atrizes. E nunca assedio. 
Dias depois Laura passou em casa. Ela era totalmente focada nela. Egocêntrica, vaidosa, e chata pra cassete. Mas mesmo assim, era de um charme absurdo. Primeiro fomos pegar umas fotos do espetáculo dela num fotógrafo. Sim outros tempos. 
Ela me perguntou se eu gostara das fotos. Sim, estão ótimas, eu disse. Pra mim fotos, não sendo escuras são sempre ótimas. 
Foi nosso primeiro desentendimento. Para ela as fotos não eram boas. Fomos jantar, num lugar bem descolado, do qual ela tinha permuta. Logo não gastei foi nada. Estávamos no carro dela, a conta era na produção do espetáculo dela, nem tudo estava perdido. Ainda. 
Ela mandou embrulhar uns croquetes fritos para viagem. Ok, sempre é bom levar a comida que sobra para casa. Artistas devem economizar. Mas não parecia ser o caso dela. Laura tinha um carro, bem caro. E um jeito, estilo de mulher, que o povo chama de : Patricinha. E convenhamos, croquetes devem ser comidos quentes. De lá para o Urbano, uma antiga balada que funcionava as noites de segunda feira. Quem lembra? Encontramos várias pessoas da classe teatral, acho que era uma festa de alguém. Enfim.. 
Ficamos bem bêbados, e lá quase com o sol nascendo, ela foi me deixar em casa. Cabe lembrar, casa dos meus pais na época. Morávamos toda a família. 
Mas ela subiu. Fomos para o quarto. Hoje eu sei que não só o espetáculo dela era uma porcaria, mas eu vejo hoje, que a minha atitude foi bem estranha. Carência ou sei lá o que, resolvi que não estava com pressa de transar naquela noite em especial. Dormimos de conchinha. 
Tínhamos a mesma idade. Laura e eu. De manhã tomamos café lá pelas onze, com a cozinheira da minha mãe oferecendo bolo de laranja para Laura. Servindo pão de queijo. O curioso é que Laura era super doce e simpática com a cozinheira da minha mãe. 
No dia seguinte eu telefonei pra ela. Laura disse que não nos veríamos mais. 
Eu quis saber o motivo. Você quer saber, ela perguntou. Depois alterou a voz e disse:
“Você nunca, mais nunca, nunca mais mesmo, fale da pele de uma mulher”. 
No começo, eu não tinha a menor ideia do que ela dizia. Depois num esforço tremendo, entendi, ou melhor, me lembrei.
Como ambos éramos de 1974, e nosso aniversário era no mesmo mês. Eu falei algo de que a pele mudava quando completávamos 30 anos. 
Alguém tinha acabado de me dizer isso. Mas eu estava falando de mim. E inclusive a pele dela era ótima. Mas como estávamos nos tocando, acho que ela achou que era alguma indireta. Um grande mal entendido. 
Por fim, Laura resolveu me dar uma outra chance. 
“Você tem algum texto com uma cena romântica? Preciso uma para um teste”. 
Perguntei se servia Shakespeare. Ela achou ótimo, e disse que passaria na minha casa dentro uma hora. 
Uma hora se passou, três horas se passaram, o celular dela desligado, cinco horas, um dia, três dias, meses, anos, década. Laura nunca apareceu. 
Laura tem uma das melhores frases que já ouvi:
“Não é porque dormimos juntos, é que vamos ter intimidade”. 
E literalmente foi isso. Dormimos juntos, porque nada aconteceu, fora dormirmos. 
Muitos anos depois, a vi no Bar Genesio na Vila Madalena. Ela estava com o marido. Sua pele, se vocês querem saber continuava igual. A desgraçada inclusive estava até mais bonita. Laura envelheceu bem. 
Eu estava na mesa da frente com amigos. Quando ela me encarava eu baixava os olhos. 
Dias depois me mandou uma mensagem, dizia que apesar destes anos todos, eu continuava um babaca. 
Acho que a coisa com Laura foi um puta de um mal entendido. 
Temos a mesma idade, a mesma altura, a mesma profissão, ambos somos chatos pra cassete, egocêntricos, bêbados, até a pele é parecida. 
Como dizia a minha terapeuta:
“Leo, você parece que quer namorar com você mesmo”.

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