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Constantinopla, o restaurante, estava mais cheio do que o dia anterior. O delegado Elias ainda não havia chegado. Bom ainda eram nove horas. Acontece que em lugares pequenos, como o Cacau, as pessoas nunca se atrasam, não existe o trânsito como desculpa.
Uma outra garçonete de nome Márcia veio me receber. Perguntei por Catarina, a garçonete que me atendera no dia anterior e soube que ela, Catarina, não aparecera para trabalhar. Provavelmente estava doente. Disse-me Márcia e também Lucas um outro garçom. Uma pena. Aproveitei o atraso de Elias para fazer alguns telefonemas. Assim que desliguei do último ele surgiu. Eram nove e dez.
“Oi Victor. Desculpe o atraso.”
“Imagina, fiquei aqui conversando com Lucas e a Márcia. Aproveitei para pedir um vinho.” A menina riu, enquanto servia Elias que acabara de sentar-se.
“A minha garçonete preferida não apareceu hoje.”
“Quem é?”
“Catarina.”
“Catarina. Claro.” Falou o delegado.
“Você a conhece Elias?”
“Victor, o Cacau é um lugar muito pequeno. Não há muitos lugares para se ir fora o Constantinopla, o Alpendre e o Kiwi.”
“Entendi. Eu vou de pato com batatas.” Pedi para Lucas que anotava os pedidos.
“E eu este risoto.” Elias apontou para um prato no cardápio. E os dois garçons se afastaram.
Depois ele me perguntou se eu estava, apesar de tudo, passeando e conhecendo as praias. Eu disse que já as conhecia de longa data. Mas dificilmente no inverno. Quando há poucos veranistas. Disse ainda, que a região estava transformada.
Falei sobre o terreno que Juca tinha me oferecido. Nesta última fala ele levantou os olhos.
“Que horas foi isso Victor?”
“Umas seis da tarde.”
“E por que você não foi encontrá-lo?”
“Ele disse que tinha combinado de jantar com a esposa.”
“A esposa?”
“Sim.”
“Você tem certeza que ele disse a esposa?”
“Sim tenho.” De repente ele começou a olhar para o infinito e parecia que tinha caído a ficha de algo.
“Victor, eu disse que não tinha um suspeito. Mas tenho.”
“E quem é?”
“Juca.”
Quando Elias me falou isso fez todo o sentido para mim. Juca, com uma imobiliária própria, bonito, com carro. Faz seus próprios horários. Eu mesmo quando o vi pensei que até Luana ficaria caidinha. Até eu achei um cara simpático, sedutor. Imagine as vítimas, meninas de dezesseis anos.
“Meu Deus! Porque é mesmo que Catarina não veio hoje?”
“Eles não sabem. Provavelmente ficou doente.”
“Victor, o Juca mentiu. Ele não foi encontrar-se com a esposa e sim com Catarina.”
“Como você pode saber disso Elias?”
“Porque a esposa dele é Márcia, a garçonete que nos atendeu.”
Aquilo me assustou.
“Você acha que a Catarina está em perigo? O corretor é realmente um suspeito?”
O delegado Elias não me respondeu. Apenas fez outra pergunta.
“Você vem comigo?”
“Onde?”
“Não há tempo para explicar. Temos de agir. A vida da menina está em perigo.”
Nem cancelamos a comida. Saímos correndo do Constantinopla e pulamos dentro da viatura. Elias sacou a arma. E em cinco minutos estávamos a alguns metros da imobiliária Sun Time, do outro lado da rua.
“Espere-me aqui vou entrar na frente.”
Pude ver o Delegado empurrar a porta que estava destrancada e entrar dentro da imobiliária. Minutos depois ouvi dois tiros. Ele então surgiu na porta e me fez sinal para eu sair do carro e atravessar a rua. Passamos pelo escritório e entramos numa espécie de quartinho. Os dois corpos estavam lá. O de Juca e o de Catarina.
O delegado me explicou que quando entrou Catarina já estava provavelmente morta, a pauladas, e Juca surpreendido tentou atirar no delegado. Mas Elias foi mais rápido e liquidou Juca.
Parecia que o caso havia sido resolvido. E o delegado tinha cumprido o dever. Era óbvio que Juca e Catarina tinham um caso. Mas isto era a única coisa real naquilo tudo.
Elias estava de costas para a porta quando eu vi dois homens entrarem e o agarrarem pelo pescoço. O delegado foi desarmado e imobilizado com algemas.
“Você está preso Elias.”
O delegado não podia crer que o seu investigador Douglas e o delegado de Bertioga, Jacinto, acompanhado agora por mais três policiais militares, o estavam prendendo.
“O que é isso Douglas? Eu peguei o criminoso, um assassino em série e você me coloca algemas?”
“Você delegado matou um homem inocente. Juca já estava a mais de três horas morto. Você sabia dos encontros dele com Catarina. Veio aqui e o matou. Depois ficou esperando por Catarina, que você sabia que viria aqui também antes de entrar no trabalho no restaurante. Eles costumavam se encontrar neste horário.”
“E por que eu faria isto?” Quis saber Elias.
Agora foi o delegado Jacinto quem respondeu:
“Para nos fazer crer que foi Juca quem matou aquelas três meninas e também o garoto Foguinho. Mas nós já desconfiávamos de você depois que Foguinho e a jornalista nos procuraram. No início achei que ele era um bandidinho com rancor de ter levado certa vez uma surra de você. Ele nos deu o nome de duas testemunhas que o teriam visto tanto na praia saindo do mar com a jornalista ainda boiando na água, bem como em companhia das três garotas assassinadas.”
“E você vai acreditar nestes garotos delinqüentes?” Gritou Elias.
Agora era o investigador Douglas quem falava:
“No início não. Um garoto assaltante não serve como testemunha de acusação de um delegado. Mas daí ele morreu, e investigamos se senhor delegado conhecia as vítimas. Hoje mesmo as testemunhas que viram o senhor em companhia delas, viraram cinco. Temos agora cinco testemunhas Elias. Foi mais ou menos na hora em que o Victor entrou em contato com o doutor Jacinto em Bertioga.”
“É! Ser filho de bicheiro tem suas vantagens. Liga direto para o secretário de segurança!” Gritou Elias.
“O senhor Montale é um jornalista respeitado, por isso atendi ao telefonema.” Jacinto foi ponderado. Tínhamos que agir rápido. Entrei em contato com Douglas e por sorte ele estava passando por aqui e viu a sua viatura na frente da imobiliária. E viu também você saindo aí de dentro há poucos minutos e indo encontrar Victor no Constantinopla. “Como você pode ver Elias, você estava sendo fotografado e monitorado.”
“Eu estava investigando o Juca. Ele se envolvia com meninas, como está aí que ele matou.”
Desta vez fui eu:
“Elias, as outras três vítimas eram loirinhas e branquinhas, tinham dezesseis anos e foram estupradas. Catarina é mulata, tem vinte e um anos e nunca foi estuprada por Juca. Se não ela não viria aqui dia sim, dia não. Ela não tem o perfil das meninas que você mata. Sabe-se quantas já foram neste mundo.”
“Ela vinha aqui escondida!” Gritou Elias.
“Escondida porque como você mesmo disse, ela é colega de trabalho de Márcia a esposa de Juca. Ele era casado, tinha de ser escondido. Você aproveitou o fato para tentar fazer crer que o assassino em série era Juca e não você.”
“Mas como você chegou nestas conclusões absurdas Victor?”
“Foi você quem disse, para fazermos tudo direito, correto, dentro da lei não foi Elias? Então eu fiz. Chamei a polícia. Eu acredito nela.”
Elias ainda não podia crer na minha abilidade. Ele pensava que eu não passava de um gay e tonto. Por isso tive que lhe contar seu outro deslize.
“Você roubou o computador errado. Luana guardou o verdadeiro na recepção da pousada. E adivinhe? Estava tudo lá, fotos, nomes de testemunhas, documentos e até vídeos de foguinho. O menino tinha um dossiê completo sobre os crimes. Não só das meninas, mas também da chantagem e propinas que você recebia para fazer vista grossa das obras ilegais. Mas não fique triste. Meu editor me prometeu capa da revista nesta semana. Você será conhecido no Brasil todo, até na sua terra em São José dos Campos.”
Tirei uma máquina e com a permissão dos policiais, comecei a fotografar tudo. Inclusive os corpos. Antes de sair eu falei por último, olhando nos olhos de elias:
“Você é um nada.”
Aquela noite depois que o levaram eu segui para o bar do Cacau. Encontrei as pessoas da praia que iam sabendo na notícia do delegado Elias preso. Muitos comemoravam, acho que o delegado não era muito amado no Cacau. Bebi muito.
Dia seguinte fui à praia logo de manhã. O tempo estava mais fechado, nublado. Para minha surpresa, Ricardinho estava na praia, de sunga. E não que aquele magrelo tinha uma bundinha?
Comecei a chorar. Minha amiga não estava vingada. Por mim eu teria matado Elias com um saco plástico, teria feito ele morrer asfixiado. Mas não é o que a Lu gostaria que eu fizesse. Quando liguei o computador estava tudo lá. Somos jornalistas. Ela merecia aquela reportagem, afinal foi a sua última. Por isso não mexi na parte já feita por ela, mas adicionei outros desfechos que ela não pode saber.
Cai de joelhos na areia. Eu chorava muito. Ricardinho me levantou. Eu o olhei e disse:
“Obrigado.”
Não preciso dizer que nos dias seguintes fiquei preocupado com o emprego o seu emprego. De ele, Ricardinho, ser pego comigo na cama. Ele se revelou um amante e tanto. Mas qual não foi a minha alegria ao acordar alguns dias depois, e Ricardinho me mostrar a Revista, com o título: 16.
Dezesseis. Por Luana Benevides e Victor Montale.
Começava mais ou menos assim:
Muitos sabem dos problemas e das maravilhas do Litoral Norte de São Paulo. Principalmente a costa sul com seus dezesseis quilômetros de praias. O que não enxergamos ou ainda vemos, mas não queremos enxergar é a juventude deste lugar. Meninos e meninas que são gastos não pela maresia e pelo tempo, mas por descaso tanto do poder público como do privado. Conheci Foguinho por acaso. Um menino brilhante, cheio de vida, bonito como a natureza deste lugar, porém triste pessimista. Ele vive com medo e vive atormentado, pois sabe o nome do assassino de três meninas. Três amigas que como ele, elas deixaram o mundo aos dezesseis anos. E quem se importa? Afinal não eram turistas e sim locais.
Se o leitor quiser saber mais, compre a revista na banca. Ou visite a região no inverno. Mas vá com a alma livre e aberta. Não suje a praia, nem tão pouco seus habitantes. Você não irá se arrepender. Os locais costumam repetir uma frase de um antigo morador de lá:
“Um dia longe de Juquehy é um dia a menos na vida.”